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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
...“estamos dispostos a sentar-nos à mesa do orçamento para o alterar na especialidade tendo em conta a nova situação no interior do país, e estamos dispostos a fazê-lo mesmo que isso signifique que algumas das boas notícias do orçamento não possam agora ser tão generosas como antes se pensava”. É impensável que este orçamento possa ser aprovado sem um plano substancial e decisivo para a recuperação do interior e das zonas de catástrofe, que nos permita depois pedir também a ajuda da UE para um novo pacote do Fundo de Desenvolvimento Regional dedicado à reconversão da floresta portuguesa. Ou há solidariedade entre portugueses ou não teremos moral para exigir solidariedade aos outros.
Mas a fatia do orçamento não pode ser dada sem que saibamos todos quem vai fazer o quê, como e quando com o dinheiro senão é mais dinheiro para o ralo dos políticos e amigos. É que é preciso mais que dar uns dinheiros a bombeiros. É preciso contrariar a desertificação do país. É preciso termos consciência que se queremos ter um país com recursos, pessoas e bens e não apenas uma faixa de praia temos que assumir que isso tem custos.
O Ministro da Educação, Aloizio Mercandante, que juntamente com outros três ministros apresentou o novo projeto de lei presidencial em conferência de imprensa, acentuou o valor histórico da decisão do governo de Dilma Rousseff. "Não esxite futuro melhor para o país que investir na educação", disse.
Para o ministro, "só a educação fará do Brasil uma nação efetivamente desenvolvida, já que a educação é o fundamento de todo o desenvolvimento económico futuro".
O documento-base, a que o PÚBLICO teve acesso, é explícito: a fatia de leão dos cortes incide sobre as pastas sociais - Saúde, Educação e Segurança Social. São 1521,9 milhões de euros, o equivalente a 0,9 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), num total de 1,3 por cento que o Governo terá de poupar no próximo ano, de acordo com o compromisso internacional assumido com a troika.
Nunca se falou tanto de educação e da importância da educação para o futuro e nunca se fez tanto mal à educação como nestes últimos anos.
É evidente que quanto mais se depauperar as escolas de recursos piores serão os seus resultados; mais se alargará o fosso entre as oportunidades dos ricos que podem fugir à escola pública empobrecida e dos pobres a quem a escola não poderá compensar as desvantagens sociais; pior será, portanto, a mobilidade social; pior será a distribuição da riqueza; pior será a qualidade dos trabalhadores, a qualidade do trabalho, a qualidade dos decisores políticos, a qualidade do futuro do país.
É evidente que alunos de famílias em que os pais têm recursos, educação superior e responsabilidade podem frequentar más escolas sem recursos e maus professores que sobrevivem a isso tudo; agora, famílias onde os pais não têm recursos, nem formação superior, nem conhecimentos para acompanhar os problemas dos filhos não sobrevivem a uma má escola.
E evidente que uma escola não é má ou boa em si mesma. Se a escola tiver recursos adequados, professores motivados e respeitados na sua autonomia e responsabilizados pelo seu trabalho será uma boa escola; se a escola, aos poucos, for sendo esvaziada de recursos, se os professores forem impedidos de trabalhar com autonomia, se forem reduzidos a instrumentos políticos atirados uns contra os outros, usados em esquemas de benefícios de carreira destes e daqueles, também aos poucos vão baixando o nível do seu empenhamento, o nível da resistência aos ataques continuados, ao desvio do que é o seu trabalho; aos incompetentes que se perpetuam nos cargos...
É evidente que, já agora, neste momento, temos decisores políticos de fraca qualidade -pela Europa toda- resultado deste minar continuo da educação.
Mas, o que é mesmo importante é gastar dinheiro a criar 3 grupos de trabalho para estudar o futebol...
O sucesso requer investimento. Estava há pouco tempo na TV uma rapariga nova que ganhou um prémio internacional por trabalho relacionado com as próteses para anca no pós-cirurgia de modo a evitar segundas cirurgias. Uma tal Maria João Runa. De facto, houve um grande investimento na área da ciência médica e biológica que se traduziu num aumento de investigadores bolseiros. Os resultados começam a ver-se. Imensos jovens a alcançar resultados de sucesso nesses domínios. Por aqui se vê que quando há estratégia e investimento, há retorno...
Agora, no ensino não universitário, em vez de investimento há desinvestimento há vários anos já. E, como sabemos, vai continuar. Logo, o que se pode esperar? Sucesso? Não me parece.
A influência do padrão de vida dos pais no futuro dos filhos é transversal a todos os países da OCDE, mas é mais intensa nos países do sul da Europa, que têm sociedades mais desiguais e barreiras de classe difíceis de transpor.
Em Portugal, um filho de um pai licenciado tem menos 50% de probabilidades de se ficar apenas pelo ensino secundário, ao contrário de um colega cujo pai tenha o nono ano.
O ambiente na escola é outro factor importante nos resultados dos alunos - Portugal cai no grupo de países em que o ambiente escolar (a diversidade social de alunos, por exemplo) tem um peso semelhante ao da família, não conseguindo inverter a lotaria social.
Que o padrão de vida dos pais influencia as expectativas dos filhos, já sabíamos.
Que o nível académico dos pais influencia as expectativas e a prestação escolar dos filhos, já sabíamos.
Que escolas diferenciadas pelo nível sócio-económico dos pais perpetua a diferença de classes e condiciona a mobilidade social, já sabíamos.
O que também sabemos é que:
Para inverter este caminho é preciso prover a escola pública de meios capazes de diminuir a diferença de contextos entre alunos.
A escola pode atenuar as diferenças proporcionando aos alunos o que eles não têm em casa: contexto culturalmente rico, exigente nas expectativas, apostado no desenvolvimento;
A escola, ou melhor, a educação, nos moldes do que é dito atrás, custa dinheiro: é cara;
A escola pública tem sido palco de drenagem de capital económico e humano ao contrário da escola privada que, apesar de ter já vantagens à partida, tem sido apoiada pelo Estado.
Sabemos que ninguém no país dos governantes quer gastar dinheiro com a educação pública e fazem de conta que não sabem que estão a condenar as gerações futuras a uma perpetuação da pobreza.
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