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Este post é sobre ideologia

por beatriz j a, em 29.07.19

 

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Aqui há uns anos fui a Berlim. Uma coisa que não esperava era ver a história negra do nazismo espalhada propositadamente por todo o lado: museus ao ar livre, mostras, exposições, memoriais... por todo o lado, mesmo que não se queira, dá-se de caras com imagens, documentos da época com a contabilidade dos mortos, fotografias dos campos, filmes... uma clara intenção pedagógica de não deixar esquecer o passado e tentar aprender com ele para que não se repita. Achei admirável e lembro-me de pensar que se fossemos nós não seríamos capazes desse acto. Ainda hoje quase não falamos da guerra colonial e do que lá se passou e dizemos de nós mesmos que somos um povo de bons costumes, como se houvesse povos que nascem com a marca do anjo e outros com a marca do demónio.

 

Hoje em dia, depois de milhares de livros, filmes e documentários acerca do nazismo, das suas origens, dos seus protagonistas e dos seus crimes terem sido divuldados até à exaustão, ninguém, a não ser os negacionistas radicais, romantiza o nazismo ou considera que o Hitler foi um desvio de uma boa ideologia ou intenção que lhe esteve subjacente, como pensava Heidegger. Isso acontece em grande parte pelo facto dos alemães terem aberto à comunidade mundial os arquivos e toda a documentação dessa época e serem transparentes em relação a tudo. 

 

Com o comunismo isso não é assim. Nunca os arquivos russos ou chineses foram completamente expostos à comunidade internacional, praticamente não existem publicadas fotografias, documentários e, poucos são os livros sobre essas dezenas de anos de terror e crimes soviéticos e maoístas, nem os seus protagonistas e apoiantes são passados a pente fino em todas as suas facetas como acontece com os nazis. Não há dezenas de filmes a mostrar o que são esses anos de regime comunista. Antes pelo contrário. Há um secretismo e uma tentativa de branqueamento e romantização dos crimes e da ideologia que lhe subjaz.

 

O Parlamento russo aprovou recentemente uma lei que afirma que qualquer pessoa que deprecie a história da Rússia na Segunda Guerra Mundial pode ter que pagar multas ou ser preso por até cinco anos.

Ainda há pouco tempo a Rússia considerou ofensivo o filme que satiriza a morte de Stalin dizendo que lhe retira dignidade (qual dignidade...?). Não me lembro de ver a Alemanha criticar os filmes que gozam com a figura do Hitler. Mas os russos, em resposta à série da HBO sobre Chernobyl, apressaram-se a fazer uma série em que responsabilizam a CIA pelo desastre. Não aceitam nenhum escrutínio, nenhuma crítica.

 

Há um apagão sobre o que foram os regimes comunistas. O Lenine, que juntamente com o Marx e o Engels era posto em andores (os seus gigantes retratos) e passeados em procissão, tal como a Senhora de Fátima, para os crentes adorarem, ainda hoje são glorificados. O Lenine, um criminoso frio e calculista está embalsamado e preservado como um santo na Praça Vermelha, para o povo venerar.

 

À conta de se esconder os crimes gigantes dos regimes comunistas ainda há quem defenda que o comunismo foi um desvio do Marxismo. 

Eu separo o Marx filosófico e critico económico, do Marx-Engels ideólogos, pretensos solucionadores dos problemas da injustiça social com implementação de ditaduras. 

 

A ideologia do Marx-Engels com receitas para resolver problemas sociais está assente num grande desprezo pelos seres humanos enquanto indivíduos, pessoas com uma dimensão psicológica, ética e ontológica. Toda a receita deles está projectada segundo o pressuposto do materialismo determinista social; da ideia de que os trabalhadores estão marcados pelo anjo e o capitalista pelo demónio; que o simples e ingénuo é puro e o outro, o complexo instruído é malévolo. A ideologia é tudo, a pessoa é nada. Ainda, como dizia Popper, apesar de se proclamarem uma ideologia científica são completamente fechados à crítica. E assim continuam.

 

O primeiro gulag surge logo em 1919. Durante a guerra civil mais de 100 mil pessoas foram executadas por motivos políticos. Houve execuções com escalpelamentos, empalamentos e fogueiras humanas, como acontece quando se dá ordem de soltura aos piores instintos dos homens. Cinco milhões de pessoas perderam a vida na 'deskulakização'. Lenine confiscava alimentos em nome da revolução. A limpeza étnica de 12 milhões de ucranianos no Holodomor. E os gulags, claro, para onde eram enviadas as pessoas nas grandes purgas, muitas vezes porque queriam trabalhadores-escravos e não queriam ter que lhes pagar salários. Os assassinatos por paranóia do Estaline. O massacre de "Grischino", o de ´Teodósia', o de 'Katyn', as violações massivas de dezenas de milhares de alemãs na tomada de Berlim, o encarceramento compulsivo de opositores políticos em antros psiquiátricos, a repressão nos países da esfera soviética, as perseguições da NKVD aos religiosos, a tortura como método corrente de domesticar o povo...

 

Para quem leu o arquivo Mitrokine e, muito antes disso, O Arquipélago do Gulag, ouvir os comunistas defenderem o regime soviético ou os regimes comunistas como sociedades admiráveis é o total absurdo.

Uma pessoa ficava aqui até às calendas se fosse a falar destes crimes soviéticos que duraram até à queda do regime (ainda nos dias de hoje as Pussy Riot  foram enfiadas em hospitais psiquiátricos...) e ainda os do camarada Mao e outros regimes comunistas onde os líderes se instituíram como divindades infalíveis e refasteladas no luxo que criticavam aos capitalistas e czares enquanto aniquilavam populações inteiras. Tudo em nome de Marx e de Engels. Sim, Marx e Engels não mandaram nunca ninguém matar pessoas, mas tinham uma ideologia construída sobre o desprezo ou indiferença pela vida humana individual.

 

Aqui no rectângulo, Cunhal e outros comunistas sabiam muito bem disto tudo, embora pudessem não conhecer todos os números na sua totalidade e entendiam, como alguns ainda entendem, que esta ideologia era a melhor maneira para organizar a nossa sociedade. Não por acaso, se ensaiaram, à escala pequena do país, julgamentos populares ao modo soviético. Cunhal, como bom comunista que era, tinha a sua lealdade afinada à ideologia e à pátria-mãe, a URSS. Foi assim que subtraiu os arquivos da PIDE e os levou para lá e era ao grande líder soviético que ia pedir instruções de como sovietizar o nosso país.

 

O Cunhal ainda é admirado, até idolatrado por muito portugueses. Criou um partido comunista: secretista, onde a obediência é lei, dogmático, rígido e cheio de amnésias relativamente à ideologia que lhe deu origem, de tal modo que ainda veneram o camarada Lenine e o camarada Estaline. Recusam criticar o regime cubano castrista e outros regimes comunistas, porque lá está... a ideologia está acima dos direitos individuais das pessoas ontológicas. As pessoas são categorias lógicas que servem a ideologia.

 

No entanto, os livros fundamentais que falam no comunismo e nos regimes soviéticos e maoístas estão aí desde os anos 70. Eu, que sou uma pessoa qualquer, não estou nos altos cargos da nação, não fui teórica de nenhum partido nem tive responsabilidades na condução do país, li-os aos 15 e 16 anos.

Uma pessoa se quer ser um cidadão consciente tem que informar-se. Ainda hoje li que o cartoonista, António, que a seguir ao 25 de Abril teve simpatias com o MRPP, como muitos na euforia desses tempos, afastou-se no dia em que lhe disseram que tinha feito um desenho desrespeitoso para com o camarada Marx. Pois, é isto, quem se preocupa, se informa e pensa, age consequentemente.

 

O que a mim me espanta é a quantidade de figuras de relevo do país que, ou nunca leram nada destas coisas o que me parece inacreditável ou leram mas fingem que não percebem e agem como se tudo fosse indiferente e igual ao litro. Não é. O século XX mostrou-o à saciedade.

 

Dizem-me que entre os muitos escritos de Marx que estão por publicar há aqueles em que ele, no fim da sua vida, elogia o regime parlamentar inglês e faz uma inversão na sua receita de ditaduras ferozes do proletariado. Não sei, nunca li esses escritos. O que sei é que os regimes comunistas adoptaram essas 'ditaduras' como o futuro radioso da humanidade e com elas destruíram 100 milhões de pessoas e, se hoje em dia se conhecessem os nomes dos protagonistas soviéticos (Yezhov, Serov, Béria e outros), chineses, cambodjanos, etc. como se conhecem os dos nazis, mais as suas acções, quer dizer, se houvesse 500 filmes baseados nesses regimes e épocas, haveria mais cautela neste revivalismo do comunismo como solução para os problemas sociais.

 

Outra solução passava pelos regimes comunistas, ou partidos comunistas fazerem uma revisão e alteração dos seus princípios doutrinários e expurgá-los do que se sabe, agora, ser errado e ter consequências muito nefastas.

 

publicado às 16:50

 

 

 Sobretudo para aqueles que falam em 'direita' e 'esquerda' como se fossem os seus feudos dogmáticos pessoais.

 

 

 

publicado às 07:36

 

 

... é também a incompetência e o factor 'deslumbramento' social ou, dito de outro modo, o provincianismo de que falava Eça e que se traduz em, 'nem penses que te deixo incomodar o banqueiro riquíssimo que faz o favor de me incluir no seu círculo social'.

 

Quedas do BES e do Banif podiam ter sido evitadas

Perito independente do FMI diz que "estatuto social" dos banqueiros e desejo de evitar mais um resgate levaram a ignorar problemas

 

 

publicado às 10:38


olhar o futuro com o conhecimento do passado

por beatriz j a, em 10.11.13

 

 

 

Entre os filósofos, grosso modo, há os que se dedicam a tentar chegar ao âmago do homem como ele -supostamente- é e, daí derivam todos os processos humanos e, há os que se dedicam a traçar um plano de como o homem deveria ser, baseado nas suas características e potencialidades de ser, com vista ao melhoramento da sociedade. Baseadas nestas filosofias -que não são conhecidas apercebidas pela maioria- surgem as ideologias como planos de acção para a transformação social.

As ieologias, enquanto se mantêm um conjunto de valores, linhas orientadoras de acção, não são perniciosas mas, quando se lhes junta um veio militar ou religioso tornam-se utopias perigosas que defendem uma espécie de operação plástica da sociedade onde alguns terão que ser eliminados ou completamente alterados para que o todo resulte perfeito. Claro que, estando a falar de pessoas, a eliminação é a morte e, a alteração, é a prisão ou a subjugação, a escravatura, etc.

Neste ultimo século tivémos o exemplo de algumas dessas ideologias perniciosas: o comunismo, que advogava a remoção dos que defendiam a propriedade privada (os capitalistas) como remédio para a sociedade perfeita; o nazismo, que advogava a remoção dos judeus e outros não arianos como remédio para a humanidade e caminho para a sociedade perfeita e, finalmente, nos dias de hoje, o islamismo radical que advoga a remoção das outras religiões como remédio para a perfeição da humanidade.

 

A utopia não devia, nunca, passar o campo da metáfora inspiradora para o campo da experiência humana e o olhar para o futuro não deveria excluir o conhecimento do passado.

 

publicado às 16:22


no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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