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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Paulo de Morais
É infindável o rol de artigos da Constituição que já ninguém respeita.
O incumprimento dos princípios constitucionais é hoje regra: o regime já não respeita o princípio da separação dos poderes, esquece a proporcionalidade do sistema eleitoral ou até o princípio de redistribuição a que se deveriam submeter todas as Leis fiscais.
Em matéria de legislação fiscal, o desrespeito pela CRP é recorrente. Esta, no seu artigo 104.º, determina que “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre cidadãos”. Mas uma família que adquira um T2 é mais penalizada em termos de impostos do que um promotor imobiliário que, detendo centenas de propriedades em nome de um fundo de investimento imobiliário, beneficie de isenções de IMI ou IMT. O mesmo artigo estabelece a oneração de consumos de luxo, mas a estadia num hotel de cinco estrelas é tributada com IVA a 6%, enquanto o consumo desse bem essencial que é a electricidade o é a 23%, mesmo para as famílias mais humildes. Reza ainda o artigo que “a tributação das empresas incide sobre o seu rendimento real”; mas uma empresa que consolide os seus lucros numa Sociedade Gestora de Participações Sociais paga, em termos relativos, muito menos impostos do que uma pequena empresa familiar. Assim, com as maiores empresas e os maiores proprietários a pagar menos impostos – e com os bens de luxo a serem desonerados –, a redistribuição fiscal faz-se ao contrário e contribui para o agravamento das desigualdades.
Outra inconstitucionalidade grave decorre da legislação eleitoral. Rezam os artigos 149.º e 288.º da CRP que os partidos devem ter uma proporção de deputados equivalente ao número de votos. Mas tal não acontece. Os deputados da coligação PSD/PP foram, na última eleição de 2015, eleitos com apenas 20 mil votos cada; mas já o Bloco de Esquerda precisou de 30 mil. E o único deputado do PAN necessitou mesmo de 75 mil votos para a sua eleição, quase quatro vezes mais do que os deputados socialistas. Há partidos que, apesar de terem muitos mais votos do que os 20 mil que elegeram os deputados da coligação de direita, não estão representados no Parlamento. Se fosse respeitada a Constituição, a geografia parlamentar seria distinta: partidos como o Livre ou o MPT teriam assento parlamentar. E teriam ficado de fora alguns dos deputados do PSD, PS e CDS que, apesar de não terem legitimidade eleitoral, se mantêm indevidamente no Parlamento, porque pertencem aos partidos que dominam o sistema.
O poder legislativo foi desviado do Parlamento para as grandes sociedades de advogados, às quais sucessivos governos têm encomendado a elaboração das Leis com maior relevância económica. Aquelas firmas, tendo por prioridade os seus clientes, tecem a malha legislativa em função dos interesses dos grupos económicos a que estão vinculados. E, assim, temos hoje sociedades de advogados que vão aos tribunais litigar com base em documentos legislativos que eles próprios produziram. Intervêm simultaneamente nas esferas do poder legislativo e judicial, misturando-os.
Por outro lado, os tribunais, tutelados pelo Ministério da Justiça, não são verdadeiramente autónomos face ao poder executivo. Não dispõem de autonomia financeira, nem tão pouco de independência organizacional. É, aliás, o Governo que controla a plataforma informática de gestão dos processos judiciais, o “Citius”.
E nem mesmo os deputados no Parlamento respeitam a CRP. Nos termos do artigo 155.º, estes devem “exercem livremente o seu mandato”; mas, ao submeterem-se a uma disciplina partidária que cerceia a sua liberdade, incorrem em mais uma inconstitucionalidade patente.
A Constituição está pois ferida de morte. E mesmo aquele que mais a deveria defender... abandona-a. O Presidente da República, nos termos do artigo 127.º, jurou no seu acto de posse “cumprir e fazer cumprir a CRP”. Ao incumprir este juramento, Marcelo Rebelo de Sousa é o primeiro transgressor da Constituição.
Parece haver um ataque generalizado à educação por todo o lado. Nos EUA iniciaram um processo idêntico ao que o Sócrates e a MLR fizeram aqui aos professores. Desde dizerem que a culpa da crise económica é dos professores -literalmente, com estas palavras- que levam vidas de luxo e privilégios sem fazer nada até tentarem implementar sistemas de pseudo-mérito e controlo apertado de tudo o que se diz e faz nas escolas.
Parece-me que vários factores se conjugam aqui neste ataque, sendo uns deliberados e outros decorrentes de teorias que se tornaram tiranas, neste sentido em que todos as aceitam sem critica e sem admitirem alternativa.
Deliberado é, por um lado, atacar os professores como manobra de diversão e modo fácil de ir buscar dinheiro a uma classe que tem milhares de trabalhadores e pode, duma penada, ser drenada de milhões para tapar buracos; por outro lado, nota-se que o poder se sente desconfortável e até intimidado com a hipótese de ter uma sociedade que junte pessoas educadas, com acesso à internet e, por isso, exigentes, independentes e capazes de actuar rapidamente com um descontentamento generalizado relativamente ao modo como são governadas.
Esse medo aumentou com o que se está a passar nos países do Norte de África. Penso que há, da parte de algumas elites, um movimento deliberado de conter, controlar e reduzir, através da educação, as possibilidades de tal coisa se passar no mundo dito 'livre'. Se pudessem fazer como a China e controlar os sites a que as pessoas podem aceder na internet já o tinham feito. Não há muito tempo, movimentos de descontentes aqui na Europa pegaram-se uns aos outros e espalharam-se um pouco por todo o lado.
As pessoas contactam facilmente umas com as outras e circulam ainda mais facilmente pela Europa e se quisessem fazer um protesto a nível Europeu as coisas haviam de ser muito complicadas para as autoridades...não sei até que ponto a ideia de fechar de novo as fronteiras não se está a aproveitar da imigração tunisina para se precaver contra a possibilidade dos povos europeus se movimentarem sem controlo e com meios de fazer estragos.
A estas intenções junta-se a defesa ignorante da competição e do mérito alargados a todos os domínios da sociedade, que interessa a uns e é seguida, parvamente, por outros que não tendo noção de nada imitam tudo o que ouvem dizer que se faz noutros sítios.
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