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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Os resultados dos exames da 2ª fase de exames foram, em geral, baixos. A 'filosofia' que domina a realização e correção dos exames fará com que os resultados sejam cada vez piores, mesmo que as provas não sejam difíceis.
Pretendeu-se, com os exames, anular toda e qualquer possibilidade de subjectividade nas correcções de modo a garantir que os alunos concorram exactamente nas mesmas condições aos lugares das universidades. Este é o princípio que orienta a realização e correcção de exames.
Este princípio conduz a vários erros dos quais destaco apenas alguns:
1º erro - em vez de os exames serem um instrumento do ensino e da aprendizagem, é o ensino e a aprendizagem que se tornam instrumentos dos exames; quer dizer, cada vez mais todo o ensino está orientado para a realização de exames: os professores, em vez de ensinarem os conteúdos e desenvolverem as potencialidades/capacidades/competências dos alunos, têm que ser gestores de estratégias para a passagem dos exames.
Quanto mais andamos para cima no grau de escolaridade, mais isto se vê devido à complexidade das matérias.
Isto acontece em todas as disciplinas embora se note ainda mais em disciplinas onde as matérias são menos doutrinárias ou dogmáticas, pois nas disciplinas muito dogmáticas como a Matemática existe a noção que, de qualquer modo, o ensino e a aprendizagem são já, por si mesmos, muito uniformes.
Em disciplinas como o Português ou a Filosofia, isto nota-se muito mais. Aos poucos os professores tornaram-se repetidores que estreitam as aulas de modo a caberem no tipo de questões que saem no exame, o modo como essas questões são feitas e a maneira priviligiada pelas correcções. É assim que:
2º erro: os exames, para darem conta da diversidade de pedagogias e didácticas, ou seja, para anular ao máximo a diversidade entre modos de ensinar e de aprender, foram modificados até tornarem-se ou doutrinários, como o de Filosofia ou, aberrantes como o de Português. No exame de Filosofia, para além de vários grupos com questões de escolha múltipla (muito ao gosto da tendência analítica americana...), há questões do género, 'Diga dois argumentos a favor do determinismo e um contra'. Tudo descontextualidado da problemática onde estas questões se inserem, de modo que, para serem treinados nestas respostas, implicitamente é necessário que descurem a reflexão totalizadora que é própria da Filosofia.
No exame de Português, as questões de interpretação são orientadas ao ponto de se dizer ao aluno qual a linha onde se deve ir buscar a resposta, só faltando dizer que é a palavra a seguir à segunda e mesmo antes da quarta...
É assim que se 'garante' que todos respondem a mesma coisa. É sacrificando a inteligência do ensino e da aprendizagem. Repare-se que os testes de exame não são difíceis, não, mas também não permitem diversidade e riqueza e, um aluno pode ser muito bom e saber muito mas, se não foi amestrado para acertar naquela palavra ou frase que o exame requer, pode até ter má nota.
Isto é tão assim que se inventaram os testes intermédios para medir se os repetidores (os professores) estão todos a repetir as mesmas instruções, ao mesmo tempo e da mesma maneira em todas as escolas, muito acertadamente, apelidadas de 'unidades de gestão'...
3º erro: esta subalternização do ensino e da aprendizagem à realização de exames vai conduzir, necessariamente (já o está a fazer) a uma uniformização redutora e empobrecedora da educação que contraria os seus princípios orientadores expostos na Constituição.
Nas escolas, todos os processos tendem a uniformizar-se desde as pedagogias aos critérios e ponderação de critérios de avaliação, a pretexto de tudo ter de ser decidido, em função do treino dos alunos para exame, pois disso depende a nota da escola e o seu financiamento.
É certo que esta uniformização e empobrecimento inscrevem-se, penso, num movimento global que tem a ver com a sociedade estar já sob o domínio da inteligência artificial e dos processos matemático-estatísticos extremamente redutores. Programas informáticos aconselham (podem aconselhar um percurso num mapa, um artigo a ler, uma compra a fazer), organizam-nos (como cidadãos, contribuintes, trabalhadores) e uniformizam-nos (como exemplo extremo, na China todas as pessoas que tenham, nos nomes e apelidos, caracteres não reconhecíveis por computador, são obrigados a mudar os nomes usando uma lista oficial fornecida para esses casos).
Por cá, as correcções de testes são feitas introduzindo números em tabelas segundo regras definidas de intervalos iguais para todos os correctores de maneira a impossibilitar a que o professor use a sua experiência de educador e avaliador para destacar uma resposta brilhante, um aluno de recursos superiores.
As coisas são feitas com algoritmos de modo a poderem ser tratadas por programas informáticos. Ou seja, em última análise o ensino e a aprendizagem devem modelar-se a exames que por sua vez são modelados por programas informáticos.
A uniformização do ensino é o seu empobrecimento: um ensino onde a excelência está do lado do repetidor que macaqueia na perfeição o tipo de perguntas e respostas habituais nos exames (conheço até quem diga explicitamente aos alunos que têm que responder nos testes com frases decoradas do manual pois é assim que terão que responder nos exames!). Como a maioria dos professores não estão dispostos a transformarem-se em meros repetidores -felizmente-, quanto mais os exames se afastam da dinâmica das disciplinas (e é essa a tendência) piores as notas.
(Isto é um bocadinho como o que se passa na ginástica nos Jogos Olímpicos, onde dantes havia uma nota para o virtuosismo dos atletas e deixou de haver com o argumento de que isso introduzia subjectividade nas avaliações. A consequência é que as prestações tornaram-se todas mais ou menos iguais, apenas diferenciadas pelo maior ou menor rigor técnico. Grande parte do fascínio que alguns exercícios tinham, perdeu-se, pois ser genial pode dar origem a uma pior nota...)
4º erro: numa decisão completamente absurda mas que se compreende nesta filosofia de uniformização artificial, transformou-se a correcção de exames numa especialidade. Escolhem-se meia dúzia de professores para se endoutrinar nesta 'filosofia' de correcção técnica e assim se assegura que praticamente todos os professores se conformem àquelas correcções. Quanto menos correctores existirem melhor se controla o processo de serem todos iguais...
Ora, isto tem como consequência um divórcio da maioria dos professores relativamente à correcção de exames, o que aprofunda a clivagem entre, ensino e aprendizagem em contexto de aula e, o treino para exames. Explicando: quando todos os professores eram correctores, estavam por dentro das correcções de exame, do tipo de erros que geralmente os alunos cometiam, dos critérios que valorizam uma resposta, etc., estavam, por isso mesmo, sensibilizados, naturalmente, para o processo dos exames. Agora que os correctores são meia dúzia, isso passa um bocado ao lado dos outros que vão divorciando-se desse processo todo e não treinam os alunos convenientemente para este tipo de exames.
Gostava de saber se, desde que este tipo de exames e correções foram introduzidos não se assistiu a uma tendência para que os melhores resultados sejam os dos alunos dos professores que usualmente corrigem exames...
Este são só alguns dos erros que, em minha opinião -a opinião de quem dá aulas há vinte e quatro anos, tendo realizado e corrigido milhares de provas e exames- fazem com que os resultados não tenham tendência para melhorar e o ensino em geral esteja numa rota de empobrecimento generalizado, independentemente dos alunos e dos professores poderem até ser excelentes.
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