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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
helena pravda
Mãos carentes pedem pão
mostram os calos da vida
amassada em desilusão
Ahh a esperança perdida
em anos de trabalho vão...
Em crianças eram homens
putos de enxada na mão
a cavar a terra, germens
de riqueza que dá o chão
para tirar os filhos aos cães.
Mãos amigas, mãos de mães
atraiçoadas pela vidas
gastas, duras, ressequidas
mãos que sofreram os filhos
mãos que não têm anéis.
Vós que mandam nos outros
e lhes prematuram a morte
marcam-nos para engodos
condenam-nos à má sorte
e roubam o futuro a todos.
bja
Acordei esta madrugada
com o guincho da gaivota
a rasar a minha morada
agoiro de noite é este...
Perdi assim tanta alvorada?
Passaram por mim os dias
sem que estivesse acordada?
lá fora o tempo escurece...
Já é Outono...a estação?
Ouço ainda a cotovia
...e porque não...?
é Primavera em meu coração.
bja
do Fournier
Tardes de quase-verão
lânguidas sestas
à sombra das glicíneas
do caramanchão
deitada na colcha de damasco
um livro esquecido na mão.
Leve brisa traz a mim
o perfume
das rosas do jardim.
O zumbido da abelha
de roda do limoeiro
é ruído de baunilha
com aroma de loureiro.
Nesta paz de claro brilho
neste doce espreguiçar
longe de todo o barulho
hei-de contigo sonhar.
bja
Jack Vettriano
Quero bifes e batatas fritas
e tartes de framboesa
e outras coisas concretas
que ponham à minha mesa.
Quero a vida mais perto do chão
das imperiais na esplanada
no fim das tardes de verão
sem ter de pensar em nada.
Quero os risos à flor da pele
levemente inebriados
quero sentir a brisa leve
dos dias despreocupados.
Andar à noite p'las vielas
com os amigos do fado
sentar-me a ouvir cantar
com alguém de braço dado.
bja
Ficar, não ficar
Ir não ir
- decidir.
Tudo é o mesmo viver
tudo é, afinal, ser?
Não
se vemos o que pode ser
se sabemos o que é viver
então, ficar é fugir
é escolher não ser
e não ser é morrer.
bja
Não sei o que me deu...
mas eu não pareço eu.
Talvez tenha sido do vinho
ou a tonalidade do céu
algo me tirou do caminho
que pensava ser o meu.
Vês-me na berma da estrada
a olhar o carro que passa
imóvel, assim parada?
Enquanto não vir um sentido
não seguirei tal caminho
não forjarei um destino.
Não quero mais saber
do que não vem por inteiro
e nisto só estou a querer
o que já é meu por direito.
Não vendo o meu sofrimento
a troco de nenhum dinheiro
não quero favores de momento
a encher meu mealheiro.
Se a viagem é deveras
entrarei e sigo atrás
mas não perseguirei quimeras
e se é isso, deixem-me em paz.
bja
O pesar dos meus amigos
é também o meu tormento.
Cada dúvida, cada queda,
cada lágrima, cada lamento
são também meu sofrimento.
E a angústia está em ver
o que vem lá no caminho
(como se fosse um destino)
e não o poder dizer
porque a vida...
...é para cada um a viver.
bja
Não sou poeta, sou nada
escrevo para não adormecer
para retardar o momento
em que se anula o nascer.
Em tempos habitei o mundo
com o olhar no infinito
buscava um sentido profundo
e acreditava que o mito
se fosse muito bem escrito
podia trazer a luz
fazer renascer o ser.
Depois descobri que a vida
é como o raiar do dia
que anuncia brilho intenso
mas dura apenas instantes
e finda em melancolia.
Cada ocaso que se aproxima
ensaia o que se adivinha.
Quanto mais curta é a distância
mais se acelera o passo
ganho um sentido de urgência
uma angústia pelo que não faço...
Aceito em cada hora o fim
como condição de aqui estar
e isso ninguém faz por mim
ninguém me pode ajudar.
bja
Podes rezar com fervor
a pedir conforto e calor
que sabes bem que a morada
de perene endereço
que p'ra sempre te pertence
dentro da terra é cavada
e não tem para venda preço.
bja
Até o cacto seco e agreste
inteiro coberto de espinhos
de vez em quando se veste
de rosas de tons delicados
suaves perfumadas flores.
Ficamos nós deslumbrados
com tão contrastante esplendor
de espinhos gerarem flor...
Mas não é isso o amor?
Um coração espinhado
mesmo em profunda dor
abrir-se e desabrochar
como se fora uma flor?
bja
O dia nasceu cinzento
- não quis provocar com cores
feridas nos meus sentimentos.
(...)
bja
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