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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Listas de colocação foram conhecidas esta sexta-feira, cerca de um mês antes do início do ano letivo.
O que eu lamento é que para o interior, nomeadamente para o agrupamento de Cinfães, de que sou director, não haja gente a querer vir. Das 25 pessoas que pediram para sair por motivos de saúde só uma não viu o pedido deferido, e foi por questões formais. Todos os outros foram embora”, comentou Manuel Pereira.
Só em quatro agrupamentos do distrito de Bragança já foram colocados por esse motivo 260 professores. E aos estabelecimentos de ensino da cidade de Coimbra chegou cerca de uma centena...
Se o governo não tivesse dado cabo da rede de cuidados de saúde e não tivesse desertificado o interior isto não acontecia. Quem tem um familiar doente não pode ficar colocado longe de um centro urbano com cuidados médicos. Famílias com filhos pequenos têm medo. No ano passado uma colega pertencente a um quadro de uma escola no alentejo profundo, como se diz, destacada na minha escola, dizia-me que tinha medo de ir ficar na sua escola de origem: é que, para além de ficar longíssimo de casa e não poder suportar duas casas (os professores ao contrário de médicos, juízes, políticos e afins, não têm nenhum subsídio de deslocação ou recompensa [é o grande lobby corportativo a funcionar]), o pior era o filho pequeno, que às vezes tem graves crises de asma e alergias, sendo que o centro médico mais próximo fica a dezenas de quilómetros de estradas alentejanas. Disse-me que uma vez teve recorrer ao veterinário da zona...
As políticas de cortes a eito têm estes efeitos. Mas os governos, como se sabe, não são conhecidos por saberem pensar... Quem é que quer ir dar aulas para o interior completamente desertificado de serviços, de interesses, de vida, de acesso a um médico, a um enfermeiro, etc.?
Céu Bastos mudou-se com a filha de Bragança para Constância, no distrito de Santarém. Agora, foi informada da revogação do contrato e foi colocada no Algarve.
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Com o essencial para a mudança no carro, Céu Bastos andou dois dias à procura de escola para a filha (o Agrupamento de Constância não tem 11.º ano) e de casa para arrendar, acabando por encontrar ambas em Abrantes (a 15 quilómetros). No dia 15 de Setembro apresentou-se no Agrupamento de Escolas de Constância, onde começou a trabalhar com os alunos e as professoras titulares.
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Na sexta-feira, às 17h17, recebeu um email informando-a da desvinculação da colocação em Constância e do lugar disponível em Vila Real de Santo António, a que se seguiu outro, perto das 19h00, com a opção de Portimão, tendo de decidir, até segunda-feira, qual dos dois aceita. "Sinto-me revoltada. Arrastar a minha filha nisto é angustiante. A mudança já foi complicada. Ela está no 11.º ano, essencial para a média de entrada na Universidade, tem testes marcados. Agora é obrigada a ir para Vila Real de Santo António, no outro extremo do país", disse Céu Bastos, sublinhando não ter palavras para descrever a situação em que se encontra.
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Ao "terramoto" em que foram transformadas as suas vidas junta-se a questão financeira, já que, por ter sido colocada a 12, só terá o seu primeiro salário a 23 de Outubro, tendo que acrescentar novas despesas às que entretanto foi forçada a assumir. "Mais que a despesa económica, que nos obriga a viver momentos muito maus que nos levam a chegar ao fim do mês não com a conta a zeros mas a negativo, é a parte emocional. É desumano", desabafou, lamentando que quem está nos gabinetes "não faça ideia do que se passa no terreno".
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"Ter andado dois dias com o carro cheio, a dormir em residenciais, a procurar escola para a minha filha e casa para alugar, primeiro em Vila Nova da Barquinha, depois no Entroncamento e finalmente em Abrantes. Quando finalmente estávamos estáveis, a morar perto da escola dela, este mail foi surreal. É desumano". A situação de Céu Bastos e da filha é para a presidente da Câmara Municipal de Constância, Júlia Amorim, "indescritível" e "revoltante" e para a directora do Agrupamento de Escolas de Constância, Anabela Gracio, "inacreditável", com a agravante de o Ministério não querer assumir o ónus da anulação, colocando-o nos directores.
Quantos mais não haverá por aí em situação idêntica? E o MEC quer saber disso para alguma coisa?
Esta semana chegaram à minha escola uma quantidade de professores novos. Acho que já não há lá alunos sem professores. Mas, estamos em Outubro. Já lá deviam estar há um mês. Li que vão pôr mais professores nos quadros. Só vendo acredito...
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