Durão incendiou o PE denunciando “complexo de superioridade” no Norte face ao Sul.
Numa declaração inflamada, o presidente da Comissão, Durão Barroso, denunciou ontem uma atmosfera contaminada no final da cimeira de líderes, vendo um regresso dos "demónios" que estiveram na origem das guerras mundiais, nomeando "complexos de superioridade" do Norte contra o Sul e a pressa de "uns em declarar vitória contra os outros". Se a primeira acusação é facilmente atribuível aos países mais ricos da UE, onde se inscreve a Alemanha, Holanda e Finlândia, a segunda crítica é dirigida a Mario Monti e Mariano Rajoy, primeiros-ministros italiano e espanhol, que anunciaram uma vitória arrancada a ferros sobre a Alemanha.
"Não gostei da atmosfera no final do último Conselho Europeu, quando vi uns a proclamar vitória sobre os outros. Não é assim que fazemos as coisas na Europa", disse. As equipas de Monti e Rajoy ventilaram à imprensa uma vitória negocial sobre a chanceler alemã, Angela Merkel, tendo alegadamente bloqueado o Pacto de Crescimento, se não lhes dessem nada de volta em termos de compra de dívida no mercado ou recapitalização directa de bancos.
Barroso também se insurgiu contra o aumento da discriminação na linguagem europeia, em torno do Sul despesista e Norte poupado. Reconhece que há "diferentes culturas financeiras" dentro da UE e muitas vezes dentro dos próprios países, mas fica "preocupado" quando vê "algumas pessoas falar do Norte e do Sul, fazendo algumas generalizações fáceis: aqueles que conhecem a história sabem quão negativo foi o papel dos preconceitos e o complexo de superioridade de uma parte da Europa sobre a outra", avisou. "Não devemos esquecer que o projecto europeu foi feito precisamente para evitar estas divisões do passado e estes demónios", concluiu.
Esta desconfiança ficou ontem patente na decisão do governo finlandês que, um dia depois de anunciar um veto a qualquer compra de dívida no mercado secundário, pediu a Madrid garantias adicionais (colaterais) para conceder empréstimos aos seus bancos, no quadro do resgate espanhol - exactamente o que tinha feito com a Grécia. "Apresentámos um pedido de colaterais para os empréstimos a serem concedidos pelo veículo temporário", declarou ontem o director-geral do Ministério das Finanças finlandês, Juka Pekkarinen. É a consequência directa, reclama Helsínquia, da zona euro ter aceite que a dívida europeia emitida para Madrid fosse subordinada e não sénior. O Eurogrupo de 9 de Julho será palco deste pedido formal que exigirá a Madrid um ligeiro esforço complementar para garantir a fatia do empréstimo finlandês.
A declaração de Barroso foi feita no encerramento do debate parlamentar, sem possibilidade de réplica, suscitando uma longa ovação de quase toda a câmara, como talvez Barroso nunca tenha ouvido num debate político em Estrasburgo. Já fora da ordem de trabalhos, a líder do grupo dos verdes, a alemã Rebecca Harms, disse que "gostava que Barroso fosse assim tão claro quando falasse com os líderes". Isso obrigou a que o presidente do Parlamento, Martin Schulz, seu opositor nos tempos em que liderava os socialistas na euro-câmara, saísse em sua defesa: "Estive nos dois últimos conselhos e posso garantir que Barroso disse lá o mesmo que nos disse aqui", afirmou, encerrando o debate.