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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
René Magritte
I dream in blue
Its a dream of peace
yes
is a dream of you
Já não sei traduzir-me em letras
na madrugada sem sono
ao som das rajadas do vento
nem tento...
não quero
o refúgio das sombras.
já não sei como hibernar
como ser noite sem dia
lua
tenebrescente
quisera ser estóica
não sentir, não sofrer,
aqui ou ali,
este ou aquele
ser tudo mais ou menos indiferente
tenebrescente
é sabido que não tenho
sentido de orientação
não sei encontrar caminhos
nem sei dar coordenadas
das coisas do coração
tenebrescente
não aprendi a resguardar-me
do silêncio que me nega
da ausência que me fere
da distância que me apaga
bja
Uma palavra inventada pelo ecologista Liam Heneghan para traduzir um estado de espírito que combina a palavra grega allo que quer dizer 'outro' e katapliktiko que significa fascínio, admiração. Isto vem a propósito de podermos, segundo Rob Walker, entrar nesse estado de espírito de Allokataplixis em sítios onde vivemos ou passamos todos os dias de tal modo que já nem os notamos. Ele sugere vários modos de nos fascinarmos por sítios conhecidos: procurar ruínas fantasma, como ele lhes chama, não usar aplicações e perder-se nas direcções, ir comer a sítios que não vêm nos guias, ler as placas, etc.
Pois li este artigo e pus-me a pensar que se pode muito bem aplicar este exemplo à própria vida. Induzir um estado de 'Allokataplixis', não dos lugares mas da própria vida. Uma pessoa não se cansar da paisagem da sua vida e manter um fascínio renovado pelo que parece comum. Aqui vão apenas duas sugestões de algumas das estratégias de 'Allokataplixis' da vida que uso com frequência:
1. Esta uso para aprender a gostar e interessar-me por todos os alunos. Pô-los dentro de quadros, de pinturas. Uma rapariga pode ter o cabelo da Vénus do Botticelli, um rapaz pode ter o olhar daquela pintura, 'escapando ao criticismo' de Pere Borrell Del Caso. Arranjo maneira de os enfiar todos em pinturas e depois é fascinante ver as pinturas ganharem vida. Às vezes faço isso às pessoas que entram na camioneta ou no comboio: hummm, deixa ver este ou esta, se fossem pintados, quem os pintava e em que pintura ficavam :) As pessoas tornam-se interessantes.
2. Esta uso para perceber melhor as situações e para me descentrar. Uma situação qualquer do quotidiano, que até pode acontecer na sala de professores, no intervalo, imagino como seria se fizesse parte de um guião e fosse filmada pelo Kubrick, depois imagino-a filmada num filme de cowboys, depois num filme do Fassbinder, do Elia Kazan, depois a preto e branco, um filme mudo... é um exercício divertido e 'vemos' a situação de perspectivas diferentes. É fascinante.
A estratégia é: aproveita áreas de interesse que nos fascinem como a pintura ou o cinema e introduzi-las nas cenas do quotidiano.
Ontem tive um grande pesadelo. Mas optimista. Sim, um pesadelo optimista. Geralmente os pesadelos fazem-nos acordar assustadas a meio de uma cena de tensão insuportável, só que o próprio sonho arranjou um mecanismo de lidar com essa tensão e não só não acordei como aquilo acabou bem. Nunca tal coisa tinha acontecido. Foi assustador, mas optimista. Como esta imagem. De cores assustadoras no céu mas optimistas no chão com aquela árvore cheia de um verde denso em cima do lilás da alfazema, a afastar o chumbo da tempestade :)
Enfim, olhei para a imagem e foi o que me lembrou.
By Antony Zacharias
Ser poeta é deixar ver o que está dentro
é sofrer as palavras que em nós tardam
da vida que nos suga, é ser alimento
das entranhas dos que se resguardam.
bja
bja
I saw your eyes
and I'm broken
the night rises and fall
a knife cutting the pain
breaking the inner walls.
I'm nowhere
I'm everywhere
and I don't care
anymore
I'm every person
who dies on the shore.
bja
Sem fé o destino falha.
Coração cego
demente
segues múrmurios
na noite sem sono
armado com ferros
remexes
pétalas vincadas
fechado em rimas
me cravas
... te escravas.
bja
Sim, trato a morte por tu
ela também me tuteia
espreitamo-nos uma à outra
a ver quem primeiro fraqueja.
bja
Sentimos o que desejamos
ou desejamos o que sentimos?
Que pergunta indiferente...
se o sentimos já é nosso
se o desejamos vive dentro.
Só é nosso o que sentimos
a pertença é um sentimento
é vida que partilhamos
com quem nos habita por dentro.
bja
Não mergulhes nas águas do abismo
nem te lances, destemido, na descida
(incauto caminhante da vida)
para espreitares
os demónios escondidos,
que aí têm guarida.
São amantes de demência
sugadores necromantes,
insinuam-te o vício do sangue
fazem-te traidor da vida.
bja
Se a não-saudade
é uma ausência de ser
deixem-me com esta ansiedade
mesmo que me faça morrer.
bja
I dream in you
Its a dream of freedom
its a dream of blue.
(...)
Masahisa Fukase
Afastei-me da janela para não ver o rio, a serra, as ruas e o branco azulado do céu a acinzentar-se de noite. O ocorrer da vida distrai da realidade. O condutor que não sabe ser paralelo ao passeio, o cão que atravessa a rua, a bandeira de Portugal na janela do vizinho e a Dona Elvira que vem do supermercado carregada com os seus oitenta e seis anos sem doenças. A realidade está na palavra bem escrita. Oh mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal Nenhum pranto é tão grande e profundo como o mar do poema onde estão contidas as realidades da distância, do luto, da perda, da imensidão da viagem, da saudade... Um mau texto distrai-nos da realidade como um mau filme nos estraga a poesia e a tristeza.
Alguém me rogou uma praga a mim e ao meu filho... quando lhe ligo está ele no hospital quando me liga estou eu no hospital! Chiça!!
É como diz o Albert King, If it wasn't for bad luck I would have no luck at all...
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