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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Sobre Mário Centeno, Cavaco disse que, apesar de o seu primeiro Orçamento de Estado ter sido quase "rejeitado" pela Comissão Europeia e "duramente criticado" pelo Conselho de Finanças Públicas e pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República, agora não teria dificuldade em dizer que o também presidente do Eurogrupo poderia "fazer parte de um Governo social-democrata de direita".
Elogiando o "diálogo", em particular com a Esquerda, e a "firmeza demonstrada", Cavaco considerou o atual governante uma "pessoa hábil". "Mas, acima de tudo um Ministro das Finanças precisa do apoio a 99% do primeiro-ministro.
(jn)
Não só se revê em Centeno como vê-se que gostava de o ter tido como seu ministro de finanças. Compreende-se, pois são igualmente pessoas dogmáticas (o que ele confunde com firmeza) e pouco educadas culturalmente, fora do âmbito das suas especialidades técnicas.
Não percebo qual é o problema de Cavaco ter escrito um livro em que conta algumas conversas formais, institucionais (não privadas) e o que pensa do MO das pessoas com quem lidou. Não contou episódios da vida privada de ninguém, nem conversas informais, apenas o que foi o trabalho institucional. Ainda bem que o fez porque nós, o povo, gostamos de saber o que se passa e não gostamos destes pactos de silêncio entre políticos (como o caso de Azeredo, Costa e Tancos) que os torna impunes e os sonega ao juízo crítico.
Depois, o mastim vir falar em sentido de Estado é para rir...
"A man's library is a sort of harem." — Ralph Waldo Emerson
Alguns livros encerram neles o espírito das pessoas que os amaram. Este era o livro de cabeceira da minha mãe, agora é o meu.
Como já foi muito usado está velhinho, a precisar de cuidados urgentes, como se vê
Na página 443 ela deixou-lhe uma flor, agora ressequida. De quem seria? Que memórias encerraria...?
Abro-o ao calhas porque todas as páginas são minhas irmãs.
O livro é este
Adoro esta edição do Pessoa da Aguilar. E tem outra particularidade que gosto especialmente :)
... sobre o ano decisivo para a democracia portuguesa (o do PREC) que se lembrem os vários 'pais' que ela teve (das mães há-de falar-se um dia) para que os mais jovens não fiquem a pensar que Soares foi o salvador da pátria e que se não fosse ele não tinhamos democracia, o que não é verdade.
O Leão de Ouro ali ao lado da Estação do Rossio. Era o restaurante preferido do meu pai porque era para ali que ia pandegar com os amigos depois das corridas. Não me lembrava do painel do Columbano. O restaurante tem aquele ambiente centenário de madeira e azulejos. Achei piada porque da última vez que lá fui foi com o meu pai e agora foi com o meu filho. Quantos restaurantes se podem gabar de resistir a três gerações? Gostei da ideia de haver ali uma presença comum.
Doente, na cama, a tratar uma hepatite... soube da revolução por uma empregada quando me acordou para tomar o pequeno almoço. Disse-me que tinha havido uma revolução, dizia-se que tinham morto o Américo Thomaz e que o Marcello Caetano estava desaparecido. Mais tarde a minha mãe disse-me o que se estava a passar. Como não podia levantar-me nem tinha forças para ler, ouvia a rádio mas ainda estava desligada dos acontecimentos, quer dizer, ainda não me batiam na cara, eram assim uma coisa longínqua.
Nessa altura morava no Alentejo e estudava em Évora. As minhas irmãs que também estudavam em Évora, quando vinham a casa, ao fim de semana, contavam-me as novidades do que se passava na cidade e no Liceu.
Levantei-me quinze dias depois, ainda não completamente curada mas fartíssima de estar para ali há tanto tempo estacionada na cama e voltei para a escola, pois não queria chumbar o ano por falta de comparência.
Quando voltei à escola o ambiente ainda não era caótico e acabei o ano com relativa normalidade. Andava no que então se chamava o 4º ano dos Liceus. Tinha treze anos, quase a fazer catorze.
Fomos de férias, como de costume e voltámos em Setembro, porque as aulas começavam, tradicionalmente, no dia a seguir ao da República. Uns dias antes das aulas começarem, a 28 de Setembro, houve uma tentativa de golpe militar frustrada que teve como consequência todas as fortunas do país, grandes e menos grandes, fugirem daqui a sete pés. Marco esse como o primeiro dia do início do caos, porque o 'verão quente' começou aí a dar os primeiros passos -no Alentejo- que havia de levar ao PREC.
O ano lectivo de 74/5 foi, esse sim, caótico. Desde o início a UEC (juventude comunista) e outros seus satélites à esquerda (sendo que eram muito mais à esquerda do que hoje são) assumiram o comando do Liceu.
Organizavam RGAs (reuniões gerais de alunos) a torto e a direito, falavam em sanear os professores mais exigentes (acabaram por ocupar a sala de professores), faziam o que hoje se chama 'bullying' a todos os que não lhes fossem favoráveis. Por essa altura era quase proibido, lá no Alentejo, não ser de esquerda e, quem não o era, mesmo sendo a favor do 25 de Abril e do fim da ditadura, andava caladinho; no entanto, éramos todos colegas de Liceu e conhecíamo-nos desde antes do 25 de Abril de modo que sabíamos muito bem quem eram os desprezíveis que se aproveitavam da situação apenas para melhorar a sua situação particular.
Eu, que já na altura tinha inclinações filosóficas muito fortes, um sentido de justiça muito apurado, uma pancada com a questão da verdade e, a tendência de me pôr sempre do lado das minorias vítimas, comecei a entrar em choque com algumas pessoas. Rapidamente nos tornámos todos muito politizados.
O ambiente era de tensão porque fora dos portões do Liceu, na cidade de Évora e nas herdades e quintas ali à volta as coisas iam aquecendo gradualmente com acusações, prisões arbitrárias e outros abusos, de que fui testemunha directa mas que não vou agora aqui contar.
Por essa altura eram mais os dias sem aulas que com aulas porque, mesmo que não houvesse greve (o que era comum) a maioria dos professores tinha receio de afrontar os UECs, como lhes chamavamos. Entrei um dia, depois de muita insistência, na sala de professores ocupada. Entrei, olhei e saí porque passava-se lá a maior rebaldaria que nada tinha a ver com nenhum ideal de democracia.
Em suma, talvez por não ter vivido uma vida de dificuldades antes do 25 de Abril, a revolução não me apareceu imediatamente como uma coisa extraordinária e parecia-me, sobretudo, que não tinha tido sido feita pelas pessoas certas, que não era verdadeira; que as pessoas que agora mandavam era iguais às anteriores no sentido de não quererem, de facto, democracia ou partilha de poder. Não, queriam o poder todo para si e queriam vingança.
Por essa altura tinha lido o 'Arquipélago de Gulag' que a minha mãe comprou em 73 (ainda cá está em casa) e tinha uma ideia do comunismo muito diferente de outras pessoas da minha idade. Mais, via semelhanças em muitos processos que então tentavam instaurar pelo Alentejo com outros que tinha lido no livro e só reparava em injustiças por todo o lado.
Como era ainda muito miúda, dividia as pessoas em: os que só querem rebaldaria, os que querem vingança, os que falam de liberdade mas andam a perseguir outros, os cobardes que se calam por medo, os desprezíveis que se aproveitaram da situação para lixar os inimigos e subir na vida e os outros, os que continuavam iguais a si, à direita ou à esquerda e, não se deixavam levar por mentiras ou interesses. Identifiquei-me com estes últimos e, como sempre fui destemida, quando a F... da UEC fazia aqueles discursos para meter medo numa qualquer RGA a que fosse (raramente ía porque não tinha paciência para aquilo), em que falava do mal que havia de acontecer aos fascistas (todos que não eram seus admiradores) no dia seguinte entrava no Liceu, sozinha, com uma data de fios ao percoço, cada um de um partido qualquer da direita, só para marcar posição porque eu não era de partido nenhum, como continuo a não ser.
Uma professora, de quem todos tinham imenso medo por ser muito exigente e que queriam sanear veio ter comigo dizer que admirava muito a minha coragem mas que devia ter cuidado. Era o que me diziam as minhas amigas, 'qualquer dia dão-te uma sova'. Nunca me aconteceu nada. Não tinha medo nenhum deles.
Só muito mais tarde me apercebi do outro lado do 25 de Abril, o lado da Liberdade.
Hoje estava a trabalhar na Mediateca, com os 'phones' do Mp3 postos, a ouvir música, para me concentrar e isolar do contexto. Tinha a música no shuffle. A certa altura sai-me de lá a 'Carta' dos Toranja. Já não ouvia a música há anos. De repente, vi-me no passado, naquele Verão de 2003. Maio e Junho com temperaturas de 40º graus e nós a lixar cadeiras, a pintar mesas e paredes naquela sala 43, enfornante. Deu-me umas saudades...
Vinha há bocado a ouvir na Antena 1 uma rapariga (não sei quem é, não apanhei a conversa do início) a falar sobre a intervenção de um Coronel junto de Pinheiro de Azevedo e dos EUA para tirar de Angola os portugueses antes da guerra civil após a indepndência. Nunca tinha ouvido falar dessas diligências nem desse indivíduo sequer mas, pelo que ouvir, muitos milhares de portugueses devem-lhe a vida. A conversa não só era sobre esse Coronel mas também sobre o contexto em que essa operação de resgate se deu: o interesse do governo português, o interesse do governo americano, as diplomacias envolvidas...
Acho uma pena que em Portugal pouco se tenha escrito sobre o 25 de Abril. Falo dos episódios e eventos que pessoas particulares viveram ou testemunharam, ou sabem por qualquer razão e que ajudariam a perceber o que se passou nas várias frentes e, com isso a percebermo-nos a nós próprios na nossa História recente. Enquanto a memória das pessoas é fresca podia-se ir directamente aos actores dos acontecimentos.
Não percebo porque não se fomentam grupos de investigação que desenterrem essas pessoas do anonimato e lhes dêem voz. Portugal é um país cheio de gente interessante que não consegue fazer aqui nada por haver um grande desprezo pelo conhecimento, pelo saber, pelas artes e pela cultura em geral. É triste.
1927-2011. Que pena...
Eu era miúda antes do 25 de Abril mas já tinha ouvido falar na PIDE e na falta de liberdade, embora não a sentisse, ainda. Cantava canções contra a PIDE, apesar de não saber bem o significado do que estava a cantar. Alguns adultos falavam-nos das coisas políticas. Tive uma professora de Francês que me marcou muito positivamente quando andava no Liceu de Évora (onde agora é a Universidade). Não lembro do nome dela (nessa altura era casada com o Abílio Fernandes que foi presidente da Câmara de Évora durante décadas a seguir ao 25 de Abril) mas estou a vê-la nitidamente. Morena, cabelo curto, muito magra. De vez em quando contava-nos que ia ouvir o Zeca Afonso às escondidas e falava-nos das letras das músicas dele.
Certas músicas trazem à memória recordações tão doces e plenas que devemos evitar ouvi-las com frequência para que não se gaste o seu mágico poder evocativo.
Cecile Baird
Andava a ver umas imagens de arte e fui dar com esta pintura que me trouxe à memória uma cena da infância que já tinha esquecido. Na cozinha dos meus avós, em casa de quem almoçava enquanto andei na escola primária, porque eles moravam perto, havia um relógio de parede castanho com o mostrador igual a esse da pintura. Quem me ensinou a ver as horas foi o meu avô Alfredo. De repente, ao olhar para esta pintura veio-me à memória, vividamente, a cozinha com o linólio no chão, eu própria com 5 anos, o relógio na parede branca e o meu avô, com a vassoura na mão, o cabo a servir de ponteiro enquanto me fazia repetir as horas e os minutos.
O Freud bem tinha razão quando dizia que a memória de longo prazo guardava tudo, o que faltava era a perícia para ir lá desenterrar as coisas.
Encontrei na internet umas fotografias da minha escola primária, que pelos vistos foi 'desactivada' há pouco tempo. O interior está completamente diferente, claro, porque a estar igual teria aquelas carteiras individuais de madeira com tinteiro de louça enfiado no respectivo buraco do topo do tampo. Tem agora um ar alegre quando dantes tinha um ar muito austero, com as fotografias do Américo Tomás e do cardeal Cerejeira na parede. O crucifixo ainda lá está. Apesar disso, ainda tem a lareira e as grandes janelas que deixavam entrar a luz do Alentejo.
A escola era pegada ao cemitério da vila, de modo que convivíamos com os mortos. Muitas vezes no intervalo do recreio saltávamos o pequeno muro de separação e íamos jogar à apanhada para o cemitério.
Há dois anos, quando estive em Nova Iorque vi uma cena interessante: uma secção duma avenida de Manhattan fechada ao trânsito mesmo em frente duma escola primária com infantário, durante cerca de uma hora (acho, já não recordo ao certo o tempo exacto) para as crianças poderem brincar um bocado, porque a escola não tinha espaço de recreio. De facto, as experiências em escolas urbanas e em escolas da província são muito diferentes...
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