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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Querer reduzir as propinas da licenciatura, dizendo às universidades para se financiarem com as propinas do mestrado, é pior do que um presente envenenado.
Este artigo faz um diagnóstico que me parece correcto quando diz que propôr às universdades que se financiem com os mestrados é um artifício que não resolve o problema aos alunos, dado que as licenciaturas pós-bolonha não têm grande valor sem os mestrados e dado o preço exorbitante destes últimos.
O que não me parece correcto é a solução que propõe que consiste em continuar a cobrar propinas mas deferir o seu pagamento para depois de acabado o curso com um contrato de empréstimo. Este é o modelo americano que está em falência -o ensino universitário está em decadência em parte por causa deste mercantilismo e estão com falta de alunos- devido a os alunos estarem tão endividados à saída da universidade que só uma pequeníssima minoria que arranje trabalho muitíssimo bem pago consegue pagar antes dos 40 ou 50 anos.
Ora, nós somos um país onde os empregadores esperam que após o curso os alunos estagiem de borla e que quando comecem a trabalhar o façam pelo salário mínimo em condições de precaridade. De modo que isso é uma falsa solução.
Depois diz que as propinas são apenas um sétimo do custo anual de estudar na universidade, coisa que ronda os 5800€. Pois, acredito que seja verdade mas são um sétimo de custo fixo enquanto os outros são variáveis. Quero dizer, eu dou aulas numa escola que tem muitos alunos com muitas dificuldades económicas a par de outros que têm bastante dinheiro. Eu vejo que os alunos com dificuldades económicas que querem estudar estão habituados a fazer sacrifícios. Compram menos coisas e mais baratas, comem sempre na cantina, quando não conseguem comprar livros pedem emprestado, etc. São pessoas que não tendo que pagar propinas na universidade, se quiserem ir estudar, fazem os sacrifícios que já estão habituados a fazer. Ajustam-se. Agora, se têm custos fixos a que não podem fugir não têm hipótese. Outro dia um aluno perguntava-me se quando fui estudar Filosofia não tive medo de me arrepender ao fim de um ano ou dois e depois perder o dinheiro das propinas desses anos... só que quando tirei o curso não se pagava propinas. Muitas pessoas que são a favor de pagar propinas são do meu tempo e não as pagaram.
Até estou de acordo com o argumento segundo o qual o que faz sentido é aumentarem-se as bolsas e as ajudas a quem não tem dinheiro em vez de se pagarem os custos aos alunos com dinheiro. O problema é que isso choca com a realidade e a realidade é que os governos vão buscar dinheiro aos que menos têm. Cada vez mais as ajudas estão condicionadas por mais entraves e é preciso ser-se praticamente indigente para se conseguir uma pequena ajuda do Estado e mesmo nesses casos, se a pessoa falha um papelinho dos inúmeros que obrigam a entregar num prazo de dois dias ou assim, perde todos os direitos. Essa é a realidade. Há uns poucos meses o Centeno quis anular os prémios de desempenho escolar aos alunos mais pobres e só não o fez porque a notícia causou tal escândalo em todo o lado que voltaram atrás na medida. Mas pensaram em fazê-lo.
De modo que propôr como solução que o Estado dê bolsas a quem não tem dinheiro é igual a propôr que vá buscar o dinheiro aos mestrados. No papel parece muito bonito e razoável mas na realidade não funciona porque os governos tiram a quem tem menos para dar a quem tem mais.
Ora, o que interessava era uma proposta que efectivemente permitisse que quem não tem dinheiro mas quer estudar o pudesse fazer sem ter que se prostituir para pagar as dívidas contraídas como acontece muito nos EUA e em Inglaterra.
Nota no site da Presidência da República segue-se às declarações de David Justino, que lembrou que Marcelo viabilizou um aumento de propinas em 1997.
Mas se nesse mundo idílico de serviços gratuitos há sem dúvida generosidade, igualitarismo e preocupação social, há também um vício que tenta iludir uma questão essencial: quem paga tudo, seja sob a forma de propinas ou não, são em última instância os impostos dos cidadãos.
Pois, é essa mesma a questão:
- Se os que têm mais dinheiro pagassem os impostos devidos em vez de fugir ao fisco, este problema não se punha.
- Se os que têm mais dinheiro não desviassem 10 mil milhões para offshores, este problema não se punha.
- Se o regulador, o Governador do BP regulasse em vez de querer recusar-se a dizer quem desvia dinheiro para offshores à má fila, este problema não se punha.
- Se não desaparecessem todos os anos os dados das pessoas e empresas que desviam dinheiro para offshores sem pagar impostos, este problema não se punha.
- Se os governantes investissem na educação em vez de investires milhares de milhões de euros nos amigos banqueiros, este problema não se punha.
- Este problema põe-se porque são os que menos têm que pagam impostos brutais sobre o pouco que ganham e, também, pagam as propinas. E também pagam as subvenções, os carros de alta cilindrada, as segundas casas, as viagens, os tachos dos governantes, família e amigos, os bilhetes da bola, os almoços e jantares e tudo e mais alguma coisa das suas vidas privadas. Nesse meio é só almoços grátis... ah, mas se calhar isso é melhor investimento que apostar na educação das pessoas...
Há países nórdicos onde as propinas são praticamente gratuitas mas nesses países as pessoas todas pagam os impostos.
Um amigo está a trabalhar num projecto de uma Universidade constituído em ONG que consiste em formar diplomatas de países em vias de desenvolvimento para que possam trabalhar com os diplomatas dos países ocidentais em instituições como a ONU e outras semelhantes sem que haja um fosso muito grande no que respeita à formação e conhecimentos entre eles. A formação é gratuita, obviamente.
Ele estava a contar-me isto e eu estava a pensar que aqui em Portugal também acontecia dantes as licenciaturas serem praticamente gratuitas (uma pessoa pagava o custo do papel selado que eram trinta escudos ou assim, por disciplina) o que beneficiou milhares de estudantes que de outro modo não poderiam ter estudado e essa aposta na educação beneficiou o país. Havia de facto meritocracia. Agora o que há é pessoas que podem pagar propinas e outros custos associados ao estudo e pessoas que não o podem pagar e até acontece as licenciaturas terem sido reduzidas em anos e qualidade para obrigar os alunos a pagarem caríssimo o resto da formação em forma de mestrado.
A grande maioria dos políticos que têm andado pelo poder e que tomaram estas decisões de pôr a Universidade a custar imenso dinheiro e a limitar as bolsas de estudo nunca teriam estudado se a universidade custasse o que custa hoje. Eu talvez não tivesse tirado um curso porque entrei para a Universidade no ano a seguir ao meu pai morrer e à minha mãe ter ficado sozinha a sustentar sete filhos todos em idade de estudar.
Hoje em dia é necessário grandes financiamentos e ONGs para que pessoas sem possibilidades económicas tenham acesso a uma formação superior. É triste este retrocesso que castiga os que menos têm e que nos prejudica a todos.
"College used to be pretty affordable," says a fact sheet on Mrs. Clinton’s compact. "For millions of Americans, that’s not the case anymore." Colleges’ systems of grants and other financial assistance are complicated, so "free tuition" is a lot easier to pitch than a plan to tweak the existing patchwork of aid. Simple messages tend to resonate best.
In fact, some experts worry that free tuition for most families could exacerbate existing inequalities and further stratify higher education. While poor students would attend crowded, lower-tier public colleges at no cost, affluent students could buy their way into elite colleges — public or private — where they might get a different kind of education from everyone else.
O argumento segundo o qual a gratuidade do ensino universitário vai prejudicar os pobres porque vão para universidades públicas horríveis enquanto os ricos vão para as particulares boas (em Portugal usa-se o mesmo argumento para o cheque-ensino) é uma falácia porque assume como petição de princípio que as universidades públicas têm que ser más por serem financiadas com dinheiros públicos, o que não é verdade, como se vê pelo exemplo português onde, por regra, as universidades públicas são melhores que as particulares. Mas quando se trata de dar benefícios a quem não tem dinheiro aparecem logo os amigos dos lobbies a defender que o que é bom para os pobres é endividarem-se para enriquecer os ricos. Como é que se muda a ordem das coisa no mundo se nada muda e tudo quer continuar com os seus privilegiozinhos à custa da miséria alheia?
jornal sol
Ainda hoje falava disto com o André. As pessoas aproveitam-se dos benefícios das democracias: ensino gratuito, bolsas, apoios e outras coisas do género para se alçarem na vida mas assim que chegam ao poder ou à riqueza apressam-se a negar esses mesmos benefícios aos que vêm a seguir. Estamos muito perto duma oligarquia ranhosa.
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