Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Doentes devem poder optar pelo medicamento que compram na presença do farmacêutico, não do médico.
As actuais receitas médicas vão ter que ser alteradas a partir de 1 de Novembro, depois de a Ordem dos Farmacêuticos (OF) ter questionado o modelo em vigor, por obrigar os doentes que pretendem exercer direito de opção sobre os medicamentos que compram na farmácia a pronunciar-se no momento da consulta, na presença do médico.
Há, justifica, uma “assimetria da relação médico/doente”. A OF defendeu, desde o início, que a “inquirição ao doente, por parte do médico, vem limitar a liberdade” do exercício do direito de opção, que deve ter lugar “perante o farmacêutico, no momento da dispensa”.
Não estou por dentro dos meandros desta guerra de modo que torna-se difícil perceber o que está em causa para lá das aparências do que é dito nos jornais que, como bem sei a propósito dos temas da educação, vão da verdade até à fábula mais elaborada. No entanto, se as decisões têm sido tomadas com os argumentos que são adiantados nesta notícia, acho esta alteração incompreensível.
Falo por mim. Gosto dos meus médicos/as, tenho confiança neles. Quando não tenho mudo (que eu saiba no SNS a pessoa também pode escolher o médico). Em todos os casos em que me passam receitas, optam sempre pelos medicamentos mais baratos e explicam-me os princípios activos dos medicamentos. Se tenho dúvidas, pergunto. Confio muito mais nos médicos que me conhecem medicamente do que no farmacêutico, embora o conheça e, ele a mim, há uma vintena de anos.
O argumento de as pessoas não terem liberdade de fazer perguntas ao médico ou pedir um medicamento mais barato é duplamente ofensivo: em primeiro lugar, dá a entender que todos os médicos são vigaristas que passam medicamentos caros para lucrarem alguma coisa com isso - ora, nem acredito que a maioria dos médicos sejam vigaristas e, mesmo que o fossem, o mesmo argumento se pode, então, aplicar aos farmacêuticos, que serão tão permeáveis ao suborno como os médicos, de modo que seria apenas uma questão de tempo até os laboratórios começarem a cativar farmacêuticos em vez de médicos... em segundo lugar, o argumento da assimetria entre médico-doente dá a entender que o médico não se vê a si próprio como um profissional mas como uma entidade superior, que não deve explicações a ninguém, o que é extremamente ofensivo, isto é, pensar que os médicos são todos assim tão estúpidos e perigosos...
Isto para mim é o mesmo que um aluno vir ter comigo e pedir-me um livro de exercícios que seja bom para o seu caso de estudo. E indico-lhe um, dois ou três adequados para o caso dele. Depois, ele vai à livraria para comprar e o livreiro diz-lhe, 'Não senhor, há aqui um muito mais barato e vende-lhe esse...'
Pessoas que se gabam de ser capazes de fazer grandes maldades, de serem cruéis, de serem capazes de magoar e destruir outros. Não percebo. Por vezes usam o argumento, 'eu sou assim, é a minha maneira de ser'... tipo, se és um porco idiota... tipo... mudas?! Valoriza-se muito a autenticidade mas, só interessa ser autêntico se se for alguma coisa positiva e de valor, pois de contrário, que nos interessa a nós que um idiota seja autêntico? Será um autêntico idiota! Que nos interessa que um assassino seja autêntico? Uma pessoa não burra que se percebe como sendo um idiota ou um porco idiota, apressa-se a mudar ou, se não tem força e valor para mudar, ao menos fica calado e tenta passar despercebido em vez de dar nas vistas a gabar-se da sua impotência, não?
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.