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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Li este artigo acerca da indústria do carvão na Alemanha que chegou a empregar 607.000 trabalhadores e fechou as portas no ano passado sem despedir ninguém. Porquê e como? Isso é que é interessante. Nos anos 50 a Alemanha estava tão determinada a tornar-se uma força para o bem que desenvolveu uma forma distinta de capitalismo, chamado o capitalismo renano, marcado pela aversão ao conflito. Isto significa que os sindicatos trabalham com as direcções das empresas e participam, são consultados, nas grandes decisões de negócios. [chamam a isso, a este tipo de gestão, "Mitbestimmung" - sistema consensual que permite aos trabalhadores terem um papel activo nas decisões de gestão das empresas e que lhes permite ter lugares no conselho fiscal]. Quer dizer, os alemães preferem o consenso e não deixam as situações chegar a conflitos.
É claro que isto implica levar em conta os interesses dos trabalhadores e não vê-los apenas como números que potenciam lucros, mas como pessoas, com direitos.
Isto é um exemplo muito interessante que podia ser seguido por governos: em vez de construirem estradas de abuso de poder, sonegação de direitos, ódio, de mau-trato, de depreciação e, consequentemente, conflito, construírem estradas de consenso.
Em Portugal, os últimos governos construiram o seu poder sobre conflitos que os próprios governos iniciaram contra classes inteiras de trabalhadores. Como é sabido até houve ministros que se gabaram de terem destruído irreversivelmente as relações com os trabalhadores, 'perdi os professores mas ganhei os pais'. Mas quem é que pode pensar que a educação ou a saúde ou outra actividade ganha quando se perdem por hostilidade, os seus profissionais?
Calculo que as estratégias de hostilizar trabalhadores sejam a pensar na boa produtividade: é evidente que trabalhadores vitímas de abusos, calúnias, injustiças e atiçados uns contra os outros permanentemente em conflito têm maior produtividade e são um sintoma de uma democracia robusta que se quer melhorar a si mesma...
... são o cerne da democracia. A conflitualidade baseada no confronto de ideias é própria da democracia. A alternativa, a discussão, a crítica, o conflito, são o cerne da democracia e, onde não existem, não há democracia; onde não há democracia e o discurso é unidimensional, perdemos todos, tornamos a democracia medíocre, um mero simulacro, uma formalidade sem vida. As escolas estão assim... e a Europa dos governantes, que não é a mesma que a Europa dos povos, também está assim...
Quanto a este assunto é ver para crer. E ficar apreensiva com as soluções alternativas se vierem de economistas, gestores e afins que estão convencidos que tudo se reduz a competição e dinheiro. É claro que se fica contente por esta espécie de aborto desaparecer de vez.
Ontem estava a dar uma matéria sobre a cooperação e o conflito e enquanto analisava com os alunos a experiência clássica do Muzafer Sherif pensava para mim: foi isto exactamente que a outra e o Sócrates fizeram aos professores: dividiram-nos em dois grupos, criaram tarefas de competição entre os grupos, previligiaram ostensivamente um dos grupos viciando o jogo (no caso dos professores foram mais longe e deram a um dos grupos poder sobre o outro) e depois viram os grupos hostilizaram-se mutuamente de tal modo que já não conseguiam fazer nada em conjunto.
Depois perguntei aos alunos por que razão os grupos se viraram uns contra os outros em vez de se virarem contra os chefes que instituiram as injustiças. Uma aluna disse imediatamente, 'Ressentimento, porque o grupo prejudicado não aceita que o outro grupo, em vez de ser solidário consigo, aceite ser previligiado e não se importe de ver os colegas serem alvo de injustiças'...nem mais...foi isso mesmo que aconteceu...
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