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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Em 494 AEC o povo romano fez um dos mais imaginativos protestos da plebe contra as elites governantes jamais vistos. Uma longa coluna de famílias saiu da cidade em direcção ao Aventino, no que parecia uma evacuação total. Chegando lá, sentaram-se e assim permaneceram, sem violência mas sem se demoverem. Eram os pobres e destituídos que assim protestavam e recusavam o nexum.
O que era o nexum?
Os pobres estavam sobrecarregados com dívidas e fartos do tratamento arbitrário dado pelas autoridades. Procuravam reparação, justiça. Muitos tinham chegado ao ponto de terem como única possessão para pagar as dívidas, eles próprios: o seu trabalho e o seu corpo. Era assim que eram obrigados a entrar num sistema de escravatura de dívida, conhecida por nexum. Na presença de cinco testemunhas o prestamista pesava o dinheiro ou cobre a emprestar e dizia, 'Por tal soma de dinheiro és agora meu nexus, meu escravo'. Embora não perdesse os direitos cívicos, perdia a liberdade. O prestamista dramatizava o acordo acorrentando-o.
As pessoas aceitavam este 'arranjo' e só não concordavam com a brutalidade com que estes escravos eram tratados porque o credor-senhor tinha direito até a condenar o devedor à morte. Lívio conta a história de um homem velho que apareceu um dia no Forum, pálido, emaciado, andrajoso e desgrenhado, uma figura digna de piedade. Juntou-se uma multidão a ouvir a sua história: tinha sido um soldado de Roma, tinha comandado uma companhia e tinha servido o país com distinção. Como tinha chegado àquele estado? Ele contou:
Enquanto estava de serviço na guerra as minhas colheitas foram arruínadas por ataques de inimigos que queimaram toda a quinta. Tudo o que tinha, incluindo o gado. Nestas condições exigiram-me o pagamento de impostos. O resultado foi que que fiquei coberto de dívidas. Os juros do dinheiro emprestado aumentavam a dívida de modo que acabei por perder a terra que já tinha sido do meu pai e do meu avô antes dele. A ruína espalhou-se como uma infecção a tudo o que tinha. Finalmente, até o meu corpo foi tomado pelo meu credor e reduzido à escravatura - acabei na câmara da tortura...
A reforma desta lei só chegou em 326, por causa de um grande escândalo com um jovem de quem o credor quis abusar sexualmente.
Agora, o que quero dizer é que Portugal é o Nexus da Alemanha e da Troika. Amanhã o primeiro ministro vai ter com o nosso senhor-credor que já fez saber que Portugal não tem autorização para pagar a dívida nos seus termos. Terá que tudo perder, como o soldado romano e depois, terá que a pagar com Nexus, isto é, entregando-se para escravidão, ao seu senhor.
O relatório da OCDE (aqui) acusa Portugal de ser pouco generoso com os seus pobres, de não apoiar os jovens, de reservar os rendimentos para as famílias que mais têm e diz ainda que estas políticas de austeridade pagam-se muito mais tarde... coisa que bem já adivinhamos quando daqui a uma década não houver ninguém em Portugal para produzir e contribuir, nenhuma riqueza gerada porque 'a ruína se espalhou como uma infecção...'
No entanto, amanhã, lá vai o PPP ao beija-mão à imperatriz, declarar o nosso nexus à dívida a que os governos do Sócrates e outros nos acorrentaram e que estes não sabem negociar como homens livres.
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