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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Quando se juntam as mesas em quadrado, muda-se também a hierarquia entre os alunos. Deixa de existir a divisão entre indisciplinados nos lugares de trás e "marrões" nas filas da frente. Como está agora, a sala de aula é "um espaço antinatural"
É por isso que anunciaram que vão fazer a reforma sem ouvir os professores. Pois, que interessa ouvir aqueles horríveis professores que nem sequer descobriram ainda o que um designer e um coreógrafo perceberam num minuto? Que tudo se resolvia com as mesas em U?
Eu leio estes artigos e o que me apetece dizer é que 'antinatural' é haver uma concentração tão grande de tolinhos a mandar e a influenciar as coisas na educação. É que este artigo é mesmo aquele tipo de coisa de gente que leu um livro de psicologia ou de sociologia e agora acha que descobriu a América. Isto faz lembrar a moda que varreu o ministério da educação aí há uns 10 anos, em que o que interessava era experimentar 'coisas giras e diferentes'. E mostra bem que esta gente não vai às escolas nem sabe o que lá se passa, pois há colegas que sempre deram as aulas com as mesas assim e a maior parte de nós já deu aulas com vários arranjos de espaço. Em U, juntando as mesas de modo a fazer dois grupos à volta de mesas rectangulares, ou quadradas, etc.
Há dois factos que estas pessoas parecem não perceber:
o primeiro é que as relações entre as pessoas não são estáticas, são dinâmicas. Assim, não há um modelo ou um 'truque' que as normalize. O que resulta numa turma, não resulta noutra; o que resulta com o modo de ser de um professor, não resulta com outro; na mesma turma, com o mesmo professor, o que resulta num certo tempo, ou espaço, pode não não resultar a seguir; às vezes basta mudar a matéria que se está a dar e as coisas mudam também. Quer dizer, as pessoas (sim, porque dentro da sala de aula estão pessoas - alunos e professores não são mecanismos automatizados ou automatizáveis) são influenciadas na sua disposição por inúmeros factores. E esse é o segundo facto: nada na educação se resolve com truques como se fossem macacos no circo. Não existe um ingrediente mágico que resolva todos os problemas. A educação é a formação de pessoas: nela tudo é moroso, em grande parte porque os processos de desenvolvimento e aprendizagem, tanto de conhecimentos como de atitudes, são interiores e dependem da maturação de outros factores.
Por exemplo, tenho uma turma do 11º com 26 alunos, que no primeiro período tinha um problema de concentração por causa de 5 deles. São bons miúdos mas não paravam de falar e obrigavam a interromper de modo que afectavam as aulas. Cada professor experimentou várias maneiras de resolver a questão. As mesmas técnicas não resultaram da mesma maneira para todos. A certa altura tivémos que mudar de sala porque uma das miúdas teve um problema num pé e não podia subir escadas. Passámos para uma sala muito pequenina. Aproveitei e separei os tais 5 como pontos cardeais - cada um para uma ponta - e pus os dois piores mesmo à minha frente. Estou em cima deles porque a sala não tem espaço, e entre o quadro e a mesa da frente tenho pouco mais de 50 cm para mim. Acabou-se completamente a conversa nas minhas aulas. No entanto, com outra colega a coisa foi exactamente ao contrário. O espaço exíguo e todos 'à molhada' teve como consequência que agora todos falam imenso. Entretanto eu, que resolvi o problema da conversa, fiquei com outro que não tinha. Uma das miúdas que falava muito mas também trabalhava, com a do lado, desde que está numa ponta afastada do grupo de amigos, deixou de prestar atenção à aula. Ela está sossegada mas a cabeça dela nunca está ali. Olha para a janela, 'está noutra'. Portanto, resolvi um problema arranjei outro que precisa de outra solução...
As pessoas que 'dizem coisas' sobre educação, e aulas, e técnicas pedagógicas e falam da boca para fora sem saber do que falam, a mim, tiram-me completamente a esperança de ver alguma coisa mudar para melhor quando vejo que quem decide as coisas é gente tolinha. Ignorante e tolinha.
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