Em Portugal há uma maior propensão para reter os rapazes, nacionais ou descentes de outros países de língua portuguesa, assim como os alunos com mães com nível de educação inferior, sublinham ainda os investigadores.
Quando se diz que há uma 'maior propensão para reter os rapazes e os alunos com mães de educação inferior dá-se a entender que há um preconceito, por parte dos professores, que são quem os retém, contra os alunos que são rapazes e contra os alunos que são filhos de mães com pouca instrução. Neste caso, procura-se alterar a acção dos professores, como por exemplo, mandar que passem os alunos, nomeadamente os destes dois grupos.
É muito diferente de dizer que os alunos cujas mães têm menos instrução têm tendência a chumbar mais que os outros e que os rapazes chumbam, em geral, mais que as raparigas. Neste caso, procura-se que a escola compense os alunos pela ausência de um contexto familiar academicamente rico e procura-se saber que tipo de vida, hábitos de estudo, educação, etc., os rapazes têm que os leva a chumbar mais.
Cada uma das maneiras de problematizar a questão orienta o tipo de solução que se tenta encontrar.
Também o título da notícia problematiza a questão de um ponto de vista económico, de modo que a solução, a ser encontrada a partir desta maneira de pôr o problema, será uma solução económica: passar os alunos por decreto.
Não estou a dizer que mandar passar os alunos é bom ou mau, estou apenas a dizer que, ao problematizar-se a questão deste modo, define-se imediatamente um campo de actuação que exclui outras possibilidades de solução, próprias de outras problematizações diferentes, mais abrangentes. E, sabendo disto, é importante considerar qual o tipo de problematização que guia a acção para a melhor solução do problema, entendendo por melhor, a mais duradoura e vantajosa para os alunos.
Por exemplo, podia pôr-se a questão de outro modo: será que não reter os alunos melhora o seu desempenho futuro? Ou também não melhora? E será que afecta negativamente outros das turmas para onde vão que não estavam nessa situação? É que se não melhora, então passá-los só adia o problema e talvez seja pior adiar o problema para uma altura (dali a dois ou três anos) em que ele já não tem recuperação possível.
Continuando o exemplo, que é uma mera hipótese de trabalho: um aluno vai passando, sempre com negativa a Matemática e chega ao exame do 9º ano e tira 15% no exame (isto é vulgar acontecer) mas passa porque a nota de exame conta 30%. No 10º ano escolhe um curso de ciências que tem Matemática como disciplina específica mais importante (três anos com exame obrigatório no 12º ano). Este aluno, numa turma de 30 ou mais, perde-se completamente. Não tem conhecimentos nem disciplina para acompanhar os trabalhos nem o professor pode parar a aula para dar-lhe explicações. Até pode ir passando, para continuar com a turma, até ao 12º ano mas, depois, fica ali encalhado a chumbar nos exames até ir-se embora com o seundário por acabar. Não sei quantos são os que fazem este percurso mas são, de certeza, mais do que um quarto do total e, estou a ser parcimoniosa. Se forem vários assim numa turma, vamos dizer 8 ou 10 (o que é vulgar), a não ser que os outros 20 sejam todos bons (o que é invulgar), arrastam os medianos, os que foram passando com dificuldade mas sem favor, para baixo, porque grande parte da aula é concentrada nas dificuldades destes alunos que atrasam toda a aula e baixam consideravelmente o nível da turma. É preciso perceber que numa aula de 90 minutos o professor tem 3 minutos para cada aluno e que todos que damos aulas sabemos que o nível da turma tem enorme influência no rendimento final. (Não por acaso, os professores de estatuto especial nas escolas (ex-titulares e amigos especiais dos chefes) só trabalham com as turmas onde se juntaram os alunos que vêm com boas médias porque é muito difícil trabalhar com as outras [afectam a motivação, o cansaço, obrigam a um grande esforço e multiplicidade de metodologias, de saber resolver e gerir conflitos, etc.] que são turmas problemáticas e não estão para isso sendo que muitos nem sabem fazê-lo.)
Nesta hipótese, os alunos terem passado sem conhecimentos, leva a que outros alunos, por efeito de dinâmica das turmas sejam arrastados também para um baixo rendimento. Ora, isso nunca é considerado nestes cálculos económicos.
Então talvez, nesta hipótese, em vez de passarem os alunos que não têm conhecimentos, se adoptem outras soluções, como por exemplo: ter as turmas mais pequenas para que logo no 5º e 6º ano (ou até antes) os professores possam detectar os problemas e resolvê-los atempadamente; ter professores que dão apoio a esses alunos, não como um extra ao trabalho do professor, como agora acontece, mas como actividade lectiva que é; mudar o programa de Matemática (que está feito no pressuposto, dizem-me os colegas, que todos os alunos hão-de ir para a universidade para um curso que tem Matemática, quando esses são uma pequena minoria [nunca percebi porque é que quem vai para cursos de saúde tem que ter Matemática e, logo como disciplina principal, em vez da Biologia ou a Química] que escolhe engenharias ou económicas) de modo que a formação geral seja mais virada para o que é necessário para a vida ou para um curso prático.
Outras soluções haverá. Não estou aqui a esgotar soluções, ou sequer a resolver o problema dos chumbos num post, como é evidente, estou apenas a mostrar que o modo como se problematiza uma questão, neste caso a questão das retenções, afecta o tipo, na quantidade e qualidade, de soluções que se podem encontrar e, o que me parece, é que problematizam sempre as questões da educação do ponto de vista exclusivamente económico, muito simplista, como se as questões não fossem complexas, de modo que, por essa razão, deixam sempre de fora muitas possíveis soluções e acabam sempre com certos clichés como, 'autonomia' e 'flexibilidade' e outras coisas idênticas. Como é que a autonomia (para passar alunos ou elaborar tumas) ou, a flexibilidade (para dar mais horas à Matemática?... ou para fazer experiênciazinhas meio à toa...?) por si só, resolvem problemas complexos, à laia de milagre, que mexem com imensas variáveis?
Para mim, esta maneira de problematizar as questões da educação, de um ponto de vista meramente económico, é a pior de todas, porque não resolve nenhum problema educativo, só económico. Todas as soluções de uma problematização pedagógica ficam logo excluídas à partida.
Mas se o fito é apenas poupar dinheiro, façam o que têm a fazer, mas sem demagogias, sff.