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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Era bom que Costa pensasse no que aconteceu a Sócrates quando os professores se cansaram.
“O pão que sobra à riqueza, distribuído pela razão, matava a fome à pobreza e ainda sobrava pão.”
António Aleixo
Não tenho pejo em assumir que a relação que mantenho com os problemas da minha profissão de professor ganha muitas vezes prevalências sentimentais, porque esta actividade profissional não se resume a um emprego como tantos outros. O seu exercício afirma uma identidade e expõe obrigatoriamente quem somos. Em milhares de colegas, com quem tive e tenho a honra de trabalhar, sempre vi dedicação para dar o que de melhor tinham e têm. Quando os maltratam, só posso estar, incondicionalmente, do lado deles.
1. Quando António Costa, qual discípulo de Vítor Gaspar, disse aos professores que “não há dinheiro”, fê-lo porque o governo a que pertenceu e o seu senhor de outros tempos contraíram uma dívida, vendendo o país e a sua autonomia para enriquecimento de uns tantos, a quem ele, António Costa, não disse, nem diz: não há dinheiro! Se isto já é suficientemente escandaloso, mais escandaloso ainda é que haja quem faça coro com a narrativa, quando todos sabemos que as ajudas do Estado aos bancos somam 17,5 mil milhões de euros.
Em retórica política e ideológica, o desconstrucionismo é um método que permite substituir o significado de um texto ou de uma realidade por uma narrativa falsa, convenientemente urdida. António Costa é um exímio desconstrutivista que, apesar de já ter tropeçado muitas vezes na verdade, logo prossegue o caminho como se nada tivesse acontecido. Não me surpreende, por isso, que tenha instruído o pequeno ministro da Educação para entortar a Lei do Orçamento do Estado para 2018, a resolução n.º 1/2018 da AR e o compromisso de 18 de Novembro de 2017. Quem lhe siga o jogo de cintura já viu como lida com as leis: para os adversários, aplica-as; quando são os amigos ou os seus interesses que as infringem, “melhora-as”, “aperfeiçoa-as” ou manda “interpretá-las”.
Era bom que Costa pensasse no que aconteceu a Sócrates quando os professores se cansaram, substituísse as banalidades que diz pelo estudo do problema que tem a rebentar-lhe nas mãos e mudasse de oráculos.
2. As greves dos professores são sempre acompanhadas por homilias pseudo-moralistas sobre os seus “interesses corporativos”. À posição do Governo neste psicodrama, que tem por fim a ideia inverosímil de destruir a carreira dos docentes, recuperando os caminhos do ódio do tempo de Maria de Lurdes Rodrigues, podia dar uma arrogante resposta, tipo serem precisos três Costas e dois Tiagos encavalitados para chegarem aos calcanhares dos professores. Mas vale mais ser pedagógico e explicar do que falamos.
Tomemos por exemplo a situação de um professor que entrou na carreira em 2005. Quando assinou o contrato com o Estado foi-lhe dito que, se cumprisse o que a lei estabelece, estaria hoje no 7.º escalão. Ele cumpriu mas o Estado não. Está no 2.º escalão e, contas por alto e tudo somado, o Estado ter-lhe-á ficado com cerca de 50.000 euros, pagando-lhe hoje, com mestrado ou doutoramento por habilitação, 1200 euros mensais por semanas de trabalho real que se aproximam das 50 horas. Este professor não está a pedir que o Estado lhe devolva o que unilateralmente lhe retirou. Está a exigir, apenas, em conformidade com a lei vigente, os efeitos futuros de um tempo que foi trabalhado, ainda assim repartidos por vários anos vindouros.
3. A narrativa contabilística do Governo sobre a repercussão da contagem de todo o tempo de serviço nas contas públicas é enganadora. Começa por escamotear que boa parte dos salários nominais corrigidos pelo descongelamento volta de imediato aos cofres do Estado, via IRS e contribuições obrigatórias para a CGA e ADSE. Estaremos a falar, como é sabido, de uma percentagem variável, mas que nunca é inferior a 30%. Estivessem certos os propalados 600 milhões e mirrariam para, pelo menos, 420. Mas não estão. Com efeito, quando o Governo compara os dois anos e nove meses que propôs (e agora retirou em cavernícola chantagem) com os nove anos e quatro meses que os sindicatos reclamam, estabelece um raciocínio que multiplica o número a que chegou por um factor tempo, proporcional. Ora tal proporcionalidade não existe; o custo não quintuplica porque o tempo quintuplica. Tão-pouco podem as contas ser feitas como o Governo as faz, isto é, partindo do princípio que toda a gente muda imediatamente de escalão. Obviamente que não muda, já porque há ciclos em curso, longe do fim, já porque na passagem do 4.º para o 5.º escalão e do 7.º para o 8.º existem garrotes limitativos que só o Governo controla, arbitrariamente. E como se o anterior não bastasse, aos vácuos bestuntos dos contabilistas de serviço assomou ainda a ideia de apresentar, como sendo de hoje, números que, se estivessem certos, só se verificariam em 2023. Como se o impacto médio que a dinâmica do crescimento dita não fosse muito menor!
Dr. António Costa, permita-me um conselho, porque a realidade da vida dos portugueses é muito menos cheia de prosápia do que o seu discurso irritante: não volte ao palanque do Parlamento para nos dar lições de contabilidade criativa. A sua responsabilidade política na produção destas aleivosias foi uma aula prática mais que bastante!
4. Sobre o anterior, comentadores e cronistas, vindos da idade do gelo de Sócrates e Passos Coelho, dizem e escrevem vulgatas que tilintam como ouro aos ouvidos dos prosélitos. Eles torturam a verdade e põem a mensagem a dizer o que lhes interessa. Eles sabem que a sequência das mentiras gera na comunicação social desistente a tendência para as repetir, não sendo sinal de saúde ver boa parte dos jornalistas adaptados a esta prática doentia. Por outro lado, é doloroso constatar como na nossa sociedade há audição para comentadores e cronistas intelectualmente desonestos, peritos em transformar simples bullying político e ideológico em manifestações de consciências bem pensantes. Um Trump qualquer apreciaria muito a cruzada sectária e enviesada desta gente, que toma os professores por sacos de boxe. Mas as pessoas sérias só têm que a denunciar e combatê-la como praga infestante da opinião pública.
Ouvir (SIC) Miguel Sousa Tavares dizer que os professores querem subir três vezes mais rápido que os restantes funcionários públicos, enquanto as operárias de uma fábrica de Rabo de Peixe estão como estavam há 46 anos, espelha a eloquência e o rigor dos analistas que se acomodam com um país rico em pobreza.
Ler (Notícias Magazine) que o ministro da Educação fundamenta a sua competência no facto de ter passado toda a vida rodeado de professores, alguns dos seus melhores amigos e a maioria dos amigos dos seus pais serem professores, no activo ou já aposentados, para concluir que, por isso, o mundo das escolas e o mundo vivido pelos docentes não lhe é estranho, esclarece, de modo cartesiano, a quem Costa entregou a pasta da Educação.
Abençoado país que tem governantes com tais créditos e é informado por um jornalismo tão exigente!
5. Deixo vénia ao STOP e à sua greve rebelde, que fugiu ao controlo dos sindicatos do sistema. Toco a reunir as assinaturas que faltam para obrigar o Parlamento a votar a Iniciativa Legislativa de Cidadãos para Recuperar todo o Tempo de Serviço Docente. Juntos, talvez tenham posto fim à luta mansa dos professores.
Nesta sisterhood universal, nesta solidariedade entre mulheres que, por conta da ignorância e perversidade dos governos tirânicos e sexistas dos seus países, se vêem mais como cidadãs do planeta que como cidadãs de seus países e não se conformam à submissão escravizante, procurando a força das outras/os pelo mundo fora. [E brotherhood, porque não, se há milhões de homens a lutar pela liberdade, também?]
Quem sabe se isto não inspira um movimento global, planetário, de mulheres ajudarem-se umas às outras a libertarem-se da tirania dos homens ignorantes e perversos que insistem em querer submetê-las à escravidão?
A significant portion of women in society, faced with the incompetence of the political system in Iran in attending their demands, have broken away with internal geographic boundaries, and moved towards global trends, regarding themselves as global citizens instead. These efforts enunciate a loud and clear “NO” to Iran’s current dominant system, and My Stealthy Freedom’s page is representative of this major trend of demand for freedom and equality.
Photos du livre “Trente Ans” (Une chronologie illustrée de la révolution Islamique)
Contenu et photos fournies par Behnam Gholitabar, journaliste.
#آزادییواشکی
#mystealthyfreedom
hendra senjaya
Aquilo que dantes acontecia apenas nas reuniões de Conselho de Turma -colegas a esconderem os casos de indisciplina nas suas turmas para não passarem uma imagem de falta de 'mão' nas turmas- estendeu-se agora às escolas como um todo com medo de serem identificadas como escolas problemáticas com direcções fracas. As escolas cada vez são mais uma 'coisa' que serve interesses e finalidades que nada têm a ver com educação de pessoas, com evolução de povos...
Eu não vou fazer esta greve. Talvez não volte a fazer nenhuma greve enquanto os que jogam se usam das cartas que têm na mão, não para cortar vazas malignas mas para encartar com o poder desperdiçando os trunfos em causa própria. É que, sinceramente, o que eu vejo é que de cada vez que os sindicatos se chegam à frente para representar os professores ficamos pior do que estávamos. Se é incompetência ou falta de verdade, não sei. O que sei é que não os vejo representar os professores ou fazer seja o que for em benefício da educação, só os vejo ser porta-vozes do poder na destruição das coisas e vejo que foram eles, sobretudo, quem quebrou a espinha, o ânimo e a vontade aos professores com as tácticas de desmobilização e compactuação com o poder. Porque, o que nos destrói não é a contrariedade ou má-fé dos inimigos (embora, seja um anacronismo que o ministério que nos tutela pense em nós, professores, como inimigos...), que é esperada e encaixada como fazendo parte da luta, mas a dos que deviam ser representantes e líderes da nossa luta. O governo prejudicou-nos mas quem nos retirou a força foi quem disse representar-nos.
Como a greve não vai ter benefício nennhum para nós, quem é que vai beneficiar...? Não sei, mas tenho grandes desconfianças...
"Enquanto se iam aproximando o inimigo (os mosinos) não se moveu, mas quando se aproximaram eles carregaram e forçaram-nos a retirarem-se, matando nativos (também mosinos) e alguns dos gregos que se lhes tinham juntado, como aliados, no assalto. Continuaram a matança até verem os outros gregos chegar em seu auxílio; aí voltaram para trás. Cortaram as cabeças dos que tinham morto, e mostraram-nas aos gregos e aos seus inimigos, enquanto dançavam e cantavam.
Os gregos ficaram furiosos com isto. A sua acção tinha aumentado a confiança do inimigo e os gregos que tinham ido como aliados dos nativos fugiram, embora fossem em grande número. Isto era uma coisa que nunca tinha acontecido em toda a campanha.
Xenofonte reuniu os gregos e falou-lhes deste modo: 'Soldados, não devem perder o coração por causa dos eventos recentes. Asseguro-vos que têm tanto de vantajoso como de desvantajoso. Em primeiro lugar, temos agora a certeza que os homens que vão como nossos guias são genuínos inimigos daqueles que vamos combater. Depois, os gregos que não asseguraram a sua posição e que foram com os nativos por acharem que eram tão bem comandados por eles como por nós, levaram uma lição e não voltarão a fazer o mesmo.
O que têm a fazer agora é conduzirem-se de tal modo que apareçam sempre aos nativos, mesmo aos que estão do nosso lado, como melhores homens do que eles são, e deixar claro ao inimigo que não estarão a lutar com o mesmo tipo de homens que os outros, que não estavam devidamente organizados."
( Os Bárbaros Mosinos in Xenofonte, A Expedição Persa, ed. Folio Society)
Aprende-se muito a ler os gregos clássicos!!
Expresso
Oposição une-se para acabar com modelo de avaliação dos professores e melhorar subsídio de desemprego e pensões.
Foi um pedregulho no sapato do Governo Sócrates I e será o primeiro revés de Sócrates II: a ministra da Educação bem pode ir embora, mas o modelo de avaliação dos professores não sai da agenda. Ou melhor: sairá, mas só depois de uma derrota do PS no Parlamento. Todos os partidos da oposição estão determinados em suspender o que sobra do modelo de Maria de Lurdes Rodrigues. Sem maioria absoluta socialista, a oposição, juntando-se, manda.
Esta maneira de dar notícias mostra bem o que em geral se pensa deste assunto, nos jornais e gabinetes minesteriais. Dá ideia que os professores andaram a teimar nestes assuntos, por uma questão de guerrinhas como se isto fosse um jogo e a única coisa que interessasse é quem ganha e quem perde. Como se 100.000 professores tivessem ido para a rua por uma questão de pirraça, de finca pé.
Vingança? Está tudo doido? Eu, e acredito que o resto dos professores, não estamos nisto por vingança nem encaramos isto como mãos de poker.
Estamos nisto para defender a escola pública, porque representa a oportunidade de uma vida melhor para milhares de jovens, a oportunidade de Portugal não perder autonomia, competitividade, soberania. Estamos nisto para defender a vida democrática, o melhoramento da sociedade pelo acesso à educação, à cultura, à arte, à ciência, à dignidade de vida.
Vingança?! Mas quem é esta gente?
Este é o legado da ministra que ainda temos (nunca mais sai. Cada dia que lá está vomita despachos a estragar mais qualquer coisinha): ter posto os problemas da educação numa equação de baixo nível de tal modo que a palavra escola e educação é sempre seguida de vulgaridades como vingança e guerra.
Que diabo! Gosto dos meus alunos, que não são meus inimigos, nem eu deles. Muito antes pelo contrário! Quero o melhor para eles.
É por isto que estou (estamos) nesta luta, que não é guerra, é a eterna luta do bom senso contra o senso comum.
Porque é que continua na educação? Responderia com as palavras de Castoriadis, tiradas daqui:
«(...) se considerarmos a actual situação, não de crise mas de decomposição e de descalabro das sociedades ocidentais, encontramo-nos perante uma antinomia de primeira grandeza: aquilo que se tornou verdadeiramente necessário é imenso (...)
Dada a crise ecológica, a extrema desigualdade na partilha das riquezas entre países ricos e pobres, a quasi-impossiblidade do sistema para prosseguir a sua presente corrida, aquilo que é necessário é uma nova criação imaginária de uma importância nunca vista no passado, uma criação que colocaria no centro da vida humana outros significados para além da expansão da produção e do consumo, que designaria diferentes objectivos para a vida que pudessem ser reconhecidos como valendo a pena para os seres humanos. É evidente que isso exigiria uma reorganização das instituições sociais, das relações laborais, económicas, políticas e culturais. Ora esta orientação está... longe daquilo que pensam e, talvez, daquilo que os seres humanos actualmente desejam. Esta é a imensa dificuldade que temos de defrontar. Deveríamos querer uma sociedade na qual os valores económicos deixassem de ser centrais ou exclusivos, em que a economia voltasse a ser posta no seu devido lugar enquanto simples meio e não enquanto finalidade última da existência humana, em que renunciaríamos a esta louca corrida rumo a um consumismo sempre acrescido.
Isto não só é necessário para evitar a destruição definitiva do ambiente terrestre, mas também, e sobretudo, para tirar da miséria psíquica e moral os nossos contemporâneos.
(...)Há alturas na História em que tudo aquilo que se possa fazer no imediato é um longo e lento trabalho de preparação. Ninguém pode saber se estamos a atravessar uma breve fase de estado de sonolência da nossa sociedade ou se estamos a entrar num longo período de regressão histórica. Mas não é por isso que fico impaciente.»
O sublinhado é meu: para sublinhar o que me mantém, a mim e a muitos outros, acho, nesta luta, neste remar contra a maré...
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