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Da Rússia de Putin, não com amor

por beatriz j a, em 29.12.15

 

 

 

Vlad Kolesnikov era um rapaz russo de 18 anos que não concordava com a anexação da Crimeia e, invulgarmente nos dias que correm, não tinha medo de o dizer. Em Junho passado levou vestida para a escola uma t-shirt a dizer, 'devolvam a Crimeia' e pôs o hino da Ucrânia a tocar no telemóvel duranet uma visita obrigatória a uma instituição militar.

 

Uns dias depois foi atacado pelos colegas de escola. A polícia apareceu a questioná-lo e investigá-lo: diagnosticou-lhe uma 'perturbação de personalidade'. Foi informado que tinha sido expulso da escola, 'a seu pedido'.

 

O avô, com quem vivia, pô-lo fora de casa. Enviou-o para a pequena vila onde vive o pai e disse-lhe que se voltasse lhe torcia o pescoço. Deu uma entrevista à TV a renegar o neto, a chamar-lhe gordo e a ler passagens do seu diário. Vlad Kolesnikov tinha 17 anos.

 

A vida na vila do pai não trouxe consolo. Rumores da sua homossexualidade fizeram dele uma vítima de constante bullying dos colegas e até da polícia local.

Apesar de ter mais de 2000 seguidores no FB ninguém o ajudou. Nem os professores, nem um adulto qualquer. 

 

Vlad Kolesnikov suicidou-se. Foi visto pela última vez no dia 25 de Dezembro às 13.36 horas.A polícia está a tentar classificar a morte dele como envenenamento acidental.

 

Esta é a Rússia de Putin. É uma Rússia de exaltação de valores bélicos, machistas. Moldada à imagem da mentalidade do seu mentor, aquele que manda fazer calendários de Natal com fotografias de si mesmo acompanhadas de frases parolas medievais a exaltar o poder militar, o seu reino como protectorado do povo, a família tradicional e outros valores que transformam em alienígenas uma boa parte da sociedade não conforme a estas referências. 

 

O problema do Mundo é duplo: por um lado, somos governados por ignorantes, lunáticos narcisistas; por outro, como dizia o JLG naquele filme extraordinário chamado Socialisme, a sociedade é quas sempre construída pelos piores porque os melhores -os corajosos, os que não fingem não ver e não perceber, os que não compactuam e não fogem, os que são morais- são os primeiros a desaparecer.

 

 

publicado às 09:46

 

Grimm's Tale

 

Stefan Grimm era um professor reputado da Imperial College, uma universidade inglesa prestigiada. Suicidou-se depois de o ameaçarem com processo disciplinar e despedimento por não angariar fundos milionários para a universidade. Deixou uma carta a explicar tudo isto.

 

Na carta pode ler-se:

 

I fell into the trap of confusing the reputation of science here with the present reality. This is not a university anymore but a business with very few up in the hierarchy, like our formidable duo, profiteering and the rest of us are milked for money, be it professors for their grant income or students who pay 100.- pounds just to extend their write-up status. 
If anyone believes that I feel what my excellent coworkers and I have accomplished here over the years is inferior to other work, is wrong. With our apoptosis genes and the concept of Anticancer Genes we have developed something that is probably much more exciting than most other projects, including those that are heavily supported by grants.
.

É nisto que se transformou a educação, de alto a baixo: um negócio de muitos milhões e projectos vistosos com professores de nomes sonantes que possam dar nas vistas, tipo grandes estrelas da ciência televisiva nas mãos de corporações que são donas das instituições e só as querem para ganhar dinheiro. Todos os que não encaixam na máquina corporativa são trucidados, mesmo que sejam investigadores extraordinários que trabalhem em projectos de real interesse para todos nós.

 

Quem não vê que a Europa precisa de grandes mudanças se queremos evitar que se torne numa Rússia ou China é completamente cego; a educação, que outrora era o cunho de excelência da Europa dos Direitos Humanos, decaiu na prolatarização dos professores e na indiferença dos que detêm o dinheiro por um progresso nos conhecimentos que reverta a favor da sociedade como um todo e não de quatro ou cinco DDTs.

 

Trágico, perturbador e sintomático da decadência da sociedade de ideais de liberdade, justiça e equidade que costumávamos ser.

 

 

publicado às 19:24


poesia de luís de góngora

por beatriz j a, em 12.03.10

 

 

 

Ao Excelentíssimo Senhor Conde-Duque

 

Já na capela estou, e condenado

a partir sem remédio desta vida;

sinto a causa mais forte que a partida,

pla fome expulso como sitiado.

Culpa sem dúvida é ser desgraçado;

mais, minha condição ser retraída.

Delas me acuso nesta despedida,

e partirei ao menos confessado.

Examine minha sorte o ferro agudo,

que, apesar de seus gumes, me prometo

alta piedade de vossa excelsa mão.

E já que meu acanhamento é mudo,

os números, senhor, deste soneto

língua e lágrimas sejam não em vão.

 

Luís de Góngora

 

 

publicado às 19:52


no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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