Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Às vezes sou injusta... e nem o pretexto da doença de vez em quando me destabilizar -quando as coisas não fazem sentido no meu arranjo conceptual e fico a ruminar- devia servir de desculpa.
Os médicos que tratam de nós com estas doenças também sofrem connosco e por causa de nós. São dados a depressões, muito mais que outros médicos, por causa disso mesmo. Na verdade, são as únicas pessoas que nos compreendem nesta porcaria desta doença. As outras pessoas não percebem, sobretudo se não nos queixamos.
E, calculando que deve haver uma alcunha qualquer para os doentes complicados ou difíceis por quererem saber tudo e questionarem tudo, tenho a certeza que estou nessa categoria... logo à cabeça, distanciada dos outros. Lembro-me de um dia chegar à consulta da médica com uma lista de vinte perguntas ou mais, sendo que na maior parte dos casos a resposta a cada pergunta gera mais perguntas... não deve ser fácil ter que lidar comigo :))
Tenho que me lembrar disto para não ser injusta...
Amanhã é dia de voltar à escola e estava a aqui a pensar em aproveitar umas reflexões de uns textos de Marcuse que andei a reler. Vou lançar um desafio aos alunos do 10º ano. Acredito muito no poder da educação nestas idades em que as pessoas ainda não cristalizaram e estão em plena formação da identidade. Mostrar caminhos diferentes da unidimensionalidade a que as cegas sociedades os querem obrigar por introjecções de padrões que os afastam da possibilidade de uma vida autónoma e autêntica, não só ajuda cada um em particular a conseguir, se assim o desejar e quiser, a sua própria autonomia mental e ética, como ajuda a romper com o discurso unidimensional que varre o espectro político, económico e social. Um discurso de resignação a uma (falsa) ausência de alternativas ao mundo actual. É possível fornecer instrumentos de libertação de uma sociedade 'suavemente esclavagista', como dizia Marcuse.
Cada vez acredito mais que o serviço (serviço não é subserviência, pelo contrário) é a única via humana possível. Não no sentido louco de querer contribuir para transformar as pessoas e as sociedades em algo utópico que as aliena ou violenta mas no sentido de ajudar cada um, no máximo das nossas possibilidades, a ter na sua mão os seus próprios instrumentos de transformação, de auto-construção e de evitamento ou libertação de vidas inautênticas. Uma pessoa pode facilitar esse percurso aos outros, abrindo portas de conhecimento. Depois, só lá entra quem quer. É claro que isso só se faz incomodando que é a única maneira de desacomodar mas vale a pena porque é muito difícil termos que fazer todo o percurso sozinhos, ter que descobrir tudo sozinhos. Gostava que alguém me tivesse incomodado quando era mais nova. Acredito mesmo numa certa irmandade de pensamento transtemporal ou supratemporal onde o insight de uns ajuda os outros a relacionar-se mais autenticamente com o ser.
Não por acaso, o nome deste blog (IP) é um acrónimo dessa crença.
Sou completamente anormal... hoje é só isto que queria dizer.
A desistência é um lugar sem poesia.
Gosto de discutir ideias. Que outra maneira existe de avançarmos na convivência uns com os outros e na melhoria de vida de todos? Não me parece que pudesse viver num mundo onde não se discutissem ideias e fossemos obrigados ao pensamento único como na Rússia dos sovietes. Gosto de discutir ideias com pessoas intelectualmente estimulantes, sobretudo se têm pontos de vista diferentes dos meus e com os quais possa aprender algo. Confesso que não tenho paciência para discutir com pessoas intelectualmente desinteressantes, ignorantes ou limitadas. Não que eu não tenha limitações, que as tenho, mas conheço-as e não as imponho aos outros. Não tenho paciência para a discussão de ideias como mero jogo político, jogo de poder ou, como artifício de máscara. Não tenho paciência para pessoas de várias caras que não são capazes de honestidade consigo próprias ou com os outros, que não são capazes de introspecção, que têm ausência de espírito, almas subservientes que invejam o poder e que têm nas aparências a sua prioridade de vida. Às vezes tiram-me do sério. E prefiro afastar-me a fazer de conta. Disseram-me hoje que tenho um feitio difícil. Pois eu o que acho difícil de aceitar é isso das pessoas quererem que os outros sejam iguais a si.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.