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Identidade por experiência comum

por beatriz j a, em 06.06.18

 

 

Todos os taxistas aqui da cidade me conhecem e eu a eles. Sabem da minha vida porque transportam há um par de dezenas de anos daqui para acolá e eu sei da vida deles porque me vão contando, da vida dos filhos, do trabalho. Sobretudo os mais velhos, têm grande familiaridade comigo.

Hoje entrei no táxi do senhor G e diz-me ele, 'então, hoje não se trabalha? Nem parece seu'. Disse-lhe que estava doente, ele perguntou-me o que tinha e eu disse-lhe. Perguntou-me como tinha descoberto. Contei-lhe. Disse-me, 'isso pode não ter sido do tabaco, não é verdade?'. 'Bem, poder pode mas as probabilidades são mínimas'. Como é que sabe, perguntou-me. 'Olhe, é a primeira pergunta que os médicos me fazem: é fumadora? Quantos anos fumou? Quantos cigarros?' Diz-me ele, 'não me diga isso. Deixei de fumar há dez semanas. Fumei aí uns quarenta anos e há mais de vinte que fumava aí uns três maços por dia. 'Olhe, disse-lhe, se fosse a si ia a um médico e pedir para fazer uns exames para ver se está bem'. Disse-me que era o que andava a fazer. Já tinha feito radiografias, TACs, provas de esforço, etc. 

Depois pusémo-nos a conversar do como eram as coisas antes, naquela lógica de Alcoólicos Anónimos que se reconhecem. Quando começámos a fumar -ambos muito cedo- ninguém falava de cancros nem a gente sabia que fumar causava doenças. Toda a gente fumava. E fumava-se desde muito cedo. O médico era capaz de fumar no consultório enquanto nos via se fosse preciso. Quando começámos a ouvir falar de doenças ligadas ao tabaco já estávamos viciados há muito tempo. Hoje em dia é muito diferente, felizmente, nisso do tabaco. Agora comem hamburgers e montes de porcarias que nós não comíamos. Cada geração tem a sua estupidez própria, calculo. 

Enfim, desejei-lhe sorte e sobretudo que se fosse vigiando uma vez por ano ou assim (se é para descobrir estas coisas que seja cedo enquanto são pequenas) mas sem stress que não vale a pena. Ele também me desejou sorte com os tratamentos.

 

publicado às 19:08

 

 

 

 

 

 

 

Isto vem a propósito dum pedaço de conversa ouvida hoje em que alguém disse a outra pessoa que está a pensar deixar de fumar mas não sabia se era capaz e a outra responde, 'Isso custa nos primeiros dias mas depois passa e até te esqueces que fumavas'...

 

Deixar de fumar foi das coisas mais difíceis que fiz até hoje. Se alguém disser que é fácil é porque, embora fume cigarros não é um fumador, quer dizer um viciado, ou dependente, para ser menos agressiva -fuma meia dúzia de cigarros por dia e às vezes até passa sem eles.

 

Eu deixei de fumar em Abril de 2004, quase há oito anos e, ainda tenho vontade de fumar. Mais incrível ainda, é o facto de, de vez em quando, ainda ter os tiques de fumar, como ir com a mão ao bolso à procura do maço de cigarros ou pegar no giz com o indicador e o médio como se estivesse a fumar. Quando pessoas à minha volta fumam, o prazer de inalar o fumo dá-me imensa vontade fumar.

Então, porque é que eu não voltei a fumar... digamos, uma meia dúzia de cigarros por dia...? Bem, porque sou viciada e se voltar a fumar um cigarro que seja, não vou parar até fumar como fumava. E, entre outras coisas, acho que não seria capaz de deixar outra vez de fumar, porque foi tão, tão difícil e doloroso que só de lembrar assusta.

Quem não fuma ou fuma meia dúzia de cigarros aqui e ali, não compreende como é difícil e, dizer a alguém que vai ser fácil é o primeiro passo para a pessoa não conseguir.

 

Eu fumava muito. Gastava quatro maços de cigarros por dia. É certo que muitos, se calhar a maioria, deixava-os a meio, ou porque não tinha tempo, como nos intervalos das aulas, em que fumava três meios cigarros ou porque me esquecia deles nos cinzeiros e às vezes tinha três ou quatro cigarros a arder ao mesmo tempo em cinzeiros espalhados pela casa. Mas são muitos cigarros, até porque alguns fumava-os até ao tutano. Assim que acordava fumava um cigarro, mesmo antes de comer ou então ao mesmo tempo...

 

Deixei de fumar à bruta porque me mentalizei que a única maneira de deixar era desse modo. De vez em quando experimentava a ideia de não fumar e imaginava-me a não fumar mas, de cada vez sentia que não estava preparada ainda.

Isto durou aí uns dois anos (em que já respirava mal e estava sempre a tossir, entre outras coisas como ter os dedos amarelos e ter de ir ao dentista mês sim mês não para não ter os dentes amarelos...) até que um dia, depois do almoço e de ter fumado um cigarro vi um programa com o testemunho de uma pessoa que tinha deixado de fumar por ter tido um AVC que a deixou durante um ano sem a capacidade de ler e escrever. Nessa altura, não sei bem porquê, a ideia de poder ficar naquele estado de não ser capaz de ler e de escrever foi mais assustadora que a ideia de deixar de fumar e tive a certeza absoluta que, se saísse de casa naquele momento e deixasse os cigarros para trás e aguentasse esse dia sem fumar que seria capaz de nunca mais fumar. Em parte foi o testemunho dessa mulher que nesse dia me tocou de um modo que funcionou.

Assim fiz. Saí de casa sem os cigarros e andei o dia todo fora de casa sem fumar. Estava tão motivada que passei esse dia e o seguinte sem problemas de modo que, ingenuamente, pensei que afinal era mais fácil de fumar do que pensava... Agora acho que o corpo estava com tanta nicotina acumulada que durante algum tempo o cérebro abasteceu-se dessas reservas...

Durante uma semana não disse a ninguém porque não queria correr o risco de anunciar um fiasco... depois quando disse as pessoas encorajavam-me -os alunos foram especialemtne amorosos- mas sem perceber bem a violência que se passava dentro do meu corpo.

 

Sintomas:

Deixei de dormir. Durante quatro dias não dormi a não ser uma hora aqui, outra ali e, praticamente não me sentei. Andava dum lado para o outro sem conseguir sentar-me.

Nos primeiros dois dias tive fortes arritmias cardíacas. De repente parecia que tinha feito um sprint violento e o coração desatava a bater desenfreadamente.

Ao fim de uma semana comecei a sentir a cabeça enebriada e ria constantemente. Calculo que o cérebro não estivesse habituado a funcionar com tanto oxigénio... os alunos riam-se...

Durante um mês o meu humor oscilava entre o rir parvamente e o ficar num estado de stress tão grande que ficava agressiva e arranjava discussões com toda a gente. Resistia a fumar dizendo para mim mesma que ía aguentar mais uma hora e depois logo se via. Fazia esta luta de hora a hora.

Continuava a não dormir. Falei com um médico que me ia dando medicamentos para dormir para ver se algum resultava. Nada. Valiuns, Lexotans e o diabo... nada me fazia dormir. Passava as noites -esse ano foi muito quente- na varanda a beber chá frio porque entretanto resolvi fazer dieta pois sabia que as pessoas que deixam de fumar ganham em média 10 quilos com os subsitutos -bolachas, rebuçados, bolos, etc.

Lá para Junho, a juntar a isto tudo apanhei um depressãozinha: chorava três vezes por dia. Ao almoço, a meio da tarde e à noite.

De vez em quando o nível de stress era tão violento que saía de casa e andava sem destino durante duas ou três horas. Só então era capaz de me sentar e acalmar.

Tudo o que em casa estava ainda impregnado de tabaco, como cortinas e almofadas, eu cheirava. O meu filho sofreu um bocado porque descarregava muito deste stress para cima dele.

Só ao fim de seis meses comecei a estabilizar. O humor estabilizou, deixei de necessitar de ficar exausta para não explodir a energia contida.

 

Mas, nunca mais dormi, até hoje. Durmo uma hora e meia ou duas e depois acordo. Encontrei uns comprimidos que me fazem dormir oitos horas. Se não os tomo, como acontece quando tenho aulas às oito da manhã e tenho medo de não eles me fazerem dormir demais, acordo lá para as quatro ou cinco da manhã. Para uma pessoa que tinha um sono de chumbo, isto custa muito.

Não perdi a vontade de fumar. De cada vez que alguém cheira a tabaco ou fuma ao pé de mim, o cérebro diz YES, pára e concentra-se no acto de apreciar o momento.

Tenho cigarros em casa, por uma questão de... não sei, mas sei que se não tiver é perigoso.

Se estou num bar a beber uns copos e há fumo no ar a vontade de fumar é muito grande.

O mais difícil de resistir são algumas cigarrilhas e charutos que eu adorava. Todas as vezes que entro numa tabacaria para comprar qualquer coisa e vejo cigarrilhas e charutos tenho que fazer um enorme esforço para resistir. Ainda não tirei da cabeça a ideia de voltar a fumar um cubano ou uma cigarrilha...

É uma luta diária. Melhora com o tempo, sim, mas não desaparece.

 

Se alguém tem um amigo que é viciado e quer deixar de fumar não lhe diga que é fácil... porque não é. É extremamente difícil. É preciso uma grande força de vontade e compreensão das pessoas à volta.

Diga-lhe para ir a um médico (era o que eu devia ter feito). Primeiro faz um teste para saber do grau de dependência, depois pede ajuda para não ter riscos de atques cardíacos, depressões, níveis de stress incomportáveis e problemas de fazer figurinhas parvas a rir idiotamente ou de inventar discussões com a família e amigos como modo de compensar a frustração. E depois prepare-se para uma luta por muitos anos ou, quem sabe, toda a vida.

 

publicado às 14:57


no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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