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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Dédalo e Ícaro
Os gregos antigos eram um povo muito inteligente (se é que podemos estender a todo um conjunto uma categoria individual) na maneira como regravam a sociedade nos seus costumes a partir dos deuses. Os deuses tinham personalidades muitos humanas, com virtudes e defeitos humanos. Eram capazes de ódio e vingança e lúxúria e amor. Por serem constituídos dessa forma a religião grega não era dogmática e os deuses podiam servir de exemplo e inspiração ao homem, explicando e guiando, não apenas o seu lado sapiens mas também o seu lado demens. Este lado demens não era visto como 'demónio' do mal à maneira das religiões cristãs mas como repositório das forças impulsivas, instintivas e criadoras que não se submetem ao quadriculado da racionalidade. Por isso toda a arte tem algo de irracionalidade. Depois, em vez de reprimirem estas forças que por vezes se objectivam negativamente no mundo, em forma de violência, regravam-nas. Uns tantos dias do ano, em determinadas festas, podiam as pessoas encarnar qualquer personagem que vivesse no fundo de si mesmas e entregar-se a todo o tipo de excessos. Porque os excessos eram assim autorizados, eram vividos simbolicamente nessas representações e folias desregradas que funcionavam como escapes catárticos dos impulsos mais demens. Em seguida, tudo voltava à normalidade racional. A tensão instintiva em frequência baixa, os monstros interiores apaziguados e mansos depois das erupções vulcânicas dos excessos.
Hoje não sabemos regrar. Só reprimir ou permitir, em extremos.
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