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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
CHORAR EM PÚBLICO
Miguel Esteves Cardoso – 28-11-2011
Quando sair este jornal, a Maria João e eu estaremos a caminho do IPO de Lisboa, à porta do qual compraremos o PÚBLICO de hoje. Hoje ela será internada e hoje à noite, desde o mês de Setembro do ano passado, será a primeira vez que dormiremos sem ser jun...tos. ... O meu plano é que, quando me expulsarem do IPO, ela se lembre de ir ler o PÚBLICO... e leia esta crónica a dizer que já estou cheio de saudades dela. É a melhor maneira que tenho de estar perto dela, quando não me deixam estar. Mesmo ficando num hotel a 30 passos dela, dói-me de muito mais longe. ... O IPO consegue ser uma segunda casa. Nenhum outro hospital consegue ser isso. Podem ser hospitais muito bons. Mas não são como uma casa. O IPO é. Há uma alegria, um humor, uma dedicação e uma solidariedade, bem-educada e generosa, que não poderiam ser mais diferentes da nossa atitude e maneira de ser - resignada, fatalista e piegas - que são o default institucional da nacionalidade portuguesa. É graxa? Para que tratem bem a Maria João? Talvez seja. Mas é merecida. Até porque toda a gente que os três IPO de Portugal tratam é tratada como se tivesse direito a todas as regalias. Há muitos elogios que, não obstante serem feitos para nos beneficiarem, não deixam de ser absolutamente justos e justificados. Este é um deles. Eu estou aqui ao pé de ti. Como tu estás ao pé de mim. Chorar em público é como pedir que nada de mau nos aconteça. É uma sorte. É o contrário do luto. Volta para mim.
O artigo assinado pelo director do Instituto Português de Oncologia insinua que a homossexualidade acarreta doenças e desvios e que, portanto, estas pessoas não têm sequer direito à dignidade nos seus afectos. No texto pode ainda ler-se que existem alguns comportamentos estereotipados – “gestos, fala, indumentária, gostos e manifestações subtis” – pelos quais, segundo o autor, é possível identificar os homossexuais.
Estamos num país onde as pessoas que estão à frente dos cargos são, em geral, de má qualidade. Os 'chefes' do meu país são uma desilusão diária.
Quem escreve estas coisas é o director do Instituto de Oncologia, quem acha que é pertinente publicar um tal artigo é o bastonário dos Médicos!
Quer dizer, como é que um doente com cancro ou outra doença qualquer, que por acaso seja gay pode dirigir-se com confiança a estes serviços sabendo que vai ser tratado como anormal ou repugnante? Então o juramento de Hipócrates não os obriga a ajudar todos os doentes? Ou são só os doentes com comportamentos e indumentárias do agrado dos médicos? É que a revista da Ordem não é uma revista qualquer porque representa os médicos como um todo.
Mas o que não percebo é o seguinte: como é que um indivíduo com estas responsabilidades publica um artigo contrário aos seus deveres de médico e de director de um Instituto que trata doentes (independentemente da raça, credo e orientação sexual) e não é imediatamente demitido? Então o Estado, e nós todos que pagamos o IPO sustentamos e apoiamos um indivíduo cuja conduta profissional é tão pouco ética? É que, se a revista é privada e publica o que quer, já o Estado não o é.
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