Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Outro dia li no jornal que agora já não é no básico mas no secundário que se chumba mais. Pudera... no básico tornou-se, na prática e, em alguns casos na lei, proibido chumbar, de modo que os alunos chegam ao secundário num estado tão primário que não conseguem ultrapassar nenhum obstáculo. O governo há-de mandar passar todos no secundário e depois, evidentemente, hão-de voltar-se para as universidades e exigir que passem todos também e assim teremos no futuro pessoas muito qualificadas para fazer nada e não trabalhar que foi o que aprenderam com muitos anos de prática na escola.
Como me dizia uma aluna, outro dia, 'porque é que a professora complica tudo com peguntas? Porque é que não simplifica e assim é mais fácil estudar'.
Vou contar um episódio de há duas semanas: entrei com a turma do 12º ano na sala x para a aula do meio-dia. Assim que entramos, duas alunas que se sentam à frente, dizem, 'que nojo! Professora, venha cá ver o que está aqui em cima da mesa e no chão. Unhas dos pés!' Lá me enchi de coragem para ir olhar nojices, pus os óculos e fui ver. A mesa da frente e o chão estavam cheios de unhas de pés. A turma toda foi ver. Disse a uma das garotas para ir chamar a funcionária do bloco, porque temos instruções para avisar a funcionária de serviço quando as salas estão sujas ou com algo estragado, para poder-se saber quem foi a turma responsável. Entretanto fui à entrada da sala ver no horário de ocupação da sala, que está afixado à porta, quem era a turma e as disciplinas que tinham estado na sala nesse dia. É uma turma do básico. Bem, veio a dona H. com uma vassoura e uma pá e varreu aquilo e limpou. Aproveitei para perguntar-lhe se tinha visto quem era a turma que ali esteve, ela confirmou ser a turma x e acrescentou, 'a professora não tem ideia do que são os dessa turma'.
Quando saí da aula fui ver, na sala de professores, quem era a DT dessa turma. No dia seguinte fui ter com ela e contei-lhe o episódio para ter conhecimento e poder tomar medidas. Ela não ficou surpreendida. A turma, disse-me, já leva várias participações disciplinares, repreensões registadas e ninguém os aguenta. Tem uns dez alunos que dominam a turma e não deixam os outros trabalhar. Passam as aulas a fazer barulho, falam com os professores com palavrões.
A turma tem lá alunos interessados mas têm medo destes e não se consegue trabalhar porque toda a aula é passada a gerir estes indivíduos. Isto não admira assim tanto. Quando lemos os comentários nas notícias dos jornais, são todos nestes termos muito ordinários. Ora, esses que comentam assim dessa maneira, são encarregados de educação de alguém. Ainda outro dia, aqui no blog uma pessoa anónima me deixou um comentário todo neste teor extremamente ordinário que fez-me lembrar a minha colega a contar como os alunos daquela turma falam aos professores. Portanto, se os pais falam assim e têm esta atitude perante os professores, não é de admirar que os filhos os imitem e façam o mesmo.
A questão é: estes alunos cujos pais têm este nível, são aos milhares e nenhuma aula de apoio, explicação, medida de recuperação de aprendizagem alguma vez funcionará com eles porque o problema deles não é falta de compreensão ou, como defendia, obscenamene, um artigo de jornal recente, a violênca contra professores dá-se porque estes são velhos e os alunos acham as aulas uma seca. Não, o problema destes alunos é a educação que trazem de casa e para a qual regressam a meio do dia ou ao fim do dia.
Os PIAs (processo individual do aluno) estão cheios de documentos reveladores. Nós vemos em muitos deles que os pais nunca ajudaram os filhos a fazer um trabalho de casa ou que nunca foram à escola saber deles, durante todos os anos do básico, desde que entraram para a escola.
Não digo que estes alunos não possam, daqui a uns 10 anos, quando não tiverem 15 mas 25 anos e estiverem num emprego qualquer a ganhar miseravelmente (embora me pareça que nesses casos culpem os professores por não os terem transformado magicamente, como se nós tivéssemos uma varinha mágica que os transforma de pessoas agressivas e com desprezo pelo conhecimento em pessoas corteses e ávidas de conhecimentos), perceber que deviam ter aproveitado a oportunidade da escola mas neste momento, nenhuma explicação ou aula de apoio lhes corrige o comportamento sem o qual nenhuma aprendizagem é possível. E nestes casos nenhum professor, com mais ou menos estratégias os modifica por milagre.
A única coisa que pode fazer-se é responsabilizá-los pelos seus comportamentos mas, para isso, seria preciso que o ME apoiasse os professores nas questões de disciplina, o que não faz; pelo contrário, o seu discuso é de vitimização destes alunos e de culpabilização dos professores, de modo que eles, os alunos, e os pais, sentem força para desrespeitar os professores.
Na educação não há milagres, tudo leva muito tempo a maturar e muitas vezes são necessárias certas experiências de vida transformadoras. No entretanto, o resto da turma não aprende nada porque aqueles não deixam. Os professores saem exaustos e stressados destas aulas e vão para as seguintes afectados, quer queiram quer não.
Passar este alunos com estes comportamentos, embora a maioria, de facto, seja uma vítima dos pais que tem, é dizer-lhes que não há diferença nenhuma entre a agressão e a ofensa, e o esforço, o respeito e o trabalho. Entretanto estragou-se a oportunidade dos outros da turma poderem aprender e progredir.
Na quinta-feira passada um aluno veio ter comigo no fim da aula e disse-me, 'professora, queria saber como é que se faz queixa de um professor'. Disse-lhe que se tem um problema com um professor a primeira coisa que deve fazer é ir falar com o professor em questão para resolvê-lo. Perguntei-lhe qual era o problema. Disse-me que o professor x não lhe aceitou um trabalho, disse-lhe que não estava bom e mandou-o corrigir; ora, dizia-me o rapaz, se não está bom é porque o professor não me sabe ensinar e quero fazer queixa dele... esta ideia que os alunos têm de que são bons em tudo, que não precisam de esforçar-se, que a aprendizagem é um acto instantâneo da responsabilidade dos professores e não um processo lento e gradual que se passa no interior e necessita de correções e ainda, que se não conseguem atingir resultados a culpa é dos professores, releva de anos de endoutrinação do ME a alunos e pais com slogans de os alunos serem excelentes por natureza e só não progridem porque os professores não prestam.
Não compreendem os problemas, partem de pressupostos errados e irreais do ser humano e do seu desenvolvimento e depois, como as soluções com base nestes princípios não resultam e querem a todo o custo apresentar tabelas com percentagens de sucesso total, mandam passar toda a gente de qualquer maneira. Para fingir que isto é a sério, carregam os professores de aulas de apoio, explicações, medidas universais, parciais e o diabo a nove...
Outro dia uma ignorante qualquer escrevia um artigo no jornal que é mais um pasquim de publicidade do Costacenteno que outra coisa, a dizer que até que enfim que alguém diz aos professores do secundários que os meninos (os meninos...) com educação especial têm tanto direito como os outros de estar ali. É que nem me lembro da última vez que estive um ano sem alunos com educação especial.
Mais, às vezes somos nós que temos que insistir com os pais para requererem para os filhos, as condições especiais a que têm direito porque a maioria dos pais não quer e tentam convencer os filhos a recusá-las. Rejeitam a ideia de alguém saber que os filhos têm uma doença ou uma incapacidade. Também há o inverso que é alguém da educação especial convencer os pais, desde a escola primária, que os filhos têm um problema e depois os miúdos crescerem a pensar que têm incapacidades, quando não as têm.
Mas é claro que o problema são os professores. Sempre. Porque é que estas pessoas todas não tiram 2 ou três anos para ir dar aulas aos 5ºs, 6ºs, 7ºs, 8ºs,9ºs, etc. anos que por aí andam a chamar palavrões aos professores ou a deixar unhas de pés nas aulas, antes de virem com conversas de quem pouco percebe de adolescentes e de aprendizagem. Talvez estes alunos não tivessem chegado assim ao fim se não lhes tivessem inculcado na cabeça que a educação e o sucesso são algo que lhes vem de fora como um presente e que está nas mãos dos professores.
A educação é como o voto: é um direito das pessoas e das famílias, sim, que o Estado providencia mas, também é um dever das famílias para com o Estado. E é isso que toda esta gente que traz a revolução no bolso não compreende.
Bem, isso toda a gente quer, evidentemente... o problema está no como. O que se viu na legislatura anterior foi aumentar a burocracia e impor a passagem de todos como maneira de melhorar as estatísticas sem ter que resolver o problema de encontrar modos de pôr os alunos a serem actores e não apenas espectadores do seu próprio sucesso.
O que mais temo na educação são os crentes dogmáticos que trazem a revolução no bolso e nos põem a todos nós reféns da sua crença ideológica. É assim como impor uma religião única e designar todas as alternativas como heresias condenáveis. Nada na educação é exclusivo e mágico e não há uma única maneira de resolver os problemas porque estamos a falar de pessoas. Seria de supor que os decisores usassem de prudência nas medidas radicais e revolucionárias que atiram para a educação pois o voltar atrás neste domínio é uma impossibilidade ontológica e entretanto já se estragaram muitas pessoas pelo caminho.
Educação. Os chumbos fazem bem ou fazem mal?
«Os chumbos fazem bem ou fazem mal?» é o exemplo de uma questão mal posta. É como perguntar se o medicamento faz bem ou mal... depende da pessoa e da situação.
Há várias razões para receitar medicamentos:
1. Não houve prevenção e sofre-se de doenças que podiam ter-se evitado. A prevenção implica dinheiro porque são precisas, campanhas de prevenção/consciencialização da importância dos exames periódicos; pessoal que faça diagnósticos; equipamento especializado, etc.
Nas escolas, os chumbos por falta de prevenção são a esmagadora maioria dos casos; os problemas começam muito cedo mas como não há prevenção não são detectados. É difícil, no entanto, fazer a prevenção porque se quer que os professores façam tudo e mais alguma coisa ao mesmo tempo a todos os seus alunos, desde sensibilizar os pais (tarefa extremamente difícil) e os próprios alunos, dar-lhes os meios necessários para poderem evitar os chumbos, acompanhar individualmente os seus progressos, ter estratégias individualizadas e ir introduzindo medidas de reparação, etc. ... isto tudo sem equipamento, sem especialistas, sem dinheiro e com carradas de alunos e turmas. Sendo que, mesmo quando se faz o diagnóstico a tempo, as medidas de remediação não são como comprimidos que se tomados correctamente matam a doença em 5 ou 10 dias. Os processos na educação são lentos porque alimentam-se da maturação das estruturas cognitivas e emocionais.
Se a prevenção não foi feita e o aluno está numa situação de não ter, nem os conhecimentos nem os hábitos metodológicos que lhe permitem compreender e realizar as tarefas mais básicas sem as quais não é possível progredir numa disciplina ou ano, mais vale que fique retido num ano e que lhe dêem a medicação adequada. Quer dizer, um aluno que passe nestas condições precárias de sustentação, à medida que os colegas progridem para trabalho mais complexo, cada vez se sente mais desfasado e frustrado. Acaba por desistir.
2. Há os que tomam medicamentos porque têm doenças crónicas ou desconhecidos. Nesses casos, acontece que não se retiram os medicamentos aos doentes nem se os manda embora como se nada fosse antes de descobrir qual a melhor maneira de poderem viver com a qualidade possível com a doença que têm.
Isso na educação pode significar ter uma dislexia grave ou uma depressão grave ou problemas por causas desconhecidas dos professores. Nesses casos, é necessária a intervenção de especialistas que dirão se o melhor é continuar apesar dos problemas ou ficar um ano e receber alguma terapia intensiva e que em colaboração com os professores desenhem um quadro de tratamento. É claro que isto não se pode fazer sozinho com centenas ou milhares de alunos.
3. Há os que recusam sequer ir ao médico, quanto mais tomar medicamentos e vão agravando a sua condição de modo drástico. Estes, por vezes, iniciam epidemias. São os alunos que não querem estudar. Ao contrário do que se diz, há muitos alunos que detestam estudar e não se pode transformar o trabalho em jogos permanentes porque a aprendizagem também implica interiorização de rotinas, não é só compreender e raciocinar. A extensão do ensino obrigatório até ao 12º ano foi um grande erro. Deve-se fomentar ao máximo o interesse por progredir nos estudos até ao 12º ou ao ensino superior mas não obrigar.
Imensos alunos estão ali obrigados, muitos não têm pais que se interessem pelo que fazem, não têm livro nem caderno nem outros materiais obrigatórios, foram deixados entregues a si mesmos e vivem com jogos de PC e programas de TV na cabeça, aparecem nos dias de testes de mãos a abanar e são os colegas que têm que lhes emprestar caneta e folha, nos trabalhos de grupo assinam sem ter feito coisa alguma, nem querem saber de aprender ou fazer seja o que for relacionado com conhecimentos académicos. Mesmo em aulas que os alunos geralmente gostam porque são mais práticas aproveitam para fazer distúrbios e muitas vezes estragam uma turma inteira prejudicando imensos colegas que os imitam, seja por medo ou por semelhança. Estes necessitam de outro tipo de medicamentos, é certo, mas não podem passar de ano, seja porque não têm os conhecimentos e as metodologias mínimas para o ano seguinte, seja porque uma turma é uma comunidade, um grupo social que se desintegra, tal como uma sociedade, se todos sentem que não há justiça nos procedimentos e que tanto faz trabalhar como não que no fim têm todos o mesmo tratamento.
Porque uma coisa são os alunos, nestes casos, passarem mas terem no fim do ciclo um diploma apenas de frequência outra muito diferente é terem um diploma académico de mérito como os que trabalharam, os que investiram e sucederam por mérito e não porque a sociedade quer apresentar estatísticas e não está para investir neles.
A educação não é uma ciência de rigor. Ninguém poderá garantir que neste ou naquele caso há 100% de certeza de o chumbo ir resultar ou o oposto, de a passagem de ano ir resultar. Na verdade, o que resulta mais é a prevenção mas essa nenhum governo a quer fazer porque implica dinheiro e o que querem é despedir professores e não ter que gastar dinheiro em especialistas ou equipamentos. Não terem que reduzir o número de alunos por turma o que seria um grande passo para podermos dar atenção individualizada a alunos, nomeadamente àqueles que beneficiariam de estratégias específicas produzidas para eles.
Por exemplo, o tempo de DT é pouco e esgota-se em burocracias mastodônticas, muitas inúteis, com leis por vezes anti-pedagógicas que as pessoas nem imaginam, sobretudo no ensino básico, o que é grave quando se trata de turmas cujos alunos (e pais...) precisam de acompanhamento e cuidados à parte que requerem tempo e energia apropriada que não se coaduna com ter num dia seis aulas mais duas de apoio, por exemplo, ou ter 8 turmas ou coisas do género.
Não havendo prevenção, os problemas vão-se agravando de ano para ano. Os chumbos, não sendo estigmatizados e sendo aproveitados para modificar hábitos e estruturar conhecimentos resultam. Só que não são aproveitados... os alunos chumbam e vão para uma turma fazer o que faziam no ano anterior de modo que ou amadurecem e mudam de hábitos e eles próprios investem na sua modificação -e isso no básico é muito difícil, no secundário acontece- ou repetem os erros porque não sabem ultrapassar a situação sozinhos.
De modo que perguntar se os chumbos fazem bem ou mal é o mesmo que perguntar se a aspirina faz bem ou mal: depende da pessoa e da situação. Agora o que não se pode é querer legislar uma regra como se todos os casos pessoais fossem iguais, seja administrando aspirina a tudo quanto é doença ou proibindo a aspirina como medicamento com o argumento de que nem sempre cura a doença mas sem prever uma alternativa de medicação, deixando a pessoa sem nenhum cuidado médico. Acredito que nos primeiros 6 anos as coisas sejam um pouco diferentes no que respeita ao estigma dos chumbos. Mas mesmo aí é necessário levar a educação a sério e não tratá-la como se os alunos fossem parafusos numa fábrica porque é nos primeiros anos que os problemas começam.
Nestes últimos anos a ter que ver PIAs apercebi-me que imensas vezes podia ter-se evitado chumbos se a prevenção existisse. Mas isso fica para outro post que este já vai enorme e tenho testes para corrigir já com atraso.
Apenas um quarto dos municípios garantem sucesso escolar, conclui estudo da associação Empresários pela Inclusão Social e do Cesnova que é apresentado esta quarta-feira.
De acordo com o Atlas da Educação, 35% dos alunos do básico e secundário têm pelo menos uma retenção ao longo do seu percurso escolar.
“A solução não passará necessariamente por proibir a retenção ou de a iludir pela busca de sucesso a qualquer custo”, defende a equipa do Cesnova, que foi liderada pelo sociólogo e antigo ministro da Educação David Justino. Os investigadores propõem que o combate ao insucesso escolar passe pela prevenção, mas, sobretudo, por “contrariar a cultura dominante” que aceita as reprovações dos alunos como algo “natural”. O sistema de ensino português “não está concebido para promover o sucesso e a equidade”, lê-se nas conclusões do documento.
Partindo desta análise concelhia, a equipa do Cesnova preconiza é que a aposta na prevenção do abandono e insucesso escolar deve assentar num princípio de descentralização e de mobilização das escolas e das comunidades locais. De resto, os investigadores concluem que o sistema de ensino português apresenta “características muito marcantes de gestão centralizada”, o que poderá explicar “o insucesso dos grandes planos de reforma”.
Não percebo o que significa os municípios garantirem o sucesso... obrigam as escolas a passar os alunos?
E que significa isso do 'ensino de português não estar concebido para promover o sucesso e a equidade'?
E a cultura dominante que aceita as reprovações é o quê? Está a dizer que a culpa das reprovações são os professores que têm uma cultura de chumbar alunos? Mas as pessoas não vêem o caos que o MEC tem instigado nas escolas nestes últimos oito ou nove anos?
Mas pensar-se-à que a educação se faz numa espécie de bolha separada da realidade contextual? Que ter 30 alunos nas turmas, professores com excesso de turmas, excesso de trabalho burocrático inútil, programas que mudam de repente, exames contraditórios com o trabalho que se faz, escolas onde as estruturas decisoras estão inalteradas há anos, petrificadas, ataques à autoridade dos professores, desresponsabilização dos próprios alunos e famílias no seu próprio sucesso, a pobreza e falta de condições das famílias e outros mil e um problemas que têm minado o trabalho das escolas não têm consequências para os alunos?
E descentralizar o quê num país do tamanho de uma província espanhola? Para quê? Para que o ensino do português garanta o sucesso a todos? Uma coisa é autonomia para adaptar alguma parte dos curriculos a particularidades do contexto local, poder gerir o modo como se atingem os objectivos, em que tempos, em que espaços e em que hierarquia de prioridades e necessidades, outra é dizer que cada um faça mais ou menos como quiser, deixando que estas estruturas que ficaram inalteradas desde o tempo da Lurdes Rodrigues se ponham a decidir qual é o portugês que os alunos devem ter ou não e outras coisas do género...
As reformas não têm resultado porque são feitas para experimentar novidades e teorias da moda, de tal maneira que algumas colidem com o que já existe, outras destroem justamente o que funciona bem e outras são contraditórias nos próprios termos, outras reformam as reformas antes de avaliarem o que correu bem e é de manter e o que deve mudar... dito de outro modo, temos tido reformadores duma grande mediocridade. E, pelos vistos vão aprofundar um bocadinho mais o mal que têm feito até agora.
É verdade que os números dizem que os alunos que chumbaram uma vez têm mais probabilidade de voltar a chumbar do que os que nunca chumbaram. Mas, mais uma vez, o pessoal do ministério olha para os números e toma-os pela realidade, quer dizer, interpretam-nos do seguinte modo: 'se um aluno que chumba tem mais probabilidades de voltar a chumbar, então a causa do insucesso é o próprio chumbo'. Este raciocínio é aquilo que o Platão chamava 'confundir-se a causa das coisas com o devir das coisas no mundo'. Ou seja, não é o acto de chumbar que leva ao insucesso, mas sim as causas que estão por detrás desse chumbo. Se fosse, diríamos então que a causa da varicela são as borbulhas porque os números dizem que de cada vez que alguém tem aquelas borbulhas aumenta em muito a probabilidade de ficar muito doente...
Um aluno pode não conseguir cumprir objectivos por muitas razões: falta muito às aulas; vem às aulas mas não trabalha, não estuda; está todos os dias no computador até às 3 da manhã e está sempre cansado e com sono; não tem nenhum tipo de acompanhamento em casa; problemas exteriores à escola estão a afectar a disposição geral; tem dificuldades no cálculo; tem dificuldades na Língua Portuguesa (não tem os rudimentos instrumentais da Língua); detesta o estudo em geral; os pais estão desempregados e não há dinheiro nem para comer; tem uma doença qualquer que afecta o desempenho, etc., etc. O que cahamamos pedagogia diferenciada é justamente ser capaz de detectar a tempo o que está a empecilhar a aprendizagem e agir a tempo, seja com apoio seja com tutoria, etc. Nem sempre funciona. As pessoas não são coisas e a pedagogia não é uma ciência exacta. Não podemos ser, penso eu, radicalmente behavioristas ao ponto de pensar que as pessoas são robots e que basta acionar o botão certo para que reajam da maneira como queremos.
É claro que para isto funcionar é necessário investimento: menos alunos por turma, menos alunos por escola, menos turmas por professor, ênfase na Direcção de Turma, autonomia para trabalhar com os alunos em apoios, equipa de professores tutores, psicólogo...porque acabar com os chumbos sem atacar as causas desses chumbos, quer dizer, apenas passá-los mas deixá-los como estavam só vai ter como consequência a desvalorização dos currículos, a degradação dos instrumentos de avaliação - que são tão importantes para os alunos terem noção da situação em que estão na aprendizagem e saberem se precisam de investir mais ou não- e a desresponsabilização generalizada.
Na prática os alunos passarão a faltar a todos os testes e exames uma vez que não terão consequências na sua vida. E de que modo isso os ajuda na construção da suas vidas?
Se os chumbos custam 600 milhões, quanto é que custará uma ou duas gerações de cidadãos irresponsáveis, habituados a exigirem sem contribuirem?
As causas do insucesso não são os chumbos. Os chumbos são o sintoma do que não está a ser feito nas escolas, e fora das escolas, no contexto social. Camuflar os sintomas sem atacar as causas é assim como ter varicela e pintar as borbulhas para que não se vejam deixando que a doença continue a fazer o seu trabalho subterrâneo. Nem se eliminam os sintomas nem se cura a doença. No imediato, é verdade que sai mais barato do que formar e pagar a um médico e pagar os instrumentos de diagnóstico e os medicamentos de tratamento, mas a longo prazo essa política só deixaria vivos aqueles cujo organismo é tão bom que resiste a tudo...quem é que poderá no futuro pagar os custos duma tal matança?
Porque será que todos os colégios e escolas particulares do mundo inteiro têm, nas suas campanhas de promoção para angariação de alunos uma lista que traz à cabeça o número de alunos por turma, que é sempre reduzido - entre 12 a 15; e porque será que em segundo lugar nessa lista estão as condições da escola - equipamentos, espaços verdes, actividades extra-curriculares?
Pois não sei, deve ser só coincidência e o facto de não terem lido as palavras sábias da Lurdes Rodrigues e da Alçada que defendem que o que é bom mesmo é ter 28 numa sala.
E porque será que todos os estudos realizados sobre factores promotores de sucesso escolar referem à cabeça o conhecimento e relação de proximidade com o professor? Deve ser outra vez coincidência de quem não leu as palavras sábias daquelas duas sobre as turmas estarem cheias e os professores cheios de turmas de modo que só lá para o 3º período é que conhecem os alunos todos, e mesmo assim apenas superficialmente.
A Ana Betencourt fala em diferenciação pedagógica quando os professores chegam a ter 250 alunos...é só rir como diz um amigo meu. Agora vão atirar 2000 ou 3000 alunos para as escolas, digo, para as unidades de gestão verticais de sucesso industrial escolar. Pois pá, agora é que vai haver paletes de diferenciações padagógicas.
Agora ninguém vai chumbar - compreende-se: é desagradável e irritante que depois de criados cursos de treta e de ter falseado todos os números do sucesso, os alunos continuem a falhar... e a conversa dos 150.000 professores serem todos nababos e incompetentes já não pegar... acaba-se com as reprovações e fica logo o problema resolvido: 100% de sucesso garantido.
Não sei, mas parece que vão escolher os ministros e secretários de estado do sector àquele concurso americano que dá prémios aos piores actores - prémios rafta, razzie, rasca ou lá o que é. A minha pergunta é: não podemos exportá-los todos?
A questão das reprovações, em relação à qual se desenvolveram duas posições opostas, fundamenta-se numa das dicotomias da Psicologia relativamente ao desenvolvimento e aprendizagem: o desenvolvimento é decidido na influência do meio ou o desenvolvimento é uma actualização dum potencial genético de capacidades que se têm, ou não têm?
Os que defendem que o desenvolvimento depende inteiramente do meio defendem que as reprovações se devem exclusivamente a uma má/pobre influência do meio, seja o familiar, social ou escolar. Defendem que todos são capazes de alcançar as mesmas metas desde que o meio seja favorável. Nessa lógica não faz sentido reprovar uma vez que a falha não é do aluno mas do meio que não soube desenvolvê-lo correctamente.
No outro extremo estão os que entendem que não nascemos com as mesmas capacidades de modo que o meio só pode ter influência onde, geneticamente já lá há qualquer coisa. É certo que o meio desenvolve essas capacidades mas até um certo ponto, que é o das capacidades inatas. Deste modo, as reprovações seleccionam os alunos consoante as capacidades. Os que têm mais capacidades passam, os outros não passam e devem escolher outras vias.
Em primeiro lugar, o que me faz confusão é ver que os ministros da educação têm por hábito escolher um dos lados desta dicotomia como se tivessem uma resposta para o problema que nós outros desconhecemos e põem-se a fazer leis e despachos baseados numa hipótese teórica altalmente polémica.
Em segundo lugar, convém dizer que existe um meio termo, que defende a interacção dos dois factores, inato-adquirido, que não é nenhuma novidade e já foi defendido, mas nunca aplicado. Lembro do Roberto Carneiro a ter defendido, embora tivesse feito o oposto do que tinha defendido assim que chegou ao ministério. Podemos acabar praticamente com as reprovações mantendo um sistema de aferição que distinga os alunos relativamente às metas alcançadas, ou não alcançadas.
O Ramiro tem hoje um post sobre essa alternativa: os alunos têm metas para alcançar e são avaliados, internamente, por obrigação, e externamente por opção. Todos os alunos com dificuldades têm um acompanhamento tutorial (que não tem nada a ver com as pseudo-tutorias que se fazem nas escolas). Só o aluno que não comparece às aulas é que reprova; os outros terão, consoante os casos, um certificado de frequência (se passaram sempre sem conseguir aproveitamento positivo na avaliação interna), certificado de aproveitamento interno ou aproveitamento externo, consoante o caso de terem sido sujeitos, ou não, a avaliação externa.
Este sistema não resolve todos os problemas, uma vez que cria o problema de termos turmas com alunos muito bons misturados com outros que estão vários níveis abaixo em termos de desenvolvimento. Com turmas grandes o trabalho torna-se impossível: ou sacificamos os melhores para acudir aos que estão muito atrasados ou sacrificamos esses para não prejudicar os melhores. Para além disso, um aluno que esteja muito atrasado em termos de conhecimentos não consegue acompanhar o que se está a fazer e perde completamente a motivação e a auto-imagem degrada-se muito porque compara-se com os outros. A vantagem das reprovações está em que muitas vezes o problema dum aluno é a maturidade psicológica e cognitiva, quer dizer está num nível de ensino que requer uma maturidade que ainda não tem. Quando reprova, acontece por vezes acertar-se com o nível de ensino e mudar radicalmente.
O que quero dizer é que a questão da educação e das reprovações é complexa, tem a ver com os padrões do desenvolvimento humano e não há uma resposta universal nem há, tampouco, um padrão de desenvolvimento único que todos cumprimos do mesmo modo. Agora, o que fica claro é que a educação, para resultar, é cara. Requere investimento e boas condições de trabalho. Ora, este e outros governos antes deste tiveram como meta desinvestir na educação de modo que tudo o que fazem é no sentido de piorar as coisas.
Agora esta ministra fofinha que gere a pasta lembrou-se que era giro não chumbar ninguém e até vem dizer que num país qualquer é assim que se faz...como se isso fosse argumento para alguma coisa, quer dizer, os ingleses comem peixe frito e bacon ao pequeno almoço...deveremos também passar a comer peixe frito e bacon ao pequeno almoço?
O problema da educação neste país começa com os ministros, os secretários de estado e os primeiro ministros...
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.