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a Realidade não é o real

por beatriz j a, em 21.07.10

 

 

São duas coisas diferentes, a realidade e o real. Com a linguagem, os números e as imagens construímos um real que fala sobre a realidade mas que é diferente dela. Assim, por exemplo, apesar das pautas com as más classificações estarem afixadas e todos poderem ver como foram más, esquecemo-nos disso porque o que ficou gravado na mente foram os gráficos de barrinhas coloridas com desvios padrão e inferências de normalidade. Assim se explica também o facto de Portugal estar já com uma realidade de endividamento e pobreza grave e isso ter passado despercebido porque o real simbólico dos números e da linguagem dos políticos e da TV nos diziam outra coisa.

Quem anda nos ministérios e nas escolas de 'ciências de educação' lida com o real -fabricam-no- mas não com a realidade. Qualquer professor sabe que quanto mais alunos tem uma turma, a partir duma certa quantidade razoável, mais difícil de torna trabalhar com ela e tudo exige o dobro do esforço com menores resultados, mas quem está longe da realidade e lida com os números diz calmamente que isso é o senso comum dos professores porque os números até mostram turmas pequenas a terem insucesso. O universo simbólico dos números, revestido depois pela linguagem constrói uma representação da realidade desfazada, que é a que persiste, porque a maior parte de nós não contacta com as realidades mas sim com o universo simbólico que interpreta essas realidades.

Esta diferença entre o real -que diz que os alunos são, teoricamente, crianças, seres em desenvolvimento e em fragilidade- e a realidade onde os alunos são crianças ou adolescentes ou jovens capazes de grandes crueldades, violência e maldades, torna o discurso dos professores (que estão imersos na realidade) e da tutela (imersa no real simbólico) incomensurável: enquanto uns falam de um universo os outros falam de outro e não se entendem, com prejuízo para a organização da realidade...

Outra grande fonte de problemas, penso, é a ideia de mérito, que é muito falaciosa. Eu, por exemplo, faço questão de dar exemplos de pessoas reais que conheço e venceram adversidades com mérito e estudaram vindo de meios desfavorecidos, para motivar os alunos e inculcar neles a ideia de que vale a pena o esforço, mas tenho plena consciência disto ser uma falácia.

Na verdade são muito poucos os que conseguem vencer certo tipos de maus começos de vida e não basta ter mérito: é preciso ter MUITO mérito. Talvez um em cada não sei quantos mil consiga.

A ideia de que os alunos se estudarem muito conseguem sempre, é errada. Nem sempre é possível vencer todas as resistências do meio. Por outro lado, a ideia contrária, que reina ao mesmo tempo que a do mérito - a ideia de que, por estarmos numa democracia todos termos direito a tudo do mesmo modo (se uns passam os outros também têm que passar, mesmo sem estudar; se uns são bons a educação física e têm boas notas os outros também têm direito a ter, etc.) é outra fonte -a oposta- dos mesmos problemas.

Ambas as ideias -que todos têm direito a tudo e que só quem tem mérito é que vence- embora contrárias, vigoram esquizofrenicamente ao mesmo tempo tornando impossível qualquer vector de orientação positivo que ajude os alunos, nomeadamente os que estão sós -sem famílias e contextos seguros e nutrientes- na sua luta por uma vida melhor.

Na realidade (não no real, onde tudo parece sempre possível e a igualdade de oportunidades até tem percentagens favoráveis com paletes de sucesso) o sistema é extremamente injusto e penalizador dos que, à partida, já vão com grandes desvantagens em termos de qualidade de vida e de esperança num futuro de dignidade.

Para nós professores que lidamos com os dois universos, pois que conhecemos muito bem a linguagem e os números do Real, mas estamos todos os dias imersos na Realidade é angustiante testemunhar a hipocrisia do sistema e sentirmo-nos impotentes para inverter a situação.

 

publicado às 22:59


memória e conhecimento

por beatriz j a, em 25.06.10

 

 

Aprendizagem e memória são duas faces da moeda do conhecimento.

Onde não há memória, é evidente que não retemos o que aprendemos e por isso não formamos conhecimentos. Mas, podemos ter a memória intacta e não ter conteúdo para ela: onde não há aprendizagem, nada fica retido nessas despensas enormes que são a memória e que nos alimentam constantemente a alma e a vida.

Há sítios, pessoas, que nos encheram uma despensa inteira de memórias que continuamente nos alimenta: prateleiras e prateleiras de conversas, de partilhas, de risos, de ideias, de vivências, de sabores de cheiros...  depois, a mais pequena coisa nos traz à memória visões dos sítios, visões das pessoas: situações concretas que ficaram ligadas por fio invisível a essas fontes de vida.

Mas sem conteúdos não há aprendizagem, não há nada para pôr na despensa - sem conhecimento nada fica retido na memória.

A memória funciona com caminhos (engramas). Tal como uma vereda no campo que não sendo utilizada desaparece sob a erva que cresce sobre ela também os caminhos da memória, se não são percorridos, perdem consistência, tornam-se vagos, irreais.

É por isso que pessoas com uma grande experiência de vida têm muitas histórias para contar. Têm despensas inteiras cheias de alimentos. Outras estão mais ou menos vazias, ou cheias de irrealidades se foi nisso que transformaram os outros - uma espécie de musas, fantasias, personagens duma peça imaginária. É claro que isso significa que sacrificam a pessoa real para que nada perturbe a sua vida imaginária.

publicado às 09:11


Uma mente brilhante, um filme brilhante

por beatriz j a, em 05.04.10

 

 

Acho esse filme do post aí em baixo -A beautiful mind- muito bom. Passo-o nas turmas do 11º ano, a propósito da ciência e dos problemas do conhecimento. Muita gente que conheço não gosta do filme porque acha que não retrata como deve ser, nem a vida do John Nash, nem a sua esquizofrenia. Mas eu não vejo o filme como um documentário biográfico, vejo-o como uma abordagem aos problemas do conhecimento e da ciência, e nessa medida acho o filme brilhante, nas questões que levanta e nas respostas que ensaia.

No filme, Nash representa a ciência no seu 'core': a procura incessante de padrões de penetração e explicação do real, que é, no fundo, a tentativa de transformar o caos em ordem com as leis científicas.

O modo como ele constrói a tese que lhe deu o prémio - o momento exacto em que a ideia lhe surge com toda a clareza como uma peça de puzzle que encaixa na perfeição no problema é óptima para mostrar o que é o processo de incubação daquilo que vulgarmente se chama a 'descoberta científica'.

A crença que ele tem no 'método' bem como a crença que todos os outros têm nele (ao ponto de não se aperceberem dos seus desvios de comportamento) representa a fé cega na ciência, como única explicação do real e no método científico como a 'vara' que descobre o ouro enterrado. Isso mostra muito bem a crença vulgar de que a ciência é capaz de tudo, muito parecida com a crença em 'magia'.

Até meio do filme não percebemos que o seu amigo e a sobrinha, mais o dos serviços secretos são entes imaginários. Só a meio do filme, e de repente, somos confrontados com esse facto. Isso é um choque que não estamos à espera, e tem um efeito pedagógico nos alunos que podemos depois explorar para explicar como é que, estando imersos numa realidade, não nos apercebemos dos seus contornos e como é preciso ultrapassar os seus limites para termos uma visão do todo, sem a qual a fé é sempre cega.

O critério que Nash usa, no filme, para tomar consciência das suas alucinações (a miúda nunca crescer) é um critério de coerência lógica, o que exemplifica na perfeição o problema da necessidade de princípios heurísticos e dos critérios com que aceitamos outros critérios para fundamento da compreensão/explicação do real.

Duas cenas com a mulher dele mostram muito bem os limites da ciência e a seu apoio na própria crença, sendo que o único problema está em não termos consciência que a crença é crença e tomarmo-la por verdade única, dogmática.

A primeira dessas cenas é a aquela em que ele pede a mulher em casamento dizendo que precisa duma certeza de que ela o ama e que isso é real, ao que ela responde com a pergunta, porque é que ele acredita que o universo é infinito e trabalha tendo isso como princípio mesmo não sabendo ao certo se o é. Ele responde que é um acto de fé. Esta cena, onde ela o faz tomar consciência do lugar da fé na própria ciência mostra também que o dominio da ciência não é total. Há coisas que estão fora da sua explicação.

A segunda cena é essa representada na fotografia do post abaixo onde ela lhe diz que para além das hipóteses da sua loucura na busca de padrões (os indivíduos imaginários) há outras coisas reais (como o amor dela, que sendo da ordem do sentimento e não da razão, foi a única coisa com a qual ele afinal sempre pôde contar) e que precisa de acreditar que algo de extraordinário é possível, quando lhe pergunta se ele é capaz de lidar com os seus 'demónios' de modo a poderem ficar juntos. No fim do filme ele diz que agora escolhe ver os 'amigos imaginários' como uma hipótese paralela à qual tem de resistir, como uma espécie de dieta mental. Eu escolho interpretar essa cena como uma metáfora para a necessidade que a ciência, ou os cientistas melhor dizendo, têm de resistir às tentações de poder absoluto na apropriação do real pois o risco é a desvirtuação da ciência no seu propósito de transformar o caos em ordem, e a sua substituição pelo caos da loucura cujos exemplos são às carradas, desde a bomba atómica à questão da origem da SIDA, da venda de doenças e guerra por todo o planeta.

Essa cena também me serve a mim para desconstruir junto dos alunos a imagem (errada) que eles têm do cientista, não como um homem com todos os seus defeitos e complexidades, mas como uma espécie de ser infalível que está acima dos outros nas certezas e conhecimentos do real. Mesmo a esquizofrenia dele, apesar de poder estar representada de modo um pouco leve, mostra como a explicação da Psicologia/Psiquiatria/Psicanálise não esgota, nem é suficiente para tomar conta do problema.

Finalmente, o filme mostra a fragilidade do conhecimento humano face à imensidão e complexidade de tudo o que há para saber e isso permite pôr as coisas no seu lugar em termos da ciência como um dos caminhos (mas não o único) de acesso ao real.

publicado às 07:38


life

por beatriz j a, em 04.04.10

 

 

 

 

 

 

"I need to believe that something extraordinary is possible".

 

A beautiful mind

 


publicado às 11:38


possível

por beatriz j a, em 08.11.09

 

 

georges rustchev

 

 


Para o que não está preso às aparências

todo o possível é real.

 

 

 

publicado às 09:52


no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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