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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Erechtheion , Acrópole de Atenas, Philokles , século V aC
Estou convencido de que a maioria de tais exemplos é tirada da classe dos tiranos, dos reis, dos potentados e dos demais administradores dos bens públicos, por serem, justamente, os que têm a possibilidade de cometer os maiores e mais ímpios crimes.
(Platão, Górgias)
Meno: Parece-me que gosto do que dizes.
Sócrates: E eu, Meno, gosto do que digo. Algumas coisas disse em relação às quais não me sinto muito confiante. Mas que seremos melhores e mais corajosos e menos indefesos se pensarmos que devemos inquirir do que se formos auto-indulgentes e nos deixarmos levar pela noção de que não há conhecimento e que não vale a pena buscar saber o que não se sabe; _ esse é um assunto pelo qual estou disposto a lutar, com palavras e acções, com todas as minhas forças.
--de "Menon" por Platão
Pois esse sentimento de admiração mostra que é um filósofo, uma vez que o espanto é o único começo da filosofia."
- Sócrates a Teeteto em "Teeteto" por Platão
Um livro que tenha lido mais de três vezes
'As Leis' de Platão.
As pessoas não são todas iguais. Há pessoas verdadeiramente notáveis que não têm nada que ver com o vulgo e Platão foi uma dessas pessoas. Defendia a dialéctica como método da Filosofia e praticava-a. Incentivava os discípulos a questioná-lo. Passou a vida toda numa demanda pela verdade em vários assuntos e nunca teve medo de se pôr em causa.
Tendo escrito 'A República' como a grande obra onde expõe as suas ideias sobre a organização da cidade e o seu governo (em parte condicionado pelo cepticismo que tem relativamente à Democracia que vê como um governo de inferiores e corruptos capazes de matar alguém como Sócrates) por filósofos-reis, educados para governarem com sabedoria, não tem nenhum problema em chegar ao fim da vida ('As Leis' são a sua última obra) e pôr em causa tudo o que havia defendido relativamente ao governo da cidade e ao papel da Democracia e das Leis. Isto, não é para qualquer um... esta auto-crítica e capacidade de regeneração das ideias.
O problema de como fazer um sistema político funcionar com justiça e verdade para o bem da maioria atormenta-o toda a vida e, nesta obra, sentimos a urgência dele em conseguir respostas e deixá-las para os que vierem a seguir antes que o seu tempo se esgote. Neste livro, tenta fundar as raízes duma Democracia baseda em Leis e em mecanismos que constantemente a vigiem de modo a não deixá-la resvalar para um governo de inferiores e corruptos. Na sua ponderação pesa todos os aspectos do problema, desde a psicologia humana à metafísica, passando pela gnosiologia e pela ética.
Hoje em dia as sociedades são mais complexas e têm problemas que a sociedade no tempo dele não tinha mas, os dados do problema de, como construir uma Democracia justa e garantir que não resvale para um governo de inferiores e corruptos, estão aqui todos.
De cada vez que leio este livro sinto-me a entrar nos meandros do pensamento de um intelecto genial e a percorrê-los com ele. É das coisas mais excitantes que pode haver.
Platão foi um filósofo que começou a escrever tarde influenciado pelo facto de Sócrates, seu mestre e mentor, nada ter escrito. Pensava que a filosofia teria de ser pensamento vivo dialéctico e que isso não se coadunava com escrever livros que seriam lidos por pessoas que estando longe, podiam não os perceber ou ter dúvidas ou precisar de discutir esta ou aquela passagem. Na escola dele, a Academia, juntava-se com os discípulos em pequenos grupos porque pensava que a aprendizagem beneficiava da proximidade e até amizade entre o mestre e o discípulo. Isto porque entendia a aprendizagem como uma transformação interior influenciada ou até inspirada por essa relação dialéctica. Mais tarde, pensando que a melhor maneira de divulgar a Filosofia seria fazê-la chegar a muita gente, começou a escrever as suas ideias. No entanto, escreveu-as em forma de diálogo, de discussão, como convém ao exercício filosófico.
Platão dedicou bastante tempo a pensar na educação. À maneira do mestre pensava que nenhum sistema político podia funcionar sem um bom sistema de educação. Uma educação para a responsabilidade e para a virtude. Platão não era uma pessoa demasiado sisuda, mas ficou marcado pelo facto de a Democracia ter morto o seu melhor cidadão e era empenhado em pensar um sistema político e uma arquitectura legislativa que garantissem, dentro do possível, que as Democracias não fossem tomadas por corruptos, por ignorantes, por criminosos. Sabia da enormidade da tarefa e vemo-lo até ao fim da vida lutar com esse problema onde a educação joga um papel tão importante.
Os gregos tinham uma palavra, aporia, para designar um problema sem solução...
Vamos lá ver se percebi bem. Do que tenho lido e ouvido nos últimos dias parece que:
1. Uma empresa queria construir um mega-shoping ( no país da Europa onde o poder de compra é mais fraco);
2. O terreno onde queriam construir fazia parte da 'rede natura', paisagem protegida;
3. Tentaram conseguir aprovação junto do ministério da tutela, o do Ambiente;
4. A tutela protelou o mais que pôde para fazer subir o preço do terreno (e do favor?);
5. A 3 dias de ter de abandonar o cargo, o ministro do Ambiente, cujo ministério à semelhança do resto do governo estava em gestão, pelo facto do primeiro ministro Guterres se ter demitido, tomou medidas legislativas de importância;
6. Na iniciativa legislativa, modificou parte da área classificada, para que, no futuro, se pudesse construir na zona antes proibida;
7. O tipo de modificação introduzida obriga a justificativos legais, que não foram feitos, pela pressa de se aprovar a legislação que permitiria à dita empresa referida em 1. construir o mega-shoping;
8. A zona em questão fazia parte do acordo que Portugal fez com a União Europeia aquando da construção da ponte Vasco da Gama: isto é, a Comunidade Europeia co-financiava a construção da ponte se, e apenas se, aquela zona fosse preservada como reserva especial a ser protegida;
9. A ausência dos justificativos legais necessários, que se deveu à pressa em alterar a lei antes do governo de gestão se ir embora, pôs em risco o dinheiro do financiamento da ponte já recebido, donde se deduz que, esteve o país em risco de ter de devolver o dinheiro já gasto na construção da ponte, por incumprimento do acordo de protecção da área em questão ( o governo de Durão Barroso teve de fazer esses justificativos, também à pressa, assim que chegou ao poder, para evitar que tivéssemos de devolver o dinheiro);
10. O ministro da tutela era o agora primeiro ministro José Sócrates;
11. José Sócrates, então ministro do Ambiente, foi quem fez aprovar a alteração à lei a 3 dias de ter de sair do governo;
12. O tio de José Sócrates tem, ou tinha, uma pequena empresa de construção que movimentava cerca de 38.000 contos;
13. O tio de José Sócrates pôs o promotor do freeport - um tal Smith - em contacto com o seu sobrinho, José Sócrates, ministro do Ambiente;
14. A legislação necessária para a construção do mega-shoping em terreno protegido foi preparada pelo ministério do Ambiente e aprovada à pressa;
15. O tio do José Sócrates tornou-se muito rico e tem várias contas offshore;
16. Os ingleses têm uma gravação onde se diz que foram pagas luvas a um ministro para que a construção pudesse ser aprovada;
17. Portugal tem a cassete;
18. José Sócrates comprou um apartamento de 1 milhão de euros;
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Estarei a ver bem?
Existe uma suspeita fundada em factos que se podem comprovar que um ministro da República pôs em perigo o interesse nacional (o financiamento da ponte) mostrando não ter nenhum tipo de escrúpulos quanto ao que é capaz de fazer para enriquecer?
Existe uma suspeição sobre aquele que agora é o primeiro ministro?
Portugal tem como primeiro ministro uma pessoa que poderá até ser chamado a Inglaterra como arguido num processo crime?
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Então ninguém faz nada? O Presidente não se importa? Ninguém no governo se demite? São todos cúmplices? A oposição também não? É que quem cala e quem não se demarca é porque consente!
Isto é a Camorra à portuguesa?
Algo está profundamente podre neste país.
Hoje estive na manifestação dos professores em frente ao palácio de Belém, onde mora o Presidente, que deve ser cego, e surdo, pois nada vê de tudo isto que se passa e acredita que estes governantes, sendo o que são - pessoas de currículo muito duvidoso, sem educação, sem princípios, sem moral e sem escrúpulos absolutamente nenhuns - quando chega à altura de legislar sobre educação, ficam de repente iluminados e só produzem leis sábias. Uma espécie de infalibilidade de Sócrates e Mº Lurdes Rodrigues em paridade com a autoridade papal?
Pois eu quero dizer aqui que sinto orgulho em fazer parte daqueles poucos milhares que estiveram hoje em frente ao palácio de Belém: num país podre, governado pelos piores dos piores, onde ninguém quer dar a cara, uns por medo, outros porque estão no rol dos calados a pagamento, os professores, estes professores, dão lições de democracia e de cidadania e de coragem e de coerência e de dignidade. Explicitamente, não compactuam com a putrefacção do regime.
Um dia outros perguntarão: onde estavas tu quando o teu país precisou de ti?
Se isto tudo acabar num regime à moda da Venezuela, não será com o meu silêncio, nem com a minha cumplicidade. No meu local de trabalho, e fora dele, também não me calo.
Não quero ser cúmplice de gente sem escrúpulos, sem dignidade e sem lei.
Concordo plenamente com as palavras da Hannah Arendt:
" ...é melhor sofrer a injustiça que cometê-la: se fizer uma injustiça, ficarei condenado a viver com o autor da injustiça numa intimidade insuportável; nunca poderei livrar-me dele. Portanto, o crime que permanecesse escondido aos olhos dos deuses e dos homens, um crime que não se revelasse por não haver ninguém a quem fosse revelado e que Platão menciona uma e outra vez, esse crime não pode realmente existir: tal como sou a minha própria companhia enquanto penso, do mesmo modo sou a minha própria testemunha quando ajo."
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