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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Querer reduzir as propinas da licenciatura, dizendo às universidades para se financiarem com as propinas do mestrado, é pior do que um presente envenenado.
Este artigo faz um diagnóstico que me parece correcto quando diz que propôr às universdades que se financiem com os mestrados é um artifício que não resolve o problema aos alunos, dado que as licenciaturas pós-bolonha não têm grande valor sem os mestrados e dado o preço exorbitante destes últimos.
O que não me parece correcto é a solução que propõe que consiste em continuar a cobrar propinas mas deferir o seu pagamento para depois de acabado o curso com um contrato de empréstimo. Este é o modelo americano que está em falência -o ensino universitário está em decadência em parte por causa deste mercantilismo e estão com falta de alunos- devido a os alunos estarem tão endividados à saída da universidade que só uma pequeníssima minoria que arranje trabalho muitíssimo bem pago consegue pagar antes dos 40 ou 50 anos.
Ora, nós somos um país onde os empregadores esperam que após o curso os alunos estagiem de borla e que quando comecem a trabalhar o façam pelo salário mínimo em condições de precaridade. De modo que isso é uma falsa solução.
Depois diz que as propinas são apenas um sétimo do custo anual de estudar na universidade, coisa que ronda os 5800€. Pois, acredito que seja verdade mas são um sétimo de custo fixo enquanto os outros são variáveis. Quero dizer, eu dou aulas numa escola que tem muitos alunos com muitas dificuldades económicas a par de outros que têm bastante dinheiro. Eu vejo que os alunos com dificuldades económicas que querem estudar estão habituados a fazer sacrifícios. Compram menos coisas e mais baratas, comem sempre na cantina, quando não conseguem comprar livros pedem emprestado, etc. São pessoas que não tendo que pagar propinas na universidade, se quiserem ir estudar, fazem os sacrifícios que já estão habituados a fazer. Ajustam-se. Agora, se têm custos fixos a que não podem fugir não têm hipótese. Outro dia um aluno perguntava-me se quando fui estudar Filosofia não tive medo de me arrepender ao fim de um ano ou dois e depois perder o dinheiro das propinas desses anos... só que quando tirei o curso não se pagava propinas. Muitas pessoas que são a favor de pagar propinas são do meu tempo e não as pagaram.
Até estou de acordo com o argumento segundo o qual o que faz sentido é aumentarem-se as bolsas e as ajudas a quem não tem dinheiro em vez de se pagarem os custos aos alunos com dinheiro. O problema é que isso choca com a realidade e a realidade é que os governos vão buscar dinheiro aos que menos têm. Cada vez mais as ajudas estão condicionadas por mais entraves e é preciso ser-se praticamente indigente para se conseguir uma pequena ajuda do Estado e mesmo nesses casos, se a pessoa falha um papelinho dos inúmeros que obrigam a entregar num prazo de dois dias ou assim, perde todos os direitos. Essa é a realidade. Há uns poucos meses o Centeno quis anular os prémios de desempenho escolar aos alunos mais pobres e só não o fez porque a notícia causou tal escândalo em todo o lado que voltaram atrás na medida. Mas pensaram em fazê-lo.
De modo que propôr como solução que o Estado dê bolsas a quem não tem dinheiro é igual a propôr que vá buscar o dinheiro aos mestrados. No papel parece muito bonito e razoável mas na realidade não funciona porque os governos tiram a quem tem menos para dar a quem tem mais.
Ora, o que interessava era uma proposta que efectivemente permitisse que quem não tem dinheiro mas quer estudar o pudesse fazer sem ter que se prostituir para pagar as dívidas contraídas como acontece muito nos EUA e em Inglaterra.
Isto é em Inglaterra mas cá vamos pelo mesmo caminho.
Custa perceber que o sistema universitário britânico se tenha tornado uma grande empresa, com reitores-CEO a receber entre 250 mil e 450 mil libras por ano em salários e benefícios. Um sistema em que os estudantes são consumidores (e têm sempre razão?), o ensino mercantilizado e os professores funcionários “uberizados” fornecendo um “serviço”.
As universidades equivocaram-se quando nos deixaram fazer três semanas de greve, pensando que daqui sairíamos desmoralizados ou vencidos. Porque foram dias suficientes para percebermos quem está do nosso lado.
Muitos edifícios continuam ocupados por alunos. Haverá mais 14 dias de greve na época de exames, em Maio. Isto é só o princípio.
A mercantilização, com a consequente decadência, das universidades, é uma crise à escala global.
UKEssays.com says it has had a threefold increase in overseas students buying university essays - representing almost half of its customers.
Universities have accused essay writing firms of fuelling plagiarism.
The essay-writing firm accuses universities of turning a blind eye to the problem of overseas students with poor written English - with financial pressure overcoming any academic doubts.
And Mr Hallam said that essay-writing companies are to recruit bi-lingual essay writers to serve this growing market.
Essay writing services provide custom-written essays for undergraduate and postgraduate courses. Charges range from £120 for an undergraduate essay written in five days to £3,200 for a 10,000-word postgraduate dissertation.
Dantes as universidades eram locais onde se ia avançar conhecimentos, agora são sítios onde se avançam relações. As melhores universidades são as que providenciam melhores liaisons. Tendo o mundo 'avançado' para uma espécie de grande entreposto comercial, as universidades têm-se vendido aos poucos: tudo para chamar clientes (não alunos, que isso é outra coisa) que deixem lá o dinheiro. Percebemos... mas não deixa de ser mais um sintoma da decadência das universidades...
A London School of Economics contratou a Anjelina Jolie para dar aulas num mestrado (claro que não foi por ser uma estrela de cinema...); na Suécia há cadeiras de cursos sobre a Beyoncé (é muito popular); uma universidade suíça contratou o Durão Barroso quando saiu da Comissão (depois descontratou quando ele foi para a Goldman Sachs); O ISCSP contrata o Passos Coelho para dizer... qualquer coisa... não interessa... o que interessa é dizer que têm lá um ex-primeiro ministro a dizer coisas e isso chama curiosos e gente interessada em conections, a grande especialidade dos políticos em geral. Cada vez há mais casos destes.
Exemplos de perguntas para os alunos fazerem ao PPC: como se estraga um país em menos de quatro anos? Como perder grande parte da população futura activa em menos de quatro anos? Como destruir os serviços públicos em menos de quatro anos? Como ir a primeiro ministro sem currículo, sem nenhuma obra para mostrar? Como estabelecer liaisons úteis para o sucesso político? Como ser incompetente e mesmo assim ter ofertas de emprego?
Como se vê, stas pessoas não são completamente inúteis... ao menos servem de mau exemplo, o que também é pedagógico... gostava é de não ter que ser eu a pagá-los, que já paguei pela sua incompetência...
Fui dar uma volta pelos sites das universidades à procura de uma pós-graduação, uma formação interessante para fazer [queria fazer uma formação na ontologia. interessa-me muito o problema do movimento] e acabei por dar-me conta do marasmo em que estão os cursos de filosofia, que andei a pesquisar com mais cuidado e, os de humanidades em geral. Os cursos tem meia dúzia de professores para dar todas as cadeiras de todos os anos mais as de mestrado e ainda para orientar doutoramentos. A minha universidade que é a Nova, tem um só professor catedrático no curso... Em todas as universidades há professores que dão tudo quanto é cadeira... andei quase duas horas a bisbilhotar cursos e universidades e ofertas de formação. Muito pouca coisa pensada para quem tem um horário de trabalho e tudo um bocado, mais do mesmo. Vou pesquisar universidades estrangeiras. Pode ser que tenham formação interessante em formato e-learning.
... na questão da igualdade de oportunidades e da violência sexual.
"College used to be pretty affordable," says a fact sheet on Mrs. Clinton’s compact. "For millions of Americans, that’s not the case anymore." Colleges’ systems of grants and other financial assistance are complicated, so "free tuition" is a lot easier to pitch than a plan to tweak the existing patchwork of aid. Simple messages tend to resonate best.
In fact, some experts worry that free tuition for most families could exacerbate existing inequalities and further stratify higher education. While poor students would attend crowded, lower-tier public colleges at no cost, affluent students could buy their way into elite colleges — public or private — where they might get a different kind of education from everyone else.
O argumento segundo o qual a gratuidade do ensino universitário vai prejudicar os pobres porque vão para universidades públicas horríveis enquanto os ricos vão para as particulares boas (em Portugal usa-se o mesmo argumento para o cheque-ensino) é uma falácia porque assume como petição de princípio que as universidades públicas têm que ser más por serem financiadas com dinheiros públicos, o que não é verdade, como se vê pelo exemplo português onde, por regra, as universidades públicas são melhores que as particulares. Mas quando se trata de dar benefícios a quem não tem dinheiro aparecem logo os amigos dos lobbies a defender que o que é bom para os pobres é endividarem-se para enriquecer os ricos. Como é que se muda a ordem das coisa no mundo se nada muda e tudo quer continuar com os seus privilegiozinhos à custa da miséria alheia?
Actor to join ex-foreign secretary William Hague as ‘professor in practice’ as part of new MSc in women, peace and security.
Desde que as universidades se tornaram em empreendimentos cujo único objectivo é o lucro e não a educação que se assiste a uma decadência galopante. Primeiro aceitaram, a troco de dinheiro (ou favores políticios, o que vai dar ao mesmo porque estes sempre se traduzem em dinheiro) licenciar pessoas por equivalências (a 40 cadeiras, se for preciso), com o argumento de serem pessoas com experiência de vida na área em questão... tipo à Relvas. Agora, como se isso não bastasse contratam-nos como professores.
Na London School of Economics, uma instituição que passa por ser conceituada, a Jolie e Hague são os novos professores. Inventaram um termo pomposo, ‘professor in practice’, como pretexto de quererem ter na faculdade celebridades que, naturalmente, arrastam muito dinheiro em alunos que querem sentar-se a três metros delas e em financiamentos. Tudo para o deus lucro. O Barroso também anda por aí a dar aulas no mesmo contexto de pessoa sem estudos nem pensamento para leccionar mas com experiência em... sei lá... ser péssimo no trabalho...?
Uma coisa é convidarem estas pessoas para irem a uma aula relatar a sua experiência no campo, outra bem diferente é porem-nas a leccionar cadeiras. Há centenas de jovens com doutoramentos, publicações e trabalho feito à procura de emprego, gente que estudou durante muitos anos uma certa área e que fica à porta, porque em seu lugar entram as celebridades que são especialistas em... ser celebridades, em dizer superficialidades, porque para se dizer algo mais que superficialidades é preciso ter-se estudado e pensado nos assuntos com profundidade.
Cá em Portugal também já aconteceu pessoas terem o curso de professoras primárias, fazerem um ano universitário e terem licenciatura por equivalência, depois irem fazer mestrados e acabarem nos governos a fazer grandes estragos porque são pessoas sem formação mental. Sim, a universidade e os anos de estudo e trabalho que é preciso para se fazer um mestrado e um doutoramento, não só dão conhecimentos como formam a mente.
Enfim, mais uma universidade a entrar pelo caminho da superficialidade.
Hoje em dia as boas universidades são aquelas que, não tendo dinheiro para contratar estrelas de Hollywood ou do Conselho Europeu, investem em professores que efectivamente estudaram os assuntos e têm algo importante a dizer e as que ainda têm prestígio, têm-no, não por serem ainda excelentes, como foram, a formar pessoas, mas por serem excelentes a fornecer connections que promovem os estudantes a gente de sucesso, futuras celebridades da política e da economia que andam por aí a estragar o mundo (um aparte - li que a CGD está com grandes prejuízos. É preciso ser de uma enorme incompetência para pôr o banco do Estado, onde todo o dinheiro vai parar, a ter prejuízo).
... começa nas escolas. Está enraízada e é aceite não apenas pelos alunos, que a praticam sempre que podem, pelos pais, que aceitam e, em muitos casos, incentivam os filhos à fraude e, ainda muito pior, por muitos professores que consideram que o acto do aluno cabular é próprio da condição de estudante, uma espécie de fair game, de tal modo que riem-se e acham piada aos engenhos que eles utilizam para copiar.
Como se numa pessoa, o acto de cometer fraude nos testes e exames não influenciasse de modo nenhum e fosse algo completamente separado da capacidade de cometer fraudes noutros campos.
Não há em Portugal a consciência de que a educação na fraude é o falhanço de toda a educação e é a causa de tanta corrupção disseminada por todo o lado. As pessoas que recorrem as esquemas para ganhar vantagens sobre os outros, para se aproveitarem dos cargos, para sabotarem os outros, etc., são pessoas que começaram muito cedo nessa arte da fraude e do engano sistemático, nas escolas. Quando chegam às universidades, muito deles são já catedráticos do copianço.
Aliás, não existe uma noção da importância da educação no evoluir positivo da sociedade. Como se a educação fosse um acto ou um conjunto de actos inconsequentes que não afecta as pessoas nem as suas práticas. Não á por acaso que as culturas latinas são muito mais corruptas e lenientes que as do Norte: é que para os portugueses, ser desonesto é ser esperto e ser honesto é ser estúpido.
Google recruits the heck out of Stanford, Berkeley, Carnegie Mellon, MIT, and other top schools offering six-figures to start, plus bonuses. Facebook sponsors hackathons at the top schools, stays in touch with professors, and invests tons of resources in order to be the most visible and obvious employer.
Don’t think that the smart kids haven’t noticed—the proportion of Stanford students majoring in the Humanities has plummeted from over 20% to only 7% this past year, prompting wails among History and English professors whose classes no longer have students. One administrator joked to me that Stanford is now the Stanford Institute of Technology. In 2014, more Harvard Business School Grads went into technology than into banking for the first time since the dot-com era.
Que custos nos traz a todos este reducionismo do conhecimento e da vida à técnica, cujas consequências são a desigualdade social, a uniformidade e o afunilar da visão que decide os caminhos de todos?
The Orange County Register reports that Alain Bourget was reprimanded last year after opting not to use the $180 textbook, against department policies.
But Mr. Bourget says he doesn’t like the textbook, and would “feel completely dishonest trying to sell a book I don’t believe in.”
6 mil milhões [mm] para o BPN mais 4mm para o BESgate mais 2mm ou 3mm para as sociedades de advogados consultores, mais 6mm para as PPP... mais 6mm para tapar buracos das empresas públicas mal geridas.... um desperdício de dinheiros mal gastos... depois não há dinheiro para o essencial.
Problema afecta a Universidade de Lisboa, que está a comunicar aos estudantes que previam sair no 2.º semestre que não tem condições para apoiá-los. Restantes instituições conseguiram contornar a situação.
Não são adultos -a não ser os 'dux' que têm 30 e mais anos e lideram as praxes-, têm 17, 18 anos e, não são livres: são pressionados, eles sozinhos, por grupos de colegas mais velhos que os ameaçam, mais ou menos abertamente, de serem excluídos se não aderirem às praxes. É assim em muitos sítios. Mesmo em faculdades onde as praxes não são violentas muitos alunos submetem-se, por receio de serem gozados ou posto de lado mas não gostam e sentem algumas das praxes como embaraçosas e até, humilhantes. Fazem-no com grande frete e sem nenhum ganho de integração, muito pelo contrário. Isto dizem-me eles.
E as faculdades, embora possam não conseguir controlá-las completamente, podem perfeitamente desincentivá-las.
o costume...
as meninas que se afirmam por mandar outros ajoelharem-se...
os sádicos...
...
Isto tem imenso a ver com integração...
A ganância dos editores encontra-se com a vaidade dos académicos e produzem-se livros que não têm como objectivo serem lidos (custam entre os 80 e os 300 euros cada um) mas apenas cumprir o 'target' de publicação de um qualquer editor. Milhões e milhões pagos pelos contribuintes por livros aos quais nunca terão acesso.
... e a situação dramática em que deixaram os jovens académicos. Sem propósito nenhum. Por mendacidade, apenas.
Young academics: The great betrayal
Quase oito mil estudantes desistiram do ensino superior após o primeiro ano de inscrição numa licenciatura. Nas instituições particulares a taxa chega aos 17%.
As universidades continuam a ser o único meio, sem rival, de aceder a um conjunto de empregos. E certas privadas em particular, para um certo nicho de empregos com certo tipo de salários. Daí o preço escandaloso que pedem de propinas; e daí também o facto de muita gente estar disposto a pagá-las (não propriamente pelo que ensinam mas pela cunha que são...) enquanto têm dinheiro para isso... mas a crise em que estamos poucos perdoa.
(do blog transicao_ou_disrupcao)
Em Maio passado formalizei uma decisão sobre a minha vida profissional que culmina um percurso pessoal de tomada de consciência e de intensa busca interior que se iniciou em 2011-2012. Solicitei a rescisão do meu contrato como docente universitário, função que desempenhava há quase 28 anos. O texto que se segue é uma adaptação da carta que entreguei ao director da minha faculdade em complemento ao pedido formal.
"Como tive oportunidade de comunicar noutra ocasião, tenho sentido um desconforto crescente no exercício das minhas actividades, quer como docente, quer como investigador desta faculdade. As causas desse meu desconforto prendem-se com factores de ordem pessoal e conjuntural e não têm apenas a ver com esta escola em particular. No entanto, senti a necessidade de partilhar algumas das múltiplas razões que estão na origem desta minha decisão.
Considero condição necessária para desempenhar as minhas funções com motivação, empenho e qualidade, uma identificação e consonância com os valores e objectivos da escola. Acontece que nos últimos anos fui-me sentindo cada vez mais afastado desses mesmos valores e objectivos. O descontentamento foi dando lugar à frustração e esta foi-me roubando o gosto pelas minhas actividades académicas. Por um lado, em termos de docência e gestão académica, fui assistindo a uma transição para um modelo cada vez mais tecnocrático, mais burocrático e menos democrático, na medida em que tem conduzido a um distanciamento progressivo dos docentes em relação às decisões sobre as orientações estratégicas da escola. Associado a este modelo tem estado um mecanismo perverso de financiamento das universidades públicas que levou a que estas cedessem à tentação de aumentar o número de ingressos em função da procura, sem as necessárias contrapartidas institucionais, como o aumento de número de docentes, a dotação orçamental adequada para as aulas de laboratório, a renovação de equipamentos pedagógicos, etc., e não apostando em estratégias de qualidade do ensino. Assisti pela primeira vez este ano lectivo a situações aberrantes como a inexistência de verbas para comprar reagentes para as aulas de laboratório e colegas de departamento contratados a tempo parcial mas cujos ordenados não corresponderam à percentagem de tempo contratada e à carga lectiva que efectivamente tiveram. Os sucessivos aumentos do número de alunos em vários cursos têm vindo, por sua vez, a provocar uma diminuição da qualidade do ensino, do grau de exigência e do nível de formação dos alunos. Por exemplo, turnos de laboratório com 30 alunos são uma frustração para os estudantes e um desgaste para os docentes. A agravar esta situação foi instituído um sistema de avaliação contínua que orienta o desempenho dos alunos no sentido de estudar para os testes em vez de promover o gosto pelo conhecimento e o pensamento crítico. Os alunos deixam de ir às aulas para se dedicarem às avaliações e a interacção com os docentes vai esmorecendo. Está-se assim a privilegiar um modelo de ensino formatado para o desempenho e a competição com vista a formar indivíduos que entrem de forma dócil e aquiescente no sistema produtivo. Como disse o escritor Alberto Manguel “A escola, a universidade, deveriam ser o lugar onde a imaginação tem campo livre, onde se aprende a pensar, a reflectir, sem qualquer meta. Mas isso é algo que estamos a eliminar em todo o mundo. Estamos a transformar os centros de ensino em centros de treino.” Outro sintoma da mudança de valores da escola foi a instalação duma cultura de vulgaridade e prepotência que se manifesta por exemplo na aberração das praxes académicas e no abuso do consumo de álcool pelos estudantes, perante a passividade ou anuência dos docentes e restantes funcionários (mas também dos pais e demais sociedade).
Em termos de investigação, tem vindo a ser dado um peso crescente aos indicadores quantitativos que fomentam uma produção científica baseada fortemente no número de publicações e em índices de impacto questionáveis (que têm aliás vindo a ser postos em causa), e que promovem uma cultura de competição nefasta, na medida em que distorce o carácter universalista da ciência e da busca do conhecimento que estão na génese do conceito de universidade. Acresce que as exigências da multiplicidade de actividades dos académicos - gestão de projectos, orientações, escrita de publicações (para além da docência e actividades de gestão) - deixam pouco tempo e espaço para a reflexão, o questionamento e a contaminação entre saberes. Por outro lado, a ideia de que a boa ciência é aquela que resulta em aplicações tecnológicas e patentes é redutora e conduz a aberrações como a génese de empresas que vingam no mercado de jogos de computador de carácter alienante e pouco edificante. Claro que este não é um problema exclusivamente nacional mas apenas um reflexo daquilo que se passa também noutros países.
Entre as razões de ordem conjuntural destaco a profunda crise nacional e internacional que vivemos. Trata-se duma crise sistémica do modelo civilizacional ocidental que se agudizou com a hegemonia do capitalismo neoliberal e da economia de mercado, e que resultou numa tragédia social e ambiental cuja verdadeira dimensão se tem vindo a tornar cada vez mais evidente. As universidades não deviam alhear-se desta realidade com o risco de porem em causa não só a sua própria sobrevivência como a do legado cultural e científico que levámos séculos a construir. Considero aliás urgente e absolutamente crucial que haja a coragem e clarividência para questionar o actual modelo de sociedade baseado num crescimento insustentável e predatório, e que se analise com realismo e frontalidade as questões dos recursos básicos (água, alimentos, energia, minérios), do crescimento populacional e dos impactes ambientais, de modo a salvaguardar o futuro da humanidade e dos ecossistemas planetários. As universidades deveriam desempenhar um papel crucial neste sentido mas não só deixaram de responder aos problemas mais graves da sociedade, como perderam a capacidade de intervir quer na definição das políticas de ensino e investigação, quer na definição dos valores da própria sociedade. Pior ainda, a academia deixou-se contaminar pelos valores da ideologia neoliberal, mercantilista e tecnocrática que permeiam transversalmente a sociedade actual e não está a contribuir para encontrar os caminhos que nos afastem do rumo de decadência moral e cultural, e de auto-destruição em que nos encontramos.
Tornou-se claro para mim que ao continuar onde estive até agora só iria contribuir para perpetuar este estado de coisas. Por um lado, não soube encontrar as formas ou os recursos para fazer a mudança por dentro, mas por outro lado não vislumbro na escola a vontade ou o interesse em querer mudar. No entanto, considero que o meu afastamento não é uma desistência mas antes uma procura consciente de outros caminhos e outras possibilidades. Espero vir a conseguir contribuir de alguma forma para a renovação do sistema educativo que rompa definitivamente com o actual sistema baseado em modelos de ensino reducionistas, mecanicistas e tecnicistas, que consistem numa mera transposição do paradigma social vigente. Considero necessária uma mudança profunda e corajosa de um ensino meramente transmissivo e passivo para um ensino transformativo e activo que estimule o pensamento crítico e a emancipação intelectual. Só assim será possível a transformação do actual paradigma de desenvolvimento baseado no consumo e no crescimento constante num outro que nos conduza à sustentabilidade, acarretando necessariamente mudanças profundas do nosso modo de vida e dos nossos conceitos de bem-estar e de qualidade de vida."
publicado por transicao_ou_disrupcao
“It is one of the noblest duties of a university to advance knowledge, and to diffuse it not merely among those who can attend the daily lectures—but far and wide.” (Daniel Coit Gilman, the founder of Johns Hopkins University and its university press.)
University presses don’t just publish books: they keep books in print and rescue out-of-print books from obscurity. “People sometimes dismiss university press publications as low-selling, but that underestimates their cultural importance and influence,” says Doug Armato, director of the University of Minnesota Press.
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Se as universidades deixarem de ter apoios para que os seus membros façam investigação, quem fará avançar o conhecimento? E se deixarem de subsidiar as editoras universitárias para que servirá a investigação universitária em certas áreas? Apenas para benefício dos seus próprios membros? A universidade, todas as universidades, têm uma vocação universalista pois todo o investigador trabalha para encontrar soluções -seja na área da medicina, da física, da psicologia ou da política- que sejam válidas, não apenas para si próprio ou para as pessoas do seu país mas para todos, universalmente.
A divulgação dos trabalhos, torna-os acessíveis a todos quantos queiram participar desse avanço no conhecimento e, nessa medida, beneficia-nos a nós todos porque o que lemos e assimilamos modifica a nossa maneira de ser e agir e, isso é o cerne da nossa evolução. Caso contrário o que temos é a estagnação. Isso vê-se claramente comparando o que era o conhecimento medieval, antes da imprensa espalhar o conhecimento a vastos públicos e no que se tornou depois desse acontecimento. Desta maneira, pôr as universidades a funcionar sob a égide do lucro a todo o custo, pode ter como custo a própria sobrevivência da cultura humana e até da própria Humanidade.
Qual é o sentido do conhecimento se não contribui para a evolução do nosso ser e agir e, qual é o sentido da Humanidade se nega a si própria a possibilidade de evolução?
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