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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Alguns colegas e alunos estiveram na Finlândia num daqueles programas de intercâmbio (também recebemos professores e alunos de outros países). Hoje estive a conversar com colegas sobre a experiência. Pelos vistos os nossos alunos só diziam, 'meus ricos professores' e vieram de lá mal impressionados. E porquê? Bem, as turmas têm nove alunos, o que é um pouco a menos... díficil criar uma dinâmica com tão poucos alunos.
Depois, os alunos estão espalhados em mesas, em silêncio, agarrados ao telemóvel. Estão no twitter, no instagram, recebem e enviam mensagens, estão com os pés em cima das mesas... não há uma dinâmica de turma, não há interacções... há um silêncio passivo.
Os professores vão passando pelas mesas e deixando fichas com propostas de trabalho que eles fazem, se quiserem. Quando querem sair da sala de aula saem e voltam quando querem (isto é complicado porque estão trancados dentro das salas por causa do perigo de terrorismo).
A direcção tem um sistema de inter-comunicação com a escola toda e todos os dias manda mensagens (à americana) e tudo é publicitado: se um aluno é chamado à direcção é comunicado a toda a escola.
Tanto os alunos como os professores são completamente passivos. Essa é a principal queixa de uns e outros. A total ausência de 'alma' (palavras deles, professores finlandeses) dos alunos. O caso é tão grave que a principal preocupação são as depressões na infância e adolescência. Há salas, nas escolas, com cadeirões e psicólogos que têm mais afluência que as aulas.
Este é o tipo de ensino que nos vendem como excelente e que o nosso secretário de Estado quer seguir, nomeadamente, acabando com avaliações, sistemas de assiduidade, acreditando que crianças e adolescentes sabem melhor que os adultos o que devem aprender, quando e como e o que não querem aprender e que o ideal é que todos estejam com tablets e telemóveis a fazer pesquisas sobre o que querem... não admira que a Finlândia esteja em queda nos testes internacionais e com problemas há bastante tempo.
Isto parece-me o ensino individualizado, levado ao extremo. Cada aluno está na sua. Tem a sua proposta de trabalho ou se calhar a proposta é da sua autoria, vai fazendo o trabalho no seu tempo, quando quer, enquanto intervala nas redes sociais (mas isto favorece a concentração?), o professor vai vendo e se calhar dando feedback... tudo tão individualizado, personalizado e atomizado que é desagregador e, nessa medida, deprimente.
A nossa tutela, os ministros, os primeiros-ministros portugueses, desde há muito, sem excepção, denigrem o sistema de educação português.
No entanto, os suecos, os alemães, os ingleses e outros vêm cá recrutar alunos no 11º e 12º anos para as suas universidades ou alunos já licenciados para o mercado de trabalho. Temos alguns dos melhores médicos e centros médicos do mundo, temos arquitectos que recebem prémios de excelência no mundo inteiro, enfermeiros recrutados a peso de outro, engenheiros, editores que saem daqui do desemprego para liderar equipas em editoras de renome, biólogos, etc.
Ora, como isto poderia acontecer se as nossas escolas e universidades, em geral, não tivessem um bom ensino...?
A geração de professores a que pertenço e que são de um tempo anterior às parvoíces da Ana Benavente, à guerra destruidora da Lurdes Rodrigues e às asneiras dos que se lhe seguiram, acreditam ainda e põem em prática um trabalho de desenvolver potencialidades cognitivas e de competências dos alunos mas também formá-los enquanto seres sociais: saberem trabalhar numa equipa, chegar a horas, concentrar no trabalho, ser responsáveis, participar na vida da escola, ter espírito de turma/grupo, etc.
Aqui no país há, penso, falta de autonomia nos alunos; no entanto, o excesso de individualidade e autonomia em idades tão jovens, ao ponto da desagregação e anomia que por lá se vê parece-me ainda pior.
Temo que os professores mais novos, por muito bons que sejam, venham já formados nestas pedagogias radicais (tudo o que é radical na educação é perigoso porque fecha possibilidades) que vão buscar lá fora sem conhecimento, critérios ou avaliação e que a certa altura, quando se perceber, como eles na Finlândia já perceberam, que se enfiaram num caminho errado, seja tarde demais e já não tenha volta. Já estamos um pouco nesse caminho e aqui no país já ninguém quer ser professor...
E quem diz Finlândia podia dizer França, Inglaterra, EUA e outros que estão com uma grande crise no ensino.
Termos um dia, um ministro/a que perceba de educação e não seja um ignorante, rodeado de outros iguais, com excesso de auto-estima e deslumbramento pelo que se faz lá fora, só porque se faz lá fora, que valorize o que aqui temos de bom e invista para melhorar o que já é bom e corrigir o que precisa correcção sem fazer revoluções perniciosas de 3 em 3 anos, já me começa a parecer, não um ideal mas uma utopia.
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