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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Não digo que as pessoas não tenham fé e não digo que tenham ido lá por outros motivos que não a fé mas, uma vez lá, nestes momentos como são as procissões das velas e, sobretudo, esta que estive a ver na TV, a do adeus, Fátima é um exercício catártico. Mesmo as pessoas que estão nos estúdios a comentar a cerimónia começaram a chorar, o que não tem a ver com a fé em Deus, acho, mas com o espectáculo da multidão a cantar em uníssono, como se por uns momentos deixassem a solidão da individualidade e se dissolvessem na totalidade. É catártico. Depois é a proximidade com o Papa que é como a proximidade com as estrelas de cinema, do desporto ou da música, experienciadas como divindades cuja proximidade excita e emociona.
Hoje comprei este livro e li-o há bocado. Já tinha lido algumas coisas sobre Fátima mas nunca um trabalho sério de investigação como este e, dado que este ano passam 100 anos do início do esquema que se montou à custa das três crianças, quis ler qualquer coisa séria antes do folclore estalar.
Nesta altura já devem estar esgotados todos os hotéis desde Vigo até Sevilha para virem a Fátima olhar para a estatueta, feita ao gosto, não da Lúcia mas do padre maior responsável pelas aldrabices que sairam nos jornais, o padre Formigão, que interrogou os miúdos horas a fio montes de vezes e que chegou a pensar desistir do projecto porque a Lúcia insistia que a 'Senhora' aparecia de saia curta pelo joelho e o homem achava que uma Nossa Senhora não se podia apresentar com tal imodéstia, logo, se calhar era tudo obra do demo... é assim que lhe desceu a saia até aos pés, tirou-lhe os sapatos e as meias e outras cenas do género.
O livro é muito bom. Muito bem documentado e escrito com objectividade.
No fim de tudo ficamos com pena dos miúdos, das famílias -os pais da Jacinta e do Francisco perderam três filhos nesse Inverno para a gripe pneumónica; a mãe da Lúcia, desde que o bispo atirou com a rapariga para um convento, aos catorze anos e a manteve presa e controlada, só voltou a ver a filha uma vez e nem na véspera da morte deixaram a rapariga telefonar à mãe; as mesmas pessoas que não se dispuseram a ajudar a Jacinta quando já estava bastante doente assim que morreu foram a correr fazer-se devotas da 'vidente'. As mentiras que disseram aos miúdos, a manipulação da Lúcia para que se 'lembrasse' de segredos ao gosto dos interesses da Igreja.
Tudo uma hipocrisia... ainda não tinham começado a investigar o caso e já o Bispo de Leiria mandava comprar os terrenos da Cova da Iria à família dos miúdos para construir santuários e chamar o povo...
Enfim... se os miúdos soubessem o que os esperava por dizerem que tinham visto uma 'Senhora' numa carrasqueira tinham ficado bem caladinhos.
Os jornais de hoje fazem lembrar o Portugal de Salazar. Benfica é campeão. Fátima enche-se de peregrinos. Só falta mesmo é a Amália a cantar o fado.
Futebol, fado e pastorinhos de Fátima - os ópios do povo?
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