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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Virtude e Felicidade
Virtude é uma palavra de origem grega -areté- que significa perfeição. Perfeito é aquilo que é completo, ao qual nada falta. Se estamos a falar do corpo, por exemplo, a sua perfeição [a sua virtude] será a saúde em excelência. Se estamos a falar do espírito será a sabedoria em excelência.
Ora, como todos sabemos, a perfeição é aborrecida, justamente por lhe faltar o dinamismo próprio do que é vivaz. É como um ponto final sem continuidade, sem a evolução própria das imperfeições das coisas/pessoas que tanto nos agradam e, por isso mesmo, a perfeição tem o defeito [imperfeição, paradoxal] de ser indesejável.
Logo, ninguém procura a felicidade, que consiste na soma de todos os desejos, em algo aborrecido que não proporciona o prazer que tem que vir, para que haja felicidade, com a realização dos desejos.
Daí que só sejamos capazes de gostar da virtude nas coisas efémeras que nos deixam uma impressão duradora não acessível a não ser pelo trabalho da imaginação na memória: uma rosa perfeita, uma peça musical tocada com perfeição, uma jogada perfeita, um pôr-do-sol perfeito, um olhar perfeito...
Estou a ler uma autobiografia duma americana milionária que casou com um duque inglês antes da Segunda Grande Guerra, como então acontecia amiúde, sempre que um inglês precisava de dinheiro e uma americana queria um título. Os ingleses são uns snobes fdp (e não estou a a falar de popós...).
Mas o queria dizer é outra coisa. É que estou a ler este livro no kindle que tem um fundo branco frigorífico com letras negras de grande contraste de modo que, quando pego no Proust, edição de páginas já amareladas com quarenta anos e muita estrada percorrida, noto uma diferença grande no que respeita ao prazer da leitura, que comparo à diferença que existe entre um disco de vinil e um cd digital. A estrutura do livro, a cor do papel, o cheiro, a textura... tudo ajuda a entrar na atmosfera antiga da obra e até parece que Combray, à sombra do castanheiro é mais real, mais perto da vida.
Os kindle e afins dão muito jeito mas não se comparam, no que respeita à capacidade evocativa e ao prazer da leitura, a um livro de papel. É que o livro não é apenas um objecto funcional que nos dá acesso a informação. Não, é mais que isso; é um objecto com o qual estabelecemos uma relação emotiva que expande o horizonte da própria leitura.
Hoje ofereceram-me uma caixinha de bomboms Godiva. Se eu tivesse um ídolo seria o mestre chocolateiro da Godiva. É impossível descrever o prazer que se sente à medida que um bombom de chocolate Godiva se derrete na boca. A consistência, o contraste do cacau amargo com o recheio cremoso e doce...
Uns bomboms têm um praline leitoso, outros um creme rico de cacau, outros ainda têm recheio de massapão, de laranja, de gianduja. O meu preferido tem recheio de champanhe e kirsh. A mistura do chocolate e da cereja kirsh com o travo do álcool e os ingredientes a misturarem os aromas à medida que se derretem na boca...é demais.
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