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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Os alunos dantes (estou a generalizar, claro) iam à escola e às aulas para aprender e para evoluir enquanto pessoas. Eram estudantes; agora vão à escola e às aulas para terem uma experiência emocional positiva. São clientes. Tal como dantes se fazia uma viagem para conhecer novas culturas, para confrontar as nossas crenças e hábitos e agora se fazem viagens para ter experiências positivas que deixem memórias agradáveis e fotos com ar de sucesso e felicidade.
Como qualquer cliente, os alunos não estão para fazer uma viagem e no fim a experiência não lhes deixar memórias agradáveis. Daí os bailes de finalistas, nas escolas, as festas de caloiros e as galas, nas universidades. Os alunos esperam de nós que compareçamos a esses bailes, à laia de treinadores em final de época, a fazer o seu elogio apoteótico para dar um final feliz à 'experiência da escola' e os deixar emocionalmente reconfortados consigo mesmos.
Os meus alunos das minhas DTs ficaram um bocado chateados comigo por eu não ir ao baile de finalistas. Disse-lhes que não vou a essas coisas, que aquilo é uma festa deles e não da escola. Mas eles queriam que eu fosse e fizesse um discurso [inflamado] de elogio a dizer que gosto deles... eu disse-lhes que eles sabem muito bem que gosto deles e que não é preciso ir a um baile fazer discursos para isso. Ahh... mas é que eles queriam que eu o dissesse em público, numa espécie de final feliz à filme americano. Lá está, a escola vale menos por ser um lugar de apendizagem e mais por ser um lugar de experiências emocionais positivas. Um lugar onde os clientes vão para se sentirem bem com eles e com a vida e, acima de tudo, sentirem-se pessoas de sucesso.
Não quer isto dizer que uma pessoa despreze a importância da escola dever ser um lugar de espírito positivo e não negativo, mas isso é diferente da escola ter algum dever de corresponder aos desejos dos alunos de serem groomed como clientes num cruzeiro. Nem a escola é uma viagem de recreio, nem o professor é um director de cruzeiro. Se a primazia da experiência escolar é o conforto emocional, ela não fará o seu papel de formar pessoas críticas pois para isso é preciso desafiar, desassossegar e até incomodar, o que, naturalmente, dá origem a desconforto emocional e a periódicas sensações de desajustamento, insucesso e dificuldade.
[Já hoje mesmo, pelo menos na disciplina de Filosofia, a maioria dos manuais deixou de trazer os textos dos filósofos, talvez por serem exigentes, obrigarem ao esforço e ao desconforto e 'estragarem' a experiência do cruzeiro. São sebentas dogmáticas. Os próprios professores são tratados, nesses manuais, como pessoas menores, incapazes de fazer o seu trabalho. Já trazem todos os materiais, fichas de trabalho, que filmes se devem ver e o que dizer em cada um deles, alguns chegam ao ponto de trazer à margem, falas para o professor reproduzir quando tem que explicar este ou aquele conceito, como se não fosse o nosso trabalho, justamente, pesquisar, estudar, fazer fichas, pensar em como explicar esta ou aquela ideia... isto acontece porquê? Ahh... porque não se quer incomodar o professor com essa coisa de preparar aulas -que nem sequer são a parte mais importante do cruzeiro- porque ele precisa é de gastar tempo a cumprir burocracias jurídicas não-pedagógicas: trabalhar para os papéis.]
Não é de espantar que hoje em dia tantos alunos e pais passem a responsabilidade do seu comportamento para o professor e tantos se queixem da escola e dos professores: é que vêem-se a si mesmos como clientes com direito a tratamento VIP em cruzeiro de recreio que lhes proporcione uma boas selfies com os amigos para memória futura.
Esta visão da escola e da educação, que não é apanágio da sociedade portuguesa, deriva da ausência de um pensamento sério sobre o que é a educação e da sua submissão a critérios culturais [a cultura mainstream é o que se sabe: casas de segredos, novelas e reality shows] e economicistas, de modo que em vez de se imprimir certas dinâmicas na educação deixa-se que ande à deriva das forças que dominam as sociedades. Daí a decadência em que se encontra o ensino, a espelhar a decadência da sociedade, não só nas escolas, mas também nas universidades, sendo que estas foram, e são, cúmplices, desta transformação das escolas e dos alunos.
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