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Estão dois carros da polícia à porta do prédio. Parece que está um homem com uma faca a ameaçar uma mulher. Vi-os entrar, aos quatro, um já de bastão em punho, outro com a mão naquela bolsa onde têm a pistola. Como este prédio tem mais gente que uma aldeia alentejana há sempre aqui malucos capazes de tudo.

Cada um de nós é o herói do seu próprio drama ao mesmo tempo que é mero figurante em drama alheio. (von Koeber)

 

Pode ter-se a sensação de ter o 'papel errado no drama alheio'...

Pode ter-se a sensação de estar 'na peça errada'...

Pode querer-se ter o papel de herói em ambos os dramas...

O papel interior pode estar radicalmente desfasado do papel no drama alheio...ou ao contrário...

Pode negar-se um dos papéis...

Pode achar-se que se que teve azar no 'casting'...

Pode tentar-se fazer coincidir ambos os papéis...

Pode gostar-se do anonimato que o desfazamento implica...

Pode desistir-se de representar um dos papéis...

Pode-se...

Há dias em que é preciso muita paciência para dar aulas. Quinta-feira é dia de ter seis aulas. Chego ao último bloco já cansada e por azar tenho uma turma do 10º ano quase só de miúdas que têm uma tendência para a tragédia diária. Geralmente por causa de exemplares do sexo oposto. Miúdas de 15 e 16 anos. Três ou quatro têm mesmo vocação para o drama. De vez em quando uma sai a chorar sem mais nem ontem com ar de heroína trágica em palco, outra logo pede para ir com ela para 'ajudar', tudo no meio de uma núvem climática de conspiração e tragédia.

Hoje, pelos vistos, houve uma cena de pancada ao portão da escola. Três das miúdas ficaram a ver e chegaram atrasadíssimas. Andam sempre juntas, em trio. Nem há cinco minutos estavam na aula quando uma delas começou aos 'ais' e suspiros - disse que estava a sentir-se mal. Queria ir lá fora apanhar ar. Foi com outra, mas saíram com ar de o mundo ir acabar. Voltaram com o mesmo ar de caso. A terceira desata num choro. Agora precisam as três de ir desmaiar ou algo parecido...os rapazes da turma em alvoroço com as idas e vindas das 'stars' em ar de desmaio vitoriano...opá, que paciência para lidar com estas coisas.

Ponho-me a pensar se alguma vez fui assim - mas não, nunca. Alguma vez me punha em choros dentro das aulas? Nem morta. É claro, que se calhar sou capaz de ter feito outras coisas piores...enfim...o que fiz já paguei, ah isso já!