Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
José António Saraiva resolveu reformar-se com um livro sobre quem foi para a cama com quem, quem é gay, quem se embebedou... sim, senhor... e é isto o director de um jornal... as 'personalidades' do rectângulo... que mediocridade...
Bem relacionado no cenário cultural (foi até assunto de poema escrito por Carlos Drummond de Andrade – O que Alécio Vê), o fotógrafo carioca Alécio de Andrade (1938-2003) passou suas últimas quatro décadas de vida em Paris. Lá, fez 12 000 fotos do mais famoso museu do mundo, o Louvre. Oitenta e oito desses registros estão reunidos no Museu Nacional de Belas Artes. Eles captam os momentos de interação entre o público e as obras expostas. Alécio enxergava os visitantes como atores de um grande teatro. Em suas imagens, há, por exemplo, casais apaixonados, crianças correndo, um guarda entediado ao lado da Mona Lisa e esculturas no papel de personagens. O momento mais mágico, no entanto, é um divertido flagra de três freiras diante da pintura As Três Graças, de Jean-Baptiste Regnault (1754-1829).
“Cada enquadramento lembra uma cena teatral que assistiríamos por cima dos ombros do artista, e onde os visitantes seriam os atores. Uma visão poética, cujo senso de humor se une a uma certa forma de ternura, que torna perceptível a apropriação dos espaços pelo público e as relações, às vezes insólitas, que alguns espectadores estabelecem com as obras de arte.”
in “O Louvre e seus visitantes”, Alécio de Andrade, Edgar Morin e Adrian Harding.
Fotografia de Alécio de Andrade
(do blog http://luciaadverse.wordpress.com)
Já li este livro quase todo. Para quem, como eu, é ávida por notícias e documentos relativos ao que se passou imediatamente antes e durante a guerra colonial portuguesa, este é um dos melhores livros que se pode ler, porque apresenta a versão dos colonizados pela voz de um indivíduo que tinha pensamento de estadista, muito à frente de seu tempo, e preocupado em documentar-se com factos e números não só sobre o seu país -a Guiné e Cabo Verde, terra de seus pais- mas sobre as outras colónias também.
Amílcar Cabral, antes de ir para a conferência Pan-Africana e depois para Londres e para a ONU denunciar o colonialismo português e pedir pela auto-determinação do povo esteve em contacto permanente com os movimentos das outras colónias para se documentar e apresentar factos e números sobre as colónias portuguesas que servissem de reforço aos argumentos. Portanto, apesar de ser o fundador do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo-Verde) foi durante um certo tempo porta voz de todas as 'províncias portuguesas', como então se chamava para não ofender a Carta das Nações Unidas.
O meu pai era amigo dele. Fizeram o curso juntos na Faculdade de Agronomia. Lembro de ele contar que um dia, lá para o fim dos anos sessenta, ia a passar em Alcântara quando o viu a sair dum café e foi ter com ele um bocado aflito dizer-lhe, 'O que estás aqui a fazer? Então não sabes que há um mandado de captura da PIDE para ti?' Ao que ele respondeu, rindo, 'Sei e eles sabem que estou aqui. Ando sempre vigiado mas agora já não me tocam'.
O indivíduo era uma mente muito à frente do seu tempo. Vê-se nos textos que levou às Nações Unidas mas também na tese que defendeu publicamente, em 1952, para obter o grau de licenciado, O problema da Erosão do Solo.... na região de Cuba (Alentejo)... que dedica aos jornaleiros do Alentejo, «homens de vida incerta que a erosão ameaça» defende que "Defender a terra é defender o homem" na medida em que "À medida que a técnica, nos seus mais variados aspectos, progride, crescem também as necessidades do homem. Dia a dia, novas ondas humanas concretizam a sua reivindicação no sentido de uma comparticipação efectiva no usufruto das benesses da terra." Defende que a preservação dos solos é uma questão, não apenas técnica, mas também social, porque dela depende a sobrevivência da crescente humanidade de modo que a questão da rentabilidade sustentada dos solos deve fazer parte do programa de qualquer governo.
Foi assassinado em 1973, por indivíduos do seu próprio partido, de maneira que não chegou a ver a independência pela qual lutou. O seu irmão Luís foi o primeiro Presidente do país livre.
Hoje comprei este livro. Não é um atlas geográfico. É uma cartografia da civilização. Tem mais de 200 mapas seleccionados da Biblioteca do Congresso americano, que tem a maior colecção cartográfica do mundo.
Tem mapas do mundo, de cidades, das estradas romanas do tempo do Império, mapas do Cosmos, de montanhas, mapas chineses de simbolos mágicos e de cenas da vida do quotidiano, mapas do colapso de regimes, mandalas, mapas agrícolas, de sedimentos sub-aquáticos, de guerra.
Tem vários mapas portugueses como o do plano do caminho marítimo para a Índia, e o que aparece na capa de protecção e se vê aí na fotografia. Tem mapas históricos, metafóricos, do genoma humano, das sensações humanas, de fortificações.
A maioria dos mapas são em pergaminho ou papel, mas há mapas em relevo, em tapetes, em porcelana e em pedra, também.
O editor, Vincent Virga, dedicou o livro a duas mulheres, Susan Sontag (a escritora) e Victoria de los Angeles ( a soprano de belcanto).
O livro, que é lindíssimo, como objecto físico, é-o também como ideia de rastrear a humanidade pelos mapas que nos transportam numa autêntica viagem espiritual através da civilização humana.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.