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Tenho que passar a andar com a radiografia

por beatriz j a, em 26.08.19

 

Como não tenho ar de doente e faço questão de não andar por aí a queixar-me de ter dores ou a fazer-me de coitadinha, as pessoas olham para mim e desvalorizam a situção. Mesmo médicos. E se vêem as análises de sangue, que estão sempre boas, ainda é pior. E fazem perguntas e eu começo por dizer a verdade e eles dizem que não pode ser isto e aquilo... e passo a mentir-lhes para não me chatearem...

 

Fui ao supermercado. Hoje estou cheia de dores porque tenho que ir fazer um exame médico especialmente horrível, que me vão fazer sem anestesia, num hospital que não conheço com um médica que nunca vi mais gorda. O stress da situação, apesar de já ter ido caminhar para destressar, faz logo aumentar a intensidade e o alcance das dores que já sobem pelo pescoço.

 

Eu tenho um atestado de incapacidade passado por uma junta médica, numa percentagem muito alta e tenho direito, por lei, a atendimento prioritário. Tenho estatuto de deficiente. No entanto, nunca o uso (usei uma vez num hospital porque tinha mais de 50 pessoas à frente e estava a sentir-me mal e outra vez na secretria da escola, num dia em que ia fazer um exame médico e tinha que estar em jejum total - ouvi bocas de funcionárias [há lá uma funcionária que descobri recentemente que não me suporta...] como se estivesse a pedir um privilégio... porque lá está, olham para mim e não me vêem como uma doente, sobretudo porque não faço esse papel de coitadinha) e espero a minha vez na fila.

A empregada da caixa resolve dizer a uma grávida, que estava na fila sem se queixar, para passar à frente de toda a gente. Disse à mulher que ela não sabe se há outras pessoas também com prioridade. Volta-se para mim e diz, 'estas finas com este ar de ricaças ainda se queixam'. Nunca mais meto os pés naquele supermercado mas fiquei a saber porque é que a outra da secretaria fez o que fez. Pelos vistos as pessoas acham que tenho ar de ricaça e isso irrita-as... é por isso que essa pessoa da escola (e outras) já me disseram que até tenho sorte porque agora pago menos 200 euros de impostos. É isso... sou uma ricaça com sorte de ter um cancro... como se não gastasse rios de dinheiro com a porcaria da doença. Hoje são mais cem e tal euros, não comparticipados, num exame médico. Na semana passada setenta euros num exame e quarenta numa consulta. Não comparticipados. Se hoje sair do exame muito abalada vou ter que enfiar-me num táxi para voltar para Setúbal. Quase todas as semanas há disto. É isso... sou uma sortuda. 

 

Há muitos anos uma funcionária da escola contou-me que quando era miúda a família era bastante pobre e recebiam ajudas de comida. No dia de irem buscar a comida a mãe vestia-as, a ela e às irmãs, com mais cuidado para aparecerem limpinhas e com bom aspecto. Ouvia bocas por não terem aspecto de pobrezinhas... é isso... uma pessoa tem que ter ar de coitadinha para os outros não fazerem falsos juízos acerca da nossa vida e não nos tratarem mal...

 

Tenho que passar a andar com a radiografia e espetá-la na cara de certas pessoas. Tenho que fazer TACs com regularidade. Chego lá, deito-me na máquina, aparece o enfermeiro de serviço, põe-me o catéter, fala comigo na boa. Depois sai, fecha a porta e põe a máquina a fazer uma primeira passagem para ver a situação e depois volta a entrar para injectar-me o contraste e só depois a máquina faz outra passagem. Quando entram para injectar o medicamento a cara deles mudou. Começam a fazer-me festinhas e perguntar se estou bem e se estou e a sentir-me bem e se preciso de alguma coisa. É que acabaram de ver o bicho. Depois quando vêem tirar o acesso fazem-me mais festinhas...

 

Nunca na minha vida fiz coisas para prejudicar alguém. Antes pelo contrário, faço o que posso para ajudar. Não compreendo essa maneira de ser. Tenho que passar a andar com a radiografia e espetá-la na cara de algumas pessoas estúpidas para ver se me deixam em paz. 

 

publicado às 12:50


2 comentários

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De Manuela a 26.08.2019 às 16:12

Infelizmente há muita gente mesquinha.....gente que até gosta de ver os outros mal para, depois, quais cristãos a baterem com a mão no peito, poderem ser muito caridosos para se sentirem melhor com a sua (parca) consciência. Tipo: coitada! Afinal, está pior que eu! Ainda bem que não me calhou a mim!
E, chegados aqui, eu digo: por enquanto!
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De beatriz j a a 26.08.2019 às 21:45

Há pessoas beras, mesmo.

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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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