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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
A Ponte dos Suspiros em Veneza (por onde passavam os prisioneiros e podiam ver uma última vez a luz do dia, diz a lenda, antes de serem encerrados) - circa 1870 | por Gustave Doré, 1832-1883 - Aguarela.
Não parece nada uma aguarela.
Belo tempo que apanharam :)
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Nadir Afonso, Praça de São Marcos, Veneza
Veneza III
O barulho da vida já não dura.
A maré de inquietudes se quebranta.
E no veludo negro o vento canta
Minha vida futura.
Talvez despertarei noutro lugar,
Quem sabe nesta terra entristecida,
E algumas vezes hei de suspirar
Pensando em sonho nesta vida?
Mercador, padre, arrais, neto de um doge,
Quem me fará viver? Que criatura
Há de forjar com minha mãe futura
Na noite escura a vida que me foge?
Quem sabe até, ao escutar o canto
Da jovem veneziana, comovido,
O meu futuro pai por entre o encanto
Da canção já me tenha pressentido?
Quem sabe em algum século vindouro
A mim, criança, a sorte me consente
Abrir as pálpebras, tremulamente,
Junto à coluna do leão de ouro?
Mãe, o que canta este áfono instrumento?
Talvez a fantasia já te embale
E me protejas com teu santo xale
Da laguna e do vento?
Não! O que é, o que foi – tudo está vivo!
Fantasias, visões, ideias – tudo!
A onda do oceano recidivo
As despeja na noite de veludo!
Aleksandr Blok (tradução de Augusto de Campos)
Fui a Veneza há cerca de dez anos. Gostava de lá voltar outra vez. Estou a ler 'As Pedras de Veneza' e as ilustrações reavivaram-me a memória. De todos os sítios onde fui na Europa dois houve que tiveram um efeito imediato de me transportar no tempo, embora de maneira diferente. Um foi Rouen, em França, o sítio onde Joana D'arc foi torturada e morta pela Inquisição - a cidade é medieval, a arquitectura é Normanda com aquelas casas de madeira com traves negras no exterior em forma de cruz. Tem bairros labirínticos e uma pessoa sente-se fora deste tempo, mergulhada no mundo medieval. Mas Rouen, que é uma cidade que as pessoas gostam, deixou-me uma impressão estranha. Uma atmosfera sufocante, assustadora e violenta. Não sei porquê mas passei lá dois dias sempre incomodada. Talvez algo das pessoas e dos seus sentimentos fique nos sítios - partículas..qualquer coisa. Ali em Rouen o ódio e a violência...enfim, Veneza foi o oposto, porque tem o efeito de nos atirar para outro tempo mas de um modo belo e romântico.
Não se pode ir sozinho a Veneza. Não tem piada nenhuma porque a cidade apela aos sentidos e à partilha. Em Veneza até as portas dos fundos dos prédios são bonitas e cheias de ambiente. Está cheia de pracinhas com coisas surpreendentes, sejam fontes, igrejas, pequenos museus, restaurantes típicos, pequenas fábricas... uma pessoa perde-se encantada com os sítios. Andar no Grande Canal e ver aqueles palácios todos, ir aos cafés na Praça de Sao Marcos, ver o entardecer da esplanada.
Estive lá em Maio e houve um dia que choveu tanto que a praça de São Marcos inundou e andávamos sobre traves apoiadas em estacas. Quando fui ver o palácio do Doge vi duas gigantes pinturas que retratam a praça inundada e vêem-se as pessoas -bispos, princípes, etc.- a andar nas mesmas traves sobre estacas, o que mostra como todo o passado é presente em Veneza.
Decididamente um sítio que se quer desfrutar em companhia certa.
Ontem à noite recebi uma mensagem de amigos que estão em Veneza. Estavam num bar, a beber uns copos e a brindar aos amigos que já se foram e aos que estão ausentes. Lembraram-se de partilhar comigo esse momento e de beber um copo por mim. Foi pretexto para ir rever as fotografias que tirei quando estive em Veneza. Lembrar-me dos sítios. Gostava de lá voltar. É como regressar no tempo, a uma época shakespereana. Ficamos à espera de ver o Otelo aparecer à varanda do palácio do Doge.
Veneza deixou-me uma impressão tão vívida que lembro-me daquilo tudo. As pontes, as praças, as igrejas, os palácios, os quadros, os frescos, a Basílica, as ruas, os cafés da praça de S. Marcos... Lindo!
canaletto
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