Hoje tinha isto na caixa do correio.
OMG! Já falhei os benefícios da crucificação! Já tinha ouvido falar dos benefícos da vitamina C, D, E, etc. mas, nunca tinha ouvido falar dos benefícios da crucificação...
As religiões cristãs já tiveram um papel importante numa certa libertação ou emancipação das pessoas mas isso foi há mais de dois mil anos... há muito tempo que são, sobretudo, uma fonte de obscurantismo.
Não digo que a crença num Deus seja irracional (embora seja não-racional) mas para além de ser intelectualmente desinteressante, acontece que as religiões organizadas que gerem a crença nesse Deus são, há muitos séculos, uma grande fonte de obscurantismo no domínio do conhecimento e de opressão no domínio ético e moral.

Outro dia fui dar com este artigo aí em baixo no Expresso e guardei-o porque é um bom exemplo de maus raciocínios, interessante para as aulas, não só acerca da religião (agora passou a ser obrigatório dar a religião como uma das dimensões da acção humana, no programa do 10º ano) mas para as aulas acerca da epistemologia.
Hei-de fazer um comentário a esse artigo mas não hoje que estou cheia de trabalho e vim só aqui fazer um intervalinho de sanidade.
Henrique Raposo
O que está antes do Big Bang? Se o Big Bang é a explosão da criação, qual é a centelha inicial que causa a ignição? Os ateus que instrumentalizaram a ciência nunca tiveram uma resposta e, aliás, ficavam enfurecidos quando se fazia a pergunta. Diziam que era uma questão imprópria. Não gostavam da pergunta, porque ficavam incomodados com um pressuposto que se tornou tabu: a ciência não cria, só descobre. E o Big Bang foi criado por uma entidade que é anterior e superior ao próprio tempo da história natural. Agora, perante a maravilhosa “fotografia” do buraco negro, podemos atualizar a pergunta: o que está para lá do horizonte de eventos que suspende as leis da física tal como a concebemos em 2019? O que está para lá do buraco negro é o que está para cá do Big Bang.
Nisto da existência de Deus (entenda-se por Deus, a entidade cristã, uma entidade inteligente, absoluta, criadora do que existe) não há muitas opções lógicas: ou esse Deus existe ou esse Deus não existe. Se esse Deus existe, sendo o princípio de tudo não pode Ele mesmo ter princípio, logo, existe desde sempre e, poderá ter criado tudo o que é. Se esse Deus não existe, a matéria, ela própria, é que não tem princípio, existe desde sempre e, tudo o que é, resulta da sua auto-organização e dinâmica.
A pergunta, 'o que está antes do Big Bang' não tem resposta da ciência porque não lhe cabe a ela perguntar se existe um Deus ou outro princípio qualquer causador de tudo. Cabe-lhe explicar os processos, o evoluir dos mecanismos no seu encadeamento.
Depois, é duvidoso que a ciência 'descubra', qualquer coisa, isto é, que algo esteja encoberto e a ciência desvele uma verdade ou realidade escondida. Quem cria os conceitos científicos são as pessoas e nós não vemos, muito provavelmente, as coisas como elas são mas como nós somos. Quer dizer, vemos o que a nossa própria organização cognitiva nos permite 'ver'. Se tivéssemos outra organização mental, vamos dizer, a das moscas, 'víamos' outro mundo.
De resto, são espantosas as semelhanças entre a cosmologia do cientismo (Big Bang) e a cosmologia do Génesis judaico-cristão: a explosão inicial, dizem ambas, ocorreu num dado momento. A teologia identifica uma ignição, o cientismo prefere entrar em negação e fingir que não ocorreu ignição. Ou, pior, recorre ao acaso como explicação. Ou seja, o cientismo que identifica as leis fixas e previsíveis do cosmos é o mesmo cientismo que diz que, ora essa!, toda esta arquitetura racional e previsível nasceu de um mero acaso sem intenção. É um erro lógico absoluto: como é que um acontecimento aleatório pode ser a causa da imensa arquitetura do cosmos, que existe precisamente para suspender o aleatório. Dos anéis de Saturno até à ordem precisa das células do olho humano, nada parece existir por acaso. Portanto, quando transforma a aleatoriedade do acaso na centelha inicial, o cientismo torna-se místico e incongruente com a sua própria lógica interna.
"são espantosas as semelhanças entre a cosmologia do cientismo (Big Bang) e a cosmologia do Génesis judaico-cristão:" Em primeiro lugar o cientismo não é a teoria do Big Bang nem nehuma teoria em particular. O cientismo é, grosso modo, a crença de que a ciência é uma forma de conhecimento superior às outras e que por isso as dispensa, como irrelevantes. Em segundo lugar, quase todas as culturas têm um mito cosmogónico idêntico ao do Génesis judaico-cristão, quer dizer, que explica a origem do Cosmos a partir de um Caos, de umas trevas indistintas pré-existentes de modo que o mito do Génesis não é exclusivo, nem original.
Em segundo lugar, a ciência não identifica leis fixas. Como é do conhecimento geral a ciência está em evolução e as leis que um dia são aceites no outro dia (que pode ser no outro século) são alteradas ou substituídas. Chamamos a isso, o progresso. A própria realidade é dinâmica e não estática.
Em terceiro lugar a 'arquitectura' do Universo não obriga a ter um Deus criador. Quando muito obrigaria a ter um arquitecto mas, um ser que arquitecta uma realidade não tem que ser, necessariamente, o criador da própria realidade, enquanto totalidade. Para não falar de que a arquitectura do Universo, se fôssemos ver todas as coisas existentes e não apenas as que parecem belas e impressionantes, umas vezes têm efeitos positivos, outras extremamente negativos, o que conflitua com a ideia de um Deus Sumamente Bom, inteligente e omnisciente tal como é entendido pela teologia cristã.
Finalmente, o conceito de 'acaso' na ciência não signific a, 'à balda', como o artigo parece dar a entender. O acaso é um conjunto muito complexo de eventos inter-relacionados que não conseguimos, dada a sua complexidade, descrever e prever, como nos explica a Teoria do Caos exemplificada no 'efeito de borboleta'. Quer dizer, uma pequenina mudança no início de um evento qualquer pode resultar em consequências enormes e desconhecidas no futuro.
A ideologia deste cientismo tecnológico (não confundir com ciência) aboliu a ideia de começo (para citar George Steiner). Durante todas estas décadas de pós-modernidade, não tivemos começos, não tivemos narrativa ou narrativas. Os filmes e romances não podiam ter um começo convencional. As nações não podiam ter sagas com princípio, meio e fim (trágico ou redentor). Estávamos suspensos no ar, porque o cientismo dominante lançou uma fatwa à pergunta mais básica e profunda: viemos de onde? Quem nos criou? Qual foi o nosso começo? Neste sentido, a fotografia do buraco negro pode ser uma libertação. Ao contrário do Big Bang, o buraco negro está ali e é impossível fugir à questão: o que está para lá do horizonte de eventos? Porque é que o espaço e o tempo se tornam moldáveis, isto é, relativos? Ora, seguindo a imaginação de Frank Herbert, até podemos conceber uma civilização humana ou humanoide capaz de dobrar o espaço para assim viajar no tempo. Imaginem que se dobra a Europa ao meio como uma folha de papel: Lisboa ficaria ao lado de Moscovo nesse espaço moldável. Mas como é que se concebe o tempo a ser moldado enquanto barro sem recurso à transcendência? Como é que se compreende a 'relatividade' do tempo de Einstein sem a 'eternidade' de Santo Agostinho? Como é que se compreende o tempo enquanto variável material sem a introdução do grande tabu, Deus?
O cientismo não aboliu a ideia de começo. Não cabe à ciência fazer essa questão nem essa é a questão mais profunda. A questão mais profunda, diria inquietante, não é o 'como é que as coisas se iniciaram e processam' mas 'porquê' existem. São questões diferentes. Não são a mesma questão.
Platão tem um argumento no livro do Fédon em que discute o problema da imortalidade da alma onde distingue essas duas questões.
Sócrates, sentado no catre da sua cela de prisão, explica que uma coisa é perguntar como é que ele está ali sentado, imóvel, outra é perguntar porquê. É certo que para levantar-se e pôr-se em movimento, precisa dos músculos e dos ossos e isso é o que explica o início do movimento do corpo e a sequência das acções. No entanto, não é por causa de ter músculos e ossos que está sentado imóvel. Está sentado porque quer, porque é essa a sua vontade e isso é que explica o porquê de estar imóvel.
Portanto, perguntar pelos movimentos da matéria que desencadeiam outros movimentos e acções, isto é, questionar os processsos do como é que 'isto' funciona e como se desencadeou, é o trabalho da ciência; mas perguntar, porque é que 'isto' existe, será que há uma causa que explique a existência de coisas, na famosa pergunta de Heidegger, 'porquê o ente e não o nada?', não é uma pergunta da ciência.
"Ao contrário do Big Bang o buraco negro está ali'... o que quer isto dizer?
E na imagem, "o tempo a ser moldado enquanto barro" ( que duvido possa ser uma imagem adequada) está implícita a ideia de que o tempo é material, logo, concebe-se muito bem sem transcendência divina.