Como é sabido, a APEDE apresentou oportunamente uma proposta, que nos parece consistente e fundamentada, para uma reforma global do sistema educativo em Portugal.
Faltou, contudo, frisar a ideia de que, em Portugal, qualquer proposta que vise alterar, de raiz, as práticas do ensino, da avaliação dos alunos e da organização geral das escolas, com o objectivo de criar uma escola de qualidade e de exigência, uma escola capaz de responder, ao mesmo tempo, ao imperativo da integração social e à aquisição sólida dos saberes essenciais ao pleno desenvolvimento dos indivíduos, qualquer proposta que apresente, pois, este amplo desígnio está dependente de um factor básico: a reforma radical do próprio Ministério da Educação.
Sem uma limpeza profunda nesse Ministério, todos os bloqueios fundamentais às necessárias reformas permanecerão de pé, minando, sabotando e emperrando as transformações de que precisamos urgentemente.
Ora, esses bloqueios correspondem a pessoas muito concretas que ocupam lugares precisos nas estruturas internas do Ministério, pessoas cuja ideologia pedagógica responsável pelos maiores disparates das últimas décadas no sistema de ensino português continua a fazer lei. Tais bloqueios correspondem também a organismos cuja redundância burocrática ou cuja influência deletéria na definição das políticas nunca deixou de se fazer sentir, independentemente da cor partidária de quem ocupa a cadeira de Ministro. São elas e eles que detêm o verdadeiro poder no interior do Ministério, e, quando emergem em lugares de responsabilidade política – como no exemplo de Valter Lemos -, fica à vista de todos os malefícios que as suas cabecinhas são capazes de produzir. Contrariamente ao que alguns pretendem sustentar, muitas destas personagens foram formatadas por um certo modelo de «ciências da educação», e foi em nome das ideologias veiculadas por esse modelo que fizeram o seu currículo e a sua carreira - uma vez mais, o caso de Valter Lemos ilustra-o na perfeição, e só a ingenuidade ou a desonestidade intelectual poderão pensar que uma tal ideologia pedagógica, assente como está na hostilidade à figura do professor enquanto autoridade e enquanto transmissor do saber, foi totalmente estranha ao ataque contra os professores movido pela anterior equipa ministerial.
Portanto, e antes de qualquer reforma ambiciosa, no Ministério o que é preciso é nada menos do que uma verdadeira purga ou, para estarmos mais perto do espírito do pós-25 de Abril, um saneamento global.
Um Ministro efectivamente reformista, interessado em identificar os principais bloqueios que não tardariam em minar todas as suas iniciativas se não fossem previamente removidos, deveria começar por encomendar a pessoas da sua máxima confiança um estudo exaustivo sobre toda a orgânica do Ministério, a fim de assinalar:
- os organismos onde pontificam os abencerragens responsáveis por coisas tão “brilhantes” como o Estatuto do Aluno, os programas da maioria das disciplinas, a concepção de boa parte dos exames, etc., etc.
- as estruturas administrativas ou pseudopedagógicas que contribuem para asfixiar a autonomia das escolas, para duplicar funções e tarefas, para produzir papelada – sob a forma de “estudos” e “sugestões” – cujo único destino é a prateleira, o arquivo morto ou o caixote do lixo;
- todo o pessoal que ingressou no aparelho ministerial por via do amiguismo e do nepotismo político-partidário, que não por um currículo indiciador de qualidade.
Concluída esta identificação, o mais profunda possível, teriam de ser criados mecanismos rápidos e expeditos para que toda essa gente fosse corrida do Ministério e para que todas as estruturas supérfluas – essas sim, queimando escusadamente o erário público – fossem imediatamente extintas.
Claro está que esta análise deveria também identificar as pessoas úteis e necessárias ao funcionamento eficaz do Ministério, aquelas que, pela sua lucidez, eficiência técnica ou simplesmente bom-senso, poderiam facilmente constituir aliados fundamentais para as reformas a desenvolver pela equipa propriamente política.
É duro o que aqui se propõe? Talvez. Mas, sem esta barrela prévia, qualquer conversa sobre as transformações no sistema educativo não passa de uma ocupação ociosa e de uma pura perda de tempo.