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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Eu passo o tempo, neste início de ano, a explicar a etimologia das palavras aos miúdos e a ensiná-los a perceber o sentido dos termos observando e pensando na sua composição porque eles não têm vocabulário nenhum e, por isso, não conseguem conceptualizar coisa alguma. A certa altura a palavra era dogmático. Diz um, 'ah essa palavra vê-se logo. Vem de dog' 🤣 tive um ataque de riso.
Estes dois últimos dias foram de despedidas. Despedi-me das turmas do 11º ano. Enfim, de duas delas porque a outra, em princípio continuo com ela para o ano. Como costumo fazer perguntei às turmas o que pensam das minhas aulas: o que faço melhor e em que é que posso melhorar. Não vou aqui dizer as coisas que disseram porque ficava mal mas eu também gostei imenso de trabalhar com eles e escrevi no fim do sumário de hoje, 'dois anos de prazer', o que é verdade e eles adoraram :)
Gostei tanto destas três turmas e demo-nos tão bem, tão bem (embora duas delas tivessem que ser conquistadas no 1º período do ano passado porque vinham tão impreparados que achavam-me exigentíssima) que por um lado é uma despedida doce por outro é amarga porque custa. É um ciclo que se acaba.
O que esta profissão tem de bom são os alunos (e alguns colegas). Uma pessoa assiste àquela evolução dos miúdos entre os 15 e os 18 anos que é um tempo de grandes transformações e é muito giro vê-los crescer, amadurecer, tornarem-se autónomos.
Enfim, espero ter ajudado alguma coisa e espero que tenham uma boa caminhada e não se percam no caminho porque é mais importante a maneira como se caminha que o caminho em si.
Alguns colegas e alunos estiveram na Finlândia num daqueles programas de intercâmbio (também recebemos professores e alunos de outros países). Hoje estive a conversar com colegas sobre a experiência. Pelos vistos os nossos alunos só diziam, 'meus ricos professores' e vieram de lá mal impressionados. E porquê? Bem, as turmas têm nove alunos, o que é um pouco a menos... díficil criar uma dinâmica com tão poucos alunos.
Depois, os alunos estão espalhados em mesas, em silêncio, agarrados ao telemóvel. Estão no twitter, no instagram, recebem e enviam mensagens, estão com os pés em cima das mesas... não há uma dinâmica de turma, não há interacções... há um silêncio passivo.
Os professores vão passando pelas mesas e deixando fichas com propostas de trabalho que eles fazem, se quiserem. Quando querem sair da sala de aula saem e voltam quando querem (isto é complicado porque estão trancados dentro das salas por causa do perigo de terrorismo).
A direcção tem um sistema de inter-comunicação com a escola toda e todos os dias manda mensagens (à americana) e tudo é publicitado: se um aluno é chamado à direcção é comunicado a toda a escola.
Tanto os alunos como os professores são completamente passivos. Essa é a principal queixa de uns e outros. A total ausência de 'alma' (palavras deles, professores finlandeses) dos alunos. O caso é tão grave que a principal preocupação são as depressões na infância e adolescência. Há salas, nas escolas, com cadeirões e psicólogos que têm mais afluência que as aulas.
Este é o tipo de ensino que nos vendem como excelente e que o nosso secretário de Estado quer seguir, nomeadamente, acabando com avaliações, sistemas de assiduidade, acreditando que crianças e adolescentes sabem melhor que os adultos o que devem aprender, quando e como e o que não querem aprender e que o ideal é que todos estejam com tablets e telemóveis a fazer pesquisas sobre o que querem... não admira que a Finlândia esteja em queda nos testes internacionais e com problemas há bastante tempo.
Isto parece-me o ensino individualizado, levado ao extremo. Cada aluno está na sua. Tem a sua proposta de trabalho ou se calhar a proposta é da sua autoria, vai fazendo o trabalho no seu tempo, quando quer, enquanto intervala nas redes sociais (mas isto favorece a concentração?), o professor vai vendo e se calhar dando feedback... tudo tão individualizado, personalizado e atomizado que é desagregador e, nessa medida, deprimente.
A nossa tutela, os ministros, os primeiros-ministros portugueses, desde há muito, sem excepção, denigrem o sistema de educação português.
No entanto, os suecos, os alemães, os ingleses e outros vêm cá recrutar alunos no 11º e 12º anos para as suas universidades ou alunos já licenciados para o mercado de trabalho. Temos alguns dos melhores médicos e centros médicos do mundo, temos arquitectos que recebem prémios de excelência no mundo inteiro, enfermeiros recrutados a peso de outro, engenheiros, editores que saem daqui do desemprego para liderar equipas em editoras de renome, biólogos, etc.
Ora, como isto poderia acontecer se as nossas escolas e universidades, em geral, não tivessem um bom ensino...?
A geração de professores a que pertenço e que são de um tempo anterior às parvoíces da Ana Benavente, à guerra destruidora da Lurdes Rodrigues e às asneiras dos que se lhe seguiram, acreditam ainda e põem em prática um trabalho de desenvolver potencialidades cognitivas e de competências dos alunos mas também formá-los enquanto seres sociais: saberem trabalhar numa equipa, chegar a horas, concentrar no trabalho, ser responsáveis, participar na vida da escola, ter espírito de turma/grupo, etc.
Aqui no país há, penso, falta de autonomia nos alunos; no entanto, o excesso de individualidade e autonomia em idades tão jovens, ao ponto da desagregação e anomia que por lá se vê parece-me ainda pior.
Temo que os professores mais novos, por muito bons que sejam, venham já formados nestas pedagogias radicais (tudo o que é radical na educação é perigoso porque fecha possibilidades) que vão buscar lá fora sem conhecimento, critérios ou avaliação e que a certa altura, quando se perceber, como eles na Finlândia já perceberam, que se enfiaram num caminho errado, seja tarde demais e já não tenha volta. Já estamos um pouco nesse caminho e aqui no país já ninguém quer ser professor...
E quem diz Finlândia podia dizer França, Inglaterra, EUA e outros que estão com uma grande crise no ensino.
Termos um dia, um ministro/a que perceba de educação e não seja um ignorante, rodeado de outros iguais, com excesso de auto-estima e deslumbramento pelo que se faz lá fora, só porque se faz lá fora, que valorize o que aqui temos de bom e invista para melhorar o que já é bom e corrigir o que precisa correcção sem fazer revoluções perniciosas de 3 em 3 anos, já me começa a parecer, não um ideal mas uma utopia.
Ando a trabalhar a filosofia moderna no que respeita aos problemas do conhecimento. E trabalhámos o racionalismo de Descartes e os miúdos ficaram impressionados com os argumentos dele e a indubitabilidade do cogito e hoje estivémos a abordar o empirismo do David Hume e, é claro, abordámos a crítica que ele faz a Descartes, nomeadamente esse pseudo-princípio, segundo Hume, do cogito. E depois de termos explorado o argumento, ficaram assim, 'UAU' e eu disse, 'ele não era bué esperto?', Diz uma miúda, 'Mind blowing! Ó professora alguém resolveu esta guerra?' O Kant conciliou as duas perspectivas. 'Mas como, diz outra? Ele era um racionalista não dogmático, um empirista dogmático? Agora quero saber como é que ele resolve a guerra' 🙂 - Não, Kant era um agnóstico.
Eu dou isto como se fosse um policial: há um problema-mistério, neste caso a origem e o valor do conhecimento, e andamos à procura da melhor resposta e vamos vendo o que certos tipos propuseram e se o que cada um propõe resolve o assunto melhor que o anterior. E até o tópico da aula vai de acordo, por exemplo, hoje era, 'O caso do céptico que arrasou a causalidade de Descartes' 🙂
Enfim, não sabiam o que era um 'agnóstico' e fomos à raíz da palavra para perceberem o que é. Claro, uma série deles descobriram serem agnósticos e gostaram muito de saber isso; agora querem formar um clube chamado, 'os agnósticos do 11º ...' ahah 🙂.
Os miúdos são engraçados.
Ontem uma colega de inglês contou-me uma experiência muito interessante. A propósito de uma parte da matéria esteve a trabalhar com os alunos no tema do Brexit e da migração. Descobriu que os alunos não percebiam a noção de fronteira, o espaço físico, mesmo, com a distância entre países e a linha, muro ou cancela a demarcar o território pertencente a cada um.
Quer dizer, como os alunos são todos do tempo da UE com o espaço schengen não compreendem a noção de fronteira. Quando vão a um outro país ou vão de carro e é sempre a andar sem paragens, só com uma tabuleta a dizer, agora está em Espanha ou em França, como quem entra numa cidade diferente da sua no seu país ou vão de avião e aterram numa cidade e mostram o cartão de cidadão a um polícia como mostrariam aqui no país para entrar num concerto ou num jogo da bola de modo que não associam isso a uma fronteira física e não a abarcam, nem intelectual nem emocionalmente. Muito interessante.
Ponho-me a pensar e lembro-me de crescer sem a sensação de estar um pequeno país uma vez que nos ensinavam que Portugal era um enorme território que começava aqui, passava por Cabo Verde, Moçambique e Angola e acabava em Timor. No entanto, lembro-me da impressão de nos achar completamente diferentes e estranhos de todos os outros países europeus. Portanto, tinha a noção de fronteira com a Europa e a noção de espaço sem fronteiras com a África, mesmo sem nunca então ter lá ido.
Depois do 25 de Abril acho que perdemos a noção desse enorme espaço comum sem deixarmos a impressão de estranheza com os países da Europa. Pergunto-me se esta experiência do espaço schengen e da ausência de fronteiras não vai mudar a ideia que os portugueses tinham de si, nos últimos anos antes da entrada na UE, como um país pequenino e separado dos outros, aqui num cantinho esquecido da Europa.
Hoje uma aluna foi tão mal educada... fiz-lhe um favor para não a deixar numa situação de aflição numa disciplina. Não só não teve a delicadeza de agradecer como ainda foi mal educada. Uma pessoa às vezes tem de fazer um esforço muito sério para não dizer, 'sua parvalhona ou seu parvalhão', a alguns alunos em certas situações. É claro que não se pode porque isso não só não resolve o problema da falta de respeito dela como não a põe em situação de aprendizagem que é exactamente o que ela mais precisa, para além de que o resto da turma fica a ver o que eu faço e como resolvo o assunto e também esses estão numa situação de aprendizagem, de modo que respondi como devia responder. Mas isto incomoda e mais ainda ver que a rapariga não foi capaz de pedir desculpa. Enfim, este assunto não está encerrado como ela pensa porque em meu entender ela não aprendeu o que tinha de aprender com a situação da qual a livrei mas isso fica para outra altura. Temos tempo e eu tenho paciência. Na verdade, esta aula, apesar deste incidente no início, correu excelentemente e a turma esteve sempre a intervir. Já trabalhei este tema muitas vezes e sei a que é que os alunos são sensíveis e ao que reagem de modo mais positivo. Isto da aula ter corrido muito bem irritou um bocado a rapariga, quer dizer, nem eu ter-lhe ligado a importância que ela pensava que ia ter com a sua atitude, nem a turma ter valorizado a palermice dela. Às vezes é precisa muita paciência e alguma sabedoria feita de experiência de muitos anos para lidar com a palermice de muitos adolescentes...
Hoje, na 1ª aula estávamos divertidos porque os alunos gostam sempre de dar as falácias da argumentação. Põem-se logo a identificar as falácias que os pais e os professores cometem constantemente :)) e a propósito da falácia do apelo à piedade um aluno perguntou-me se eu dava dinheiro a pedintes e contou um episódio que aconteceu ao seu pai. Estávamos naquela conversa e diz-me uma aluna, 'a professora não acha um desperdício estar a dar aulas numa escola? É que a professora é bué sábia e podia ser uma líder ou uma advogada e ganhava imenso dinheiro'. Fartei-me de rir... 'bué sábia' lol Bem, expliquei-lhes que essa percepção de eu ser sábia tem a ver com a falta de conhecimentos deles e não com a minha suposta sabedoria e expliquei-lhes o modo como acredito na educação dos jovens como maneira de mudar positivamente as sociedades e como gosto do que faço e me sinto socialmente útil e acredito neles e etc.
Bem, fui para a aula a seguir um bocadinho no ar e desconcentrada e a aula correu mal... a certa altura diz-me um aluno, 'a professora hoje não parece a mesma e isto está a ser aborrecido..' Oops... é assim, uns alunos puxam-nos para cima e logo a seguir outros lembram-nos que se caminha com os pés no chão... gosto mais de ouvir os primeiros mas aprendo mais com os segundos.
Os alunos acharem, sabe-se lá porquê, que no último dia de aulas falamos das notas e vamos logo embora e, à conta desse pressuposto errado, aparecerem todos lampeiros sem material de trabalho, as meninas só com a malinha de mão, os rapazes de mãos a abanar, às vezes ainda com os phones da música como quem vai para o café... depois acontece eu não achar graça nenhuma, fazer a avaliação e depois ficarem a resolver exercícios até ao toque à saída a irem ao quadro e tudo. Temos pena... estamos no Natal mas eu não sou o Pai Natal.
Não sei porquê tenho a impressão de que isto não volta a acontecer.
Estou aqui a ver trabalhos. Vai ser o meu fim de semana. Este ano tenho 120 alunos espalhados por quatro turmas, três do 11º ano e uma do 12º ano. Os trabalhos do 11º ano são individuais - são ainda de um tema do 10º ano que no ano passado ficou por dar por ninguém me ter substituído quando fiquei doente.
Eu anoto os trabalhos todos. Para cada um digo o que esteve bem, quais as falhas principais, tanto no conteúdo como na forma. São trabalhos com um guião de orientação, com items obrigatórios e outros opcionais, tanto para a parte escrita como para a apresentação oral, como é o caso destes trabalhos de grupo do 12º ano.
Os trabalhos de grupo são menos -uma turma, 7 trabalhos- mas são mais trabalhosos de comentar por causa da apresentação oral onde cada elemento do grupo tem uma avaliação e comentários próprios. Estes do 11º ano consistem em uma apreciação estética e por isso têm que que ser individuais. Logo, 90 trabalhos para ver e comentar. Isto é uma trabalheira maluca que não sei se vou conseguir acabar este fim de semana. No 11º ano já fiz três avaliações e ainda falta uma. No 12º fiz uma e falta outra.
Esta semana uma pessoa perguntou-me se isto de fazer testes/avaliações resulta mesmo.
As avaliações são fundamentais em vários sentidos:
1. sem elas os alunos não sabem se estão a progredir nos conhecimentos nem como;
2. sem elas os alunos não sabem sequer se estão a adaptar-se àquele professor em particular e à sua maneira de trabalhar;
3. sem elas os alunos não sabem se têm erros ou vícios de forma na maneira como abordam/resolvem os problemas:
4. sem elas os alunos não sabem se são capazes, nem treinam, objectivar o conteúdo do seu pensamento;
5. com elas os alunos vão construindo uma imagem do seu próprio percurso intelectual e domínio de técnicas, o que é importante e motivador;
6. com apenas uma avaliação por período, um aluno que tenha um desaire num teste/trabalho não tem oportunidade de corrigir o percurso;
7. sem elas um professor não conhece os alunos. O número de alunos na turma e o tipo de interacção possível naquele tempo limitado não permitem conhecer os pontos fortes e fracos dos alunos. É nos trabalhos e testes que percebemos a sua maneira de pensar, estruturar ideias, resolver problemas, de dominar técnicas, quais os pontos fracos e fortes, os erros de forma, etc. Um professor que não conhece os alunos neste ponto de vista não os pode ajudar, seja a melhorar ou a corrigir.
8. sem elas um professor também não pode também corrigir-se a si próprio, perceber se está a chegar aos alunos e quais os seus próprios pontos fracos e fortes.
Quer dizer, as avaliações são fundamentais no processo educativo. No entanto, cada vez mais somos empurrados para não fazê-las dado a prioridade que é dada a poupar dinheiro e encher professores de turmas e as turmas de alunos.
É que as avaliações para terem proveito, dão imenso trabalho. Ora, se temos que dedicar-nos a burocracias e tarefas que nada acrescentam à vida dos alunos, não temos depois tempo para ver trabalhos, fichas e testes. No fim de um dia com 3 blocos de aulas que são 6 aulas, mais trabalho de DT, de apoios, de burocracias e outras cenas que o ME inventa para nos controlar, ninguém tem cabeça para ir corrigir testes ou trabalhos de modo que para continuarmos a fazer estas avaliações temos que sacrificar fins de semana uns atrás dos outros. Epá, mas desde quando isso pode ser uma obrigação...?
Há uma greve de professores a decorrer às actividades da componente não lectiva. Mais de 100 escolas, segundos os sindicatos, aderiram à greve. Nem os alunos nem ninguém deu por isso... isto é, essas tarefas são tão irrelevantes no que respeita ao benefício dos alunos que ninguém se apercebe que elas não estão a ser feitas... pois, são tarefas para nos controlarem, que não acrescentam um átomo à qualidade do ensino e só nos tiram tempo para o que importa.
Ainda esta semana um colega me dizia, 'tenho 5 turmas, tenho que reduzir a quantidade de avaliações que faço senão não faço mais nada na vida'. Há colegas que têm tantas turmas, todas cheias de alunos, que já só fazem uma avaliação por período. Depois há disciplinas no básico onde reduziram o horário semanal a um bloco de aulas de modo que têm pouquíssimas aulas e não têm muito tempo para fazer avaliações, sobretudo com turmas de 30 alunos. Esses colegas chegam a ter 10 turmas! Como é que é possível fazer um trabalho sério nestas condições?
E é claro que um professor, a não que seja um daqueles exemplares que se limita a dar o manual palavra por palavra, e usar os materiais de exercícios das editoras, precisa de tempo semanal para ler, estudar, pensar em como melhorar os materiais, as aulas, etc.
Mas o ME não quer saber dos alunos nem do ensino para nada. Só quer poupar dinheiro com os professores e com as escolas e depois apresentar resultados mágicos. No ano passado na minha escola, por decreto, ao gosto do secretário de Estado e do ministro, experimentou-se o projecto de nas turmas do 7º ano nenhum aluno reprovar. Parece que uma série de directores/escolas fizeram esse favor ao ministro. Aquele desejo de agradar mesmo prejudicando os alunos...
Os alunos, desde que fossem a uma percentagem de aulas, passavam, mesmo que tivessem zero a todas as actividades. Se eu tivesse filhos numa escola onde isso se fizesse tirava-os de lá a correr... enfim, os alunos passaram com 9 negativas e coisas assim.
A questão é: para quê fazer avaliações se os alunos sabem de antemão, naquela idade, que passam de qualquer modo mesmo que não estudem, não trabalhem e não se esforcem o mínimo, que é o que efectivamente fazem, a quase totalidade, nestas condições?
Esses alunos estão este ano no 8º ano e é o caos, claro, mas calculo que para o ano deixe de haver avaliações no 8º e depois no 9º e por aí fora até ao 12º e quem sabe, na faculdade também, pois que estão a seguir os passos errados que se deram nas escolas há uns anos e desembocaram nestes disparates. Cada vez mais os professores são empurrados para serem maus profissionais e profissionais desleixados pelas políticas educativas.
Para quê a educação escolar, se se limita a ser um entertenimento com algumas curiosidades? Que sociedade de auto-indulgentes estamos a criar? Eu recuso-me a ser uma má profissional. Tudo aquilo que não acrescenta um átomo à educação dos alunos e me retira tempo para o que importa, ou é uma obrigação escrita em letra de lei ou não faço ou faço lá para as calendas. Tudo aquilo que penso prejudicar os alunos, não faço. E aquilo que penso ser importante para a educação dos alunos faço. Mas cada vez o faço mais cansada e farta das pessoas que decidem as políticas educativas e sacrificam os alunos em troca de carreiras políticas e vaidades, sem conhecimentos mas cheios de si e das suas ambições.
Ontem, seis horas e meia de trabalho. Hoje já lá vão cinco. Acho que faltam outras cinco para deixar toda a semana que vem preparada que tenho tantas idas a hospitais, médicos, consultas e cenas dessas que não vou ter tempo para preparar seja o que for.
Acabei de ver os testes todos e a turma que vi em último lugar deixou-me bem disposta para o resto do trabalho - quatro negativas numa turma inteira e notas bastante boas. Não está nada mal. Ainda vamos no 1º período. O que tem piada é que esta turma, no ano passado, no 10º ano, foi a turma que me deu mais trabalho.
Há um certo aparente paradoxo no início do 10º ano de Filosofia.
Os alunos que vêm com melhores notas do básico, geralmente nas turmas do ramo Científico-Natural, vêm formatados a pensar que a aprendizagem da Língua ou de qualquer disciplina das Humanidades é inútil para a profissão que querem seguir.
Ninguém lhes explicou que sem conceitos não têm ferramentas para construir e trabalhar as ideias, que sem correcção lógica no modo como relacionam e trabalham os conceitos e as ideias produzem maus conhecimentos e que a vida não se esgota na dimensão profissional, há muitas outras dimensões essenciais à existência, ao bem estar mental e à felicidade.
Vêm habituados a que lhes ditem definições, fórmulas e respostas dogmáticas e fechadas aos problemas e sentem-se frustrados por uma pessoa lhes dar perguntas, perguntas e mais perguntas... e incertezas também. Alguns, revoltam-se, mesmo e arranjam grandes discussões connosco, o que é óptimo para desfazer todos esses preconceitos de senso comum :)
No entanto, assim que conseguimos abalar essas crenças dogmáticas infantis e pô-los a pensar, tornam-se os melhores alunos porque juntam a vontade de progredir a hábitos de trabalho sistematizado. Enfim, os que o têm claro. É nesse ponto que se encontra esta turma.
Uma das negativas é de uma aluna nova na turma. Não sei de onde vem nem o que lhe ensinaram mas num teste sobre a filosofia política de Rawls resolveu substituir o pensamento do autor pelas suas próprias opiniões sobre a justiça e injustiça da vida e da política, uma miúda de 16 anos que ainda agora chegou ao mundo... é evidente que só diz disparates num discurso contraditório e ignorante. Esta está no ponto em que os outros se encontravam no ano passado.
(é nisto que dá o discurso do ministro, do secretário de Estado e da equipa que fez as AE de Filosofia, que querem pôr os alunos a dar as suas opiniões sobre questões filosóficas, científicas e o que mais for, antes de terem conhecimentos - mas enfim, que sei eu... ainda ontem vi no FB um colega que dá aulas de Filosofia numa escola, como eu, apresentar-se como filósofo...lá está, sou eu que devo ser muito burra quando dou por mim a pensar, como o Karl Popper, que está tudo a marchar no passo errado...)
Seja como for, a turma já evoluiu tanto desde o ano passado que não vai ser fácil pô-la ao nível dos outros.
Em contrapartida, os alunos de Artes e de Humanidades não têm, no geral, rotinas de estudo e trabalho e pensam que a inspiração e o talento chegam e sobram para tudo. À conta disso, já tiveram grandes desaires e isso predispô-los a pensar na vida e nas suas possibilidades, o que os torna receptivos à Filosofia desde o início. No entanto, como lhes falta essa estrutura de organização de trabalho, a maioria são piores alunos na produção de trabalho com qualidade.
Enfim, vou fazer um intervalo para almoçar e ver as notícias do dia (rir um bocado) antes de me atirar aos trabalhos e à produção de uns materiais para as aulas.
Hoje uma aluna do 12º ano, no fim da aula veio falar comigo. Primeiro nem conseguia falar de tal modo gaguejava, depois lá conseguiu dizer que não vai apresentar o trabalho porque vai gaguejar imenso, com toda a gente a ver, ela não conhece a turma e depois eu desconto na nota... é claro que lhe disse que não desconto nada na nota mas tem que apresentar o trabalho. 'Não sou capaz, não sou capaz...' a garota num sofrimento tão grande que até se via na cara dela. Falei um bcadinho com ela, fiquei a saber que foi uma vez fazer terapia da fala e falar com um psicólogo mas como isso não funcionou nunca mais fez nada! Epá, já não estamos no início do século XX... como é que deixam os miúdos nesta situação até tão tarde só porque à primeira não resultou? Bem, ofereci-me para encontrar alguém que a ajude. 'Não há ninguém, ninguém me pode ajudar... ' Bem, expliquei-lhe algumas coisas e contei-lhe algumas situações para ela perceber que os problemas não são só dela e que podem ser ultrapassados. Consegui que acordasse em tentar apresentar o trabalho mas tenho um feeling que ela vai faltar à aula nesse dia só para não ter que lidar comigo, agora que viu que não a deixo, pura e simplesmente, fazer nada. Vamos ver. Uma pessoa quer muito ajudar mas isto não é fácil de resolver e nesta reforma toda da inclusão, sobra muita burocracia de inglês ver e o que falta mesmo são profissionais que ajudem porque nós, professores, por muita experiência que tenhamos a perceber e resolver problemas de adolescentes, sabemos quando os problemas requerem uma atenção especializada profissional que nos ultrapassa. Ela nem sequer acredita em ajuda... vamos ver se aparece no dia das apresentações de trabalhos e o que faz.
Hoje estava à conversa com colegas na sala de DTs e trocávamos informações sobre coisas cómicas dos alunos. Uma colega contava que na semana passada um aluno do 8º ano entrou na aula, foi direito a ela e disse, assim sem mais nem ontem 'o que é que a professora pensa do comunismo?' Outro do 7º ou 8º ano, estava professora de FQ a explicar o sistema heliocêntrico do Copérnico, volta-se para ela e diz, 'eu não concordo nada com isso e acho que esse Copérnico não tinha razão que isso não faz sentido nenhum' Ahah No ano passado mandei um aluno do 10º ano que estava lá atrás já desde a aula anterior numa conversa sem fim com a colega vir sentar-se à frente, depois de o ter avisado uma vez. Ele levanta-se com um ar de quem vai para o cadafalso e quando chegou ao pé de mim diz assim baixinho, 'professora, por favor, não me faça isto que isto é a minha morte social' Ahahah Oh! Meu Deus, não sei como me aguentei para não morrer a rir 🤣
Esta semana pus uma turma do 11º ano a gostar de Beethoven e Vivaldi :)) bem, um dos miúdos já gostava de música clássica mas os outros nem nunca tinham ouvido a não ser aqueles excertos muito conhecidos que aparecem em anúncios da TV e coisas assim. Agora pedem-me em todas as aulas para pôr música de fundo :) fun fun fun :)
Aquilo que mais dá prazer aos alunos é fazer as coisas bem. A satisfação de verem e saberem ter cumprido bem uma tarefa. Sobretudo se a tarefa tem algum grau de dificuldade e/ou se o professor é exigente. Muito mais do que fazer coisas 'giras' ou divertidas, a cara deles ilumina-se quando percebem, pela nossa reacção ou palavras, que o que fizeram foi bem pensado e bem feito. Quando isso acontece, o resto da aula, para eles, é jóia, como dizem os brasileiros. Fazem tudo, podemos até dar-lhes uma actividade francamente aborrecida que eles fazem-na com ar de satisfação, tal não é a inércia que a consciência e o sentimento gerados por uma tarefa bem feita projecta no tempo. Isto é o que observo.
Vou começar o 11º ano com a Estética, matéria do 10º que ficou por dar. Como para mim não faz sentido dar a Estética como uma rúbrica desligada da própria experiência de abrir horizontes e ser capaz de emoção estética em domínios deles desconhecidos, o meu objectivo é que avancem no tema como quem avança num caminho novo de descoberta e transformação emotiva. O que quero dizer é que não considero o meu objectivo cumprido se no fim desta abordagem os miúdos não forem capazes de emocionar-se por uma obra ou uma área estética estranha -para eles- e se não forem capazes de fazer uma apreciação de uma obra em termos objectivos que ultrapasse as vulgaridades do senso comum. Então, resolvi fazer uma experiência: sabendo eu que o único contacto deles com a arte é, na maioria dos casos, a música e, que a experiência deles da música é muito limitada às coisas que ouvem na rádio e nos programas de música da TV, resolvi pôr os miúdos a gostar de Bach e/ou de Handel. Quem sabe se um ou outro aproveita essa porta para viajar por outros caminhos da imaginação e do pensamento. E vamos lá ver se sou capaz...
Se calhar era melhor trocar o Handel pelo Mozart... toda a gente gosta do Mozart... mas o Handel é tão alegre...
Os meus alunos da turma do 11º ano andam a dizer que têm saudades minhas, disse-me um colega que também dá aulas à turma. Também eu tenho saudades deles. Tinha preparado uma abordagem especial da última matéria porque queria que eles ficassem com uma experiência completa, com sentido de conclusão de curso mas, ao mesmo tempo, de abertura para a vida no fim destes dois anos. Esta foi uma turma com quem criei laços porque engraçámos uns com os outros logo desde a primeira aula. Isto também custa... não poder despedir-me dos miúdos... não sei se eles estão lá para o ano ou se estou eu... tenho saudades deles.
Os meus alunos do 10º ano pedem-me documentos para estudar autonomamente a matéria que está por dar o que é bom sinal. Hoje consegui fazer documentos e enviar. É uma maneira de me entreter e não pensar em outras coisas que me stressam.
Para a turma do 11º ano não consigo fazer isso... tinha que escrever resmas de apontamentos porque uma coisa é levarmos os textos dos autores e trabalharmos as ideias com eles outra é enviá-los sem comentários. Não iam perceber nada. Talvez do Popper ainda percebessem alguma coisa mas do Thomas Kuhn népias... Os manuais não são bons a explicar, não contextualizam nada...
Estava aqui a pensar que era mais fácil gravar um vídeo a explicar o básico mas isso cansa-me muito. Cansava-me menos fazer duas ou três sessões curtas através do zoom, por exemplo, com os que vão a exame, pelo menos. Não sei se isso é possível ou sequer legal...
Hoje a turma do 10º ano passou-me um tpc. Perguntaram-me que séries via - disse-lhes que a última tinha sido Mozart in the Jungle. Assim que souberam que é passada numa orquestra desinteressaram-se logo, declararam que não sei escolher séries cool e entenderam que preciso de guia para ver séries de jeito. Então, mandaram-me ver uma série chamada, 'La Casa de Papel' e, porque querem discuti-la comigo, deram-me um prazo de dez dias (depois de negociarmos) para aparecer na aula com a primeira temporada vista.
Um ex-aluno que se tornou um querido amigo está mesmo a acabar a licenciatura em matemática e acabou de dizer-me que já se decidiu por seguir matemáticas puras porque é o que gosta e não quer mentir e atraiçoar-se a si mesmo só por questões de pragmatismo, isto é, de ganhar mais e imediatamente dinheiro na matemática aplicada, o que seria muito fácil porque tem várias propostas de emprego já neste momento. É uma enorme felicidade vê-lo construir o caminho dele com integridade e valor. Faz cinco anos que o conheci, no 11º ano dele. Foi meu aluno um ano só mas foi o que bastou. Pessoas raras :)
Anima imenso ver os miúdos crescerem e construirem positivamente o seu caminho e é gratificante acompanhar uma época emocionante da vida deles.
Hoje mesmo, tive uma turma do 10º ano a discutir trabalhos, não comigo mas uns com os outros, em equipas opostas, sobre temas actuais no âmbito dos valores e escolhas éticas. Temas que estão a ser discutidos na sociedade e na AR, como a eutanásia e os direitos de adopção dos casais homoparentais, etc. Andaram três semanas a preparar-se para esta discussão e a maioria preparou-se a muito a sério. Nada de parvoíces como são os debates apalermados e demagogos que se vêm na TV. Têm que saber enquadrar os argumentos nos fundamentos filosóficos que estivemos a dar nas aulas.
Era preciso vê-los, muito compenetrados a discutir os temas, com a linguagem apropriada, e dados e factos a apoiar os argumentos, uns com os outros, como se as leis dependessem da discussão que estava ali a fazer-se. Arrumaram a sala como se fosse um pequenino hemiciclo. Anima muito ver estas coisas. É claro que, infelizmente, muitos saem da escola e perdem-se das intenções e desta capacidade de verdade que tinham mas... não todos, não todos 🙂
Tenho muita sorte de ter com frequência alunos que são pessoas genuínas, interessantes e de valor; mais sorte ainda de ter entre eles alguns grandes amigos.
Com piada é uma mãe estar preocupada com a filha e vir dizer-nos que a filha está uma rebelde, que ninguém a controla em casa, que amua e responde mal e, quando lhe dizemos que a filha, na escola, é a representante de turma, tem um comportamento responsável exemplar, é louvada por todos os professores por ser incansável a ajudar os colegas, alguns com necessidades especiais, fica espantada e diz que não acredita e que devemos estar todos a ser enganados por ela. E nós dizemos que não, que ela é mesmo assim na escola e a mãe fica de boca aberta e diz que não pode ser. Lol, isto costuma ser ao contrário, os pais a dizerem que eles são anjinhos inocentes e nós a dizer que não... lol
Coisas sem piada nenhuma é haver alunos que vivem diariamente em ambientes relacionais familiares de extrema degradação. O que espanta é que ainda tenham um mínimo de civilidade e sanidade mental. Situações impressionantes, mesmo quando já ouvimos muita coisa horrível. E os pais, às vezes, estão tão sozinhos a lidar com tudo que vêm à escola só para desabafar e ter alguém que os ouça.
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