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A Verdade nua

por beatriz j a, em 06.03.19

 

a verdade saindo do poço - Jean-Léon Gérôme, 1896

 

Conta a lenda que a Verdade e a Mentira se encontraram um dia. A Mentira disse para a Verdade, 'Que dia maravilhoso'. A Verdade olhou para o céu e suspirou pois o dia estava realmente lindo. Passaram muito tempo juntas e a certa altura chegaram à borda de um poço. A Mentira diz para a Verdade, 'A água está muito boa, embora tomar um banho juntas'. A Verdade, desconfiada, experimentou a água e descobriu que, de facto, estava boa. Despiram-se e começaram a tomar banho. Nisto, a Mentira sai da água, veste as roupas da Verdade e foge. A Verdade, furiosa, saiu do poço e correu por todo o lado à procura da Mentira para recuperar as suas roupas. O Mundo, vendo a Verdade nua, desviou o olhar com desprezo e fúria.

A pobre Verdade voltou para o poço e desapareceu para sempre, escondida, na sua vergonha. Desde então a Mentira viaja pelo mundo vestida de Verdade, satisfazendo as necessidades da sociedade, porque o Mundo não tem desejo nenhum de encontrar a Verdade nua.


publicado às 06:22


sobre a mentira em contexto político

por beatriz j a, em 26.05.11

 

 

 

Já toda a gente reparou que de há uns anos para cá a mentira se banalizou na política. Os líderes mentem nas campanhas e nos governos, sabem que nós sabemos que estão a mentir mas continuam na mentira. Dantes também se mentia, mas quando se era apanhado na mentira activa ou até na mentira passiva da ocultação havia imediatamente demissões. Agora não. Os políticos assumem que o eleitorado assume que a mentira é normal como narrativa de contexto eleitoral ou de contexto de disputa parlamentar.

A Filosofia é um bocadinho culpada disto. A fenomenologia, no século XIX, trouxa a ideia da necessária relatividade de todas as perspectivas do conhecimento e Perleman deu-lhe sequência restaurando, no século XX, o prestígio da argumentação como fundadora legitima do equilíbrio de poderes próprio das democracias.

Tudo estaria bem se estas duas perspectivas não se tivessem misturado na prática quotidiana. A argumentação não torna equivalentes todas as perspectivas, mesmo sendo estas relativas na sua subjectividade. Considerar que qualquer posição é válida -qualquer narrativa, como se diz agora- só porque alguém consegue defendê-la de modo que outros nela acreditam é fazer equivaler a verdade à retórica.

Problema muito antigo este que ganhou novo fôlego entre os novos sofistas. É por isso que os políticos apresentam as suas 'narrativas' mesmo sabendo-as falsas: porque sabem que a verdade está desvalorizada e sofreu um 'downsizing' tendo sido remetida para o domínio da utopia.

Há um par de anos ouvi o Jacques Bouveresse, grande especialista em Wittgenstein, defender num colóquio na Gulbenkian sobre os limites da ciência, a hipótese da Filosofia riscar a palavra verdade do seu programa milenar e, na prática, desistir de ter a verdade como desígnio maior.

É por isso que os políticos já não se demitem quando são apanhados a mentir. Todos esperam que eles mintam. É a narrativa deles...

A mim parece-me que este novo relativismo pragmático está na origem dos povos não se sentirem representados pelos novos políticos sofistas e que lança raízes para uma fragmentação da vida pública.

 

publicado às 22:31

 

 

 

Professores, os escravos do ministério   EXP

Ante o relatório da OCDE, José Sócrates esqueceu um pormenor: os nossos professores são escravos. E Sócrates continua a esquecer aquilo que não pode aparecer nesses relatórios da OCDE: um aluno de 12º ano não sabe escrever.

I. José Sócrates, o propagandista-que-por-acaso-é-o-nosso-primeiro-ministro, lançou por aí uns foguetes pedagógicos depois de ver um relatório da OCDE sobre a educação. Consta que a educação em Portugal melhorou. Pois claro, com um ministério da educação a fabricar falsas estatísticas através do facilitismo, eu aposto que Portugal ainda vai passar a Suécia. As nossas crianças não sabem escrever ou fazer uma simples conta, mas, força Sócrates, tu consegues .

II. Mas, enquanto a Ministra Alçada apanhava as canas do eng., outras pessoas fizeram outras contas. Por exemplo, Paulo Guinote viu aqui uma coisa: os professores portugueses trabalham mais 100 horas do que a média europeia. Não são 10. São 100. Eu não percebi se estas horas são apenas horas passadas nas salas de aula ou se já incluem as horas infindáveis que um professor gasta a preencher papéis e fichas para o ministério.

III. Em todo o caso, interessa fixar isto: se o excesso de trabalho fosse em prol dos alunos, o problema não seria grave. Mas, na verdade, o excesso de trabalho dos professores representa trabalho escravo, representa a subalternização do professor em relação aos pedagogos do ministério da educação. Como já escrevi 1234 vezes, o nosso maior problema é este centralismo do Ministério da Educação. E esse centralismo autoritário (e herdeiro de Salazar) é visível na forma como Lisboa controla as escolas no Fundão, Faro ou Bragança. Um absurdo intolerável. Mas este absurdo intolerável não se vê apenas nesta parte burocrática e administrativa. Também se vê na parte pedagógica. Os desgraçados dos professores têm de preencher fichas e fichinhas intermináveis. Para quê? Para que os pedagogos centralistas controlem tudo. Para que a senhora ministra tenha dados bonitinhos para apresentar à OCDE. Resultado? Sempre que se fala com um professora, a desilusão é sempre a mesma: "eu não sou uma professora, sou uma burocrata do ministério".

IV. Um partido que pretenda, de facto, resolver este assunto tem de atacar os pedagogos do ministério e não os professores que estão nas escolas. Temos de tirar poder ao ministério. Temos de dar esse poder às escolas e aos professores. É preciso retirar poder a estes pedagogos pós-moderninhos que têm mestrados e doutoramentos naquela pseudo-ciência (ciências da educação? É assim que se diz?) e que têm, acima de tudo, um cartão da cor política certa. Quantos boys and girls vivem nas catacumbas do ministério da educação? Quantas horas os professores perdem a preencher as fichinhas dos boys and girls que andam a destruir o futuro dos jovens portugueses há duas ou três décadas? Sem poder sobre o ministério, os professores nunca vão conseguir fazer aquilo que têm de fazer: ensinar sem facilitismo

publicado às 16:50


citações

por beatriz j a, em 24.02.10

 

 

Hannah Arendt


Is it of the very essence of the truth to be impotent and of the very essence of power to be deceitful? And what kind of reality does truth possess if it is powerless in the public realm, which more than any other sphere of human life guarantees reality of existence to natal and mortal men--that is, to beings who know they have appeared out of non-being and will, after a short while, again disappear into it?
Truth and Politics

 

tradução

É próprio da essência da verdade ser impotente e é próprio da essência do poder ser mentiroso? E que tipo de realidade possui a verdade se é impotente no domínio publico, o qual, mais do que qualquer outra esfera da vida humana garante a realidade da existência aos homens que nascem e morrem - isto é, aos seres que sabem que apareceram do não-ser e que, passado pouco tempo, voltarão a nele desaparecer?

Verdade e Política


 

publicado às 09:45


verdades eternas

por beatriz j a, em 16.06.09

 

 

Da CARTA VII de Platão

 

A ignorância é para o homem a raíz de todo o mal. Quando a loucura é a pura ignorância, ela limita-se a faltas ligeiras e infantis e não passa de fraqueza. Mas quando se alia à presunção e ainda por cima se conjuga com o poder, torna-se fonte das piores faltas.

A ignorância existe quando se pretende possuir o conhecimento apesar de apenas nos apropriarmos duma parte do infinito domínio do conhecimento.

O conhecimento é o saber do não-saber sob a conduta do Bem.

 

A conversação é o caminho da verdade. Uma atitude contrária à verdade e por isso anti-comunicativa faz do diálogo um não-sentido. É por isso que os espíritos dogmáticos ou 'nihilistas' rejeitam todo o diálogo verdadeiro. Despojam-no da sua natureza. Todos os poderes que querem a mentira impedem, ou interdizem, se têm força para isso, a discussão com o adversário. (Karl Jaspers)

 

 

 

 

publicado às 14:10


no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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