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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
As pinturas de Rothko são planícies emocionais profundamente infinitas. Podemos olhá-las durante horas, como quem olha um espelho e vê reflectido o que é interior e escondido, sem chegarmos ao fim da sua história que é a nossa. Uma pessoa perde-se a explorar-se nelas. Adoro-as. Se tivesse dinheiro [muuiiiito dinheiro] comprava uma, talvez esta azul/roxo ou uma vermelha e pendurava-a na parede branca em frente do divã onde todos os dias me deito por uns tempos a olhar para a parede enquanto penso. Oh... que inspiração daria... no entanto, lembro-me de ser muito mais nova e olhar as obras dele sem o menor interesse. Uma pessoa muda, evolui, actualiza potencialidades, treina o olhar e desenvolve o gosto e de repente as coisas começam a ser inteligíveis e a ganhar sentido e beleza. Se vivêssemos 200 anos, talvez acabássemos todos a amar o mundo... quem sabe se através da arte...
Hoje encontrei este texto que escrevi há meia dúzia de anos aqui no blog a propósito do aniversário do pintor. Andava à procura de imagens porque hoje o desafio da aula de Estética é levar os alunos a perceber o sentido de uma obra deste género e perceber a importância do olhar despido das vestes da educação, da 'cultura' e do senso comum, mesmo que não se liguem emocionalmente à obra, o que é natural dado a maior parte deles não ter nenhum contacto com a Arte. Nenhum mesmo. Vamos ver :)
Vou começar o 11º ano com a Estética, matéria do 10º que ficou por dar. Como para mim não faz sentido dar a Estética como uma rúbrica desligada da própria experiência de abrir horizontes e ser capaz de emoção estética em domínios deles desconhecidos, o meu objectivo é que avancem no tema como quem avança num caminho novo de descoberta e transformação emotiva. O que quero dizer é que não considero o meu objectivo cumprido se no fim desta abordagem os miúdos não forem capazes de emocionar-se por uma obra ou uma área estética estranha -para eles- e se não forem capazes de fazer uma apreciação de uma obra em termos objectivos que ultrapasse as vulgaridades do senso comum. Então, resolvi fazer uma experiência: sabendo eu que o único contacto deles com a arte é, na maioria dos casos, a música e, que a experiência deles da música é muito limitada às coisas que ouvem na rádio e nos programas de música da TV, resolvi pôr os miúdos a gostar de Bach e/ou de Handel. Quem sabe se um ou outro aproveita essa porta para viajar por outros caminhos da imaginação e do pensamento. E vamos lá ver se sou capaz...
Se calhar era melhor trocar o Handel pelo Mozart... toda a gente gosta do Mozart... mas o Handel é tão alegre...
Estive a ver com os alunos o filme de Peter Webber acerca desta pintura e de como funciona a inspiração de um artista. O filme é um olhar artístico sobre outro olhar artístico. O belo sobre o belo.
Como o filme é belíssimo -os cenários como se fossem os quadros dele trazidos à vida- e gira à volta desta pintura fascinante e um bocadinho misteriosa, é fácil, a partir dele, falar na arte desde o ponto de vista do objecto que é belo, do observador que o julga e do artista que o cria.
Ninguém sabe quem é a rapariga do quadro. Pode até nem ser ninguém em particular, ser apenas uma espécie de alegoria. Também pouco se sabe sobre Vermeer.
O que mais impressiona no quadro é esta explosão de luz do rosto dela que sobressai da escuridão do fundo, a maneira como nos olha directamente e parece querer dizer-nos qualquer coisa, envolvida naquela espécie de turbante sensual e rico.
Johannes Vermeer van Delft Girl with pearl earring
Todas as obras do Vermeer para descarregar grauitamente 36 of Jan Vermeer’s Beautifully Rare Paintings (Most in Stunning High Resolution)
Se tivesse que levar uma destas pedras para casa qual escolheria e, mais importante ainda, porquê essa e não outra? (after The Morality of Choice by Deborah Stone)
Ando a dar a Estética à turma do 10º ano. Podia dar a Religião, mas prefiro sempre dar a Estética porque os meus alunos são geralmente pessoas que não têm oportunidade de desenvolver a sensibilidade estética e parece-me ser uma dimensão do ser humano absolutamente essencial ao crescimento interior e à abertura ao mundo e aos outros. Até mesmo ao desenvolvimento ético, porque a ética tem algo de estético.
Então, todos os dias levo quilos de livros de arte para a aula e a segunda metade da aula é para verem os livros porque o contacto com a arte é o primeiro passo para o desenvolvimento da sensibilidade estética. Dei-lhes um guião de como observar uma obra de arte de modo a fazer-se um juízo estético para não observarem à toa.
Muitos nunca puseram os pés num museu e nunca tinham pegado num livro de arte. Os únicos contactos com formas de arte são a música -embora reduzido porque só ouvem um estilo de música- e a Natureza de modo que é por aí que os puxo para dentro da Estética.
Geralmente há sempre alguns que descobrem, literalmente, que têm grande apetência e sensibilidade para a arte. Este ano a turma está a reagir com entusiasmo. Um dos miúdos descobriu que gosta da arte japonesa e perde-se a observar os pormenores das pinturas. Outra apaixonou-se pelo Klimt, outra pela escultura. Uns três ou quatro, do que gostam mesmo é dos capítulos dos livros dedicados ao nu...
Nestas experiências apercebemo-nos muito bem do potencial que muitos alunos têm para se desenvolverem como pessoas de mente aberta para o mundo. Infelizmente o contexto de onde vêm e a pobreza do país juntamente com a desistência de se apostar na escola pública como modo de desenvolver o potencial das pessoas ao máximo, condena estes miúdos a uma vida cerceada.
Quando olhamos para os programas da educação da tróika e dos partidos vemos que os alunos já não são vistos como pessoas, mas como recursos e ferramentas que devem ser instrumentalizadas exclusivamente para fins económicos ao serviço de interesses de multinacionais e políticos cobardes. Percebe-se também porque querem os professores amestrados, manietados por directores, também eles instrumentos ao serviço daqueles interesses: deus me livre se algum professor lembrar aos alunos que são pessoas, que têm várias dimensões e potencialidades que podem desenvolver e que não é obrigatório que sejam pessoas limitadas e acomodadas aos limites que alguns querem impôr como única realidade possível. Deus nos livre se algum aluno pensa e vê que há outras possibilidades de vida e de se ser humano.
Eu, pessoalmente, espero que estas aulas de Estética abram uma porta dentro de, pelo menos alguns, e que essa porta seja uma semente de autonomia e crescimento duma vida interior que vá para além dos limites pobres a que os Estados querem reduzir estas pessoas que não pertencem a meios de elite.
Os professores como eu que começaram a sua actividade profissional depois do 25 de Abril e que se desenvolveram profissionalmente numa escola democrática e numa sociedade onde a esperança era imensa e se acreditava que todo o ser humano deveria ter oportunidade para se desenvolver, sendo que a escola pública era o instrumento ideal para esse projecto não aceitarão nunca como normal a escola fábrica; mas qualquer dia mandam-nos embora (como já fizeram a milhares) e ficam só professores da geração mais nova que foi educada para aceitar ver as escolas como unidades de gestão e os alunos como coisas, ferramentas ao serviço dum sistema financeiro castrador.
José Gil em entrevista ao PÚBLICO (excerto)
Na formação da inteligência, múltipla nas suas expressões, há uma inteligência que só a arte nos dá e que é fundamental. Não é por acaso que tantos filósofos aproximam a ontologia, aquilo que é o nosso ser, da produção estética. Não é por acaso. É que isto é fundamental. Ora, numa cidade inteligente, a arte existe e o discurso artístico, a problemática artística atravessa esse espaço independentemente dos interlocutores, ganha autonomia, atinge as pessoas, incluindo os que não pensam nisso. Eu, que não sou artista, tenho uma cultura artística que vem daí. E isso é um espaço público. Um espaço que vibra, que é autónomo, em que não sou eu que falo, ele fala por si e atravessa o espaço real, as conversas habituais. Nós não temos isso.
O que é que em Portugal interrompe essa vibração? Porque ela, na origem, existe, está lá - há produção artística...
É interrompida, a cada instante. Saímos de um concerto, gostámos, não gostámos, e acabou ali, vamos para casa.
Estou tão de acordo com o que ele diz! A arte tem um papel formador do espírito - nesse sentido lato de dinâmica estética interior que enforma o olhar exterior.
Hoje mesmo passei um filme numa aula, por sugestão de uma aluna a propósito da matéria que estamos a dar.
O filme é Les Choristes e conta a história de um professor de música que vai trabalhar para um instituto de reinserção, dar aulas a miúdos entre os 5 e os 12 anos e acaba por cativá-los e modificá-los com paciência...e com a música. Durante o filme ouvimos o coro dos miúdos várias vezes a cantar música de câmara. Os miúdos com aquela voz angélica a cantar muito bem uma música também bonitíssima pôs os alunos completamente derretidos - uma turma do12º ano. Alguns estavam emocionados com a música e o filme e eu estava a ver essas reacções e pus-me a pensar: de facto, a emoção estética é francamente pedagógica, porque é enriquecedora do espírito, é formadora da sensibilidade e é inibidora de sentimentos negativos e de violência, entre outras coisas.
É uma pena que este país seja tão empedernido no que respeita à arte. Apesar de ter muita gente a escrever poesia, por exemplo.
A Estética é uma das matérias que mais gozo me dá trabalhar com os alunos do10º ano. E sendo no fim do ano, quando eu e os alunos já estamos muito à vontade e já há muita confiança dá para fazer experiências bestialmente giras. E em geral os miúdos gostam.
Um dos meus irmãos fez um passeio pelos E.U.A. este verão e passou pelo Grand Canyon, no Arizona, a caminho de las Vegas.
Disse-me que não há palavras para descrever o sítio, que é duma grandiosidade para além de tudo o que se tenha já visto, que deixa uma impressão indelével, que é uma enciclopédia geológica aberta da história evolutiva do planeta.
E certo que já sabia isto tudo, mas ouvi-lo contar a experiência abriu-me um tal apetite pelo lugar...é que acredito que a impressão estética e até religiosa, no sentido lato do termo, indelével, que alguns sítios/espetáculos, deixam em nós não só nos transformam interiormente, lenta mas sempre positivamente, como também alimentam a nossa capacidade de resistir ao stress e às tensões e pressões deste mundo louco e frenético em que vivemos.
Estou já a magicar (gosto desta palavra, pois que para ir ao Grand Canyon com o meu salário é precisa certa dose de magia...) uma ida ao Grand Canyon no proximo Verão.
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