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Um poema por dia - Cecília Meireles

por beatriz j a, em 01.06.19

 

De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...

 

Cecília Meireles

 

publicado às 21:50


Hoje é o dia mundial da poesia

por beatriz j a, em 21.03.18

 

 

De Que São Feitos os Dias?

De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inactuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...

Cecília Meireles, in 'Canções'
 

publicado às 20:08


Tu tens um medo

por beatriz j a, em 03.04.15

 

 

 

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.

 

Cecília Meireles

 

 

publicado às 20:49


Noções

por beatriz j a, em 14.08.14

 

 

 

NOÇÕES

 

ENTRE MIM e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.

Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.

Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gôsto infinito das respostas que não se encontram.

Virei-me sôbre a minha própria existência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e êste abandono para além da felicidade e da beleza.

Oh! meu Deus, isto é a minha alma:
qualquer coisa que flutua sôbre êste corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sôbre a areia passiva e inúmera...

 

 

Cecília Meireles

 

 

publicado às 22:47


Poesia de Cecília Meireles

por beatriz j a, em 29.08.13

 

 

 

 

É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.


É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.


O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.


O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.


O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.

 

Cecília Meireles

 

publicado às 23:32


Bom dia com poesia

por beatriz j a, em 08.08.13

 

 

 

 

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos 
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo 
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.


- Cecília Meireles (1901 - 1964)

 

 

publicado às 08:28


poesia de Cecília Meireles

por beatriz j a, em 24.07.12

 

 

 

Não fales as palavras dos homens.
Palavras com vida humana.
Que nascem, que crescem, que morrem.
Faze a tua palavra perfeita.
Dize somente coisas eternas.
Vive todos os tempos
Pela tua voz.
Sê o que o ouvido nunca esquece.
Repete-te para sempre.
Em todos os corações.
Em todos os mundos.


Cecília Meireles, Cânticos, Editora Moderna, São Paulo, 7ª edição, 1991

 

 

publicado às 06:02


Pergunto-te onde se acha a minha vida

por beatriz j a, em 25.01.12

 

 

 

 


 

Pergunto-te onde se acha a minha vida.
Em que dia fui eu. Que hora existiu formada
de uma verdade minha bem possuída.

Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.

E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida
por esperanças hereditárias? E de cada
pergunta minha vai nascendo a sombra imensa
que envolve a posição dos olhos de quem pensa.

Já não sei mais a diferença
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silêncio da coisa irrespondida.

Cecília Meireles, in 'Poemas (1942-1959)'

 

 

publicado às 05:22


Mar Absoluto

por beatriz j a, em 04.05.11

 

 

 

 

 

  

Mar Absoluto

 

Foi desde sempre o mar,
E multidões passadas me empurravam
como o barco esquecido.

Agora recordo que falavam
da revolta dos ventos,
de linhos, de cordas, de ferros,
de sereias dadas à costa.

E o rosto de meus avós estava caído
pelos mares do Oriente, com seus corais e pérolas,
e pelos mares do Norte, duros de gelo.

Então, é comigo que falam,
sou eu que devo ir.
Porque não há ninguém,
tão decidido a amar e a obedecer a seus mortos.

E tenho de procurar meus tios remotos afogados.
Tenho de levar-lhes redes de rezas,
campos convertidos em velas,
barcas sobrenaturais
com peixes mensageiros
e cantos náuticos.

E fico tonta.
acordada de repente nas praias tumultuosas.
E apressam-me, e não me deixam sequer mirar a rosa-dos-ventos.
"Para adiante! Pelo mar largo!
Livrando o corpo da lição da areia!
Ao mar! - Disciplina humana para a empresa da vida!"
Meu sangue entende-se com essas vozes poderosas.
A solidez da terra, monótona,
parece-mos fraca ilusão.
Queremos a ilusão grande do mar,
multiplicada em suas malhas de perigo.

Queremos a sua solidão robusta,
uma solidão para todos os lados,
uma ausência humana que se opõe ao mesquinho formigar do mundo,
e faz o tempo inteiriço, livre das lutas de cada dia.

O alento heróico do mar tem seu pólo secreto,
que os homens sentem, seduzidos e medrosos.

O mar é só mar, desprovido de apegos,
matando-se e recuperando-se,
correndo como um touro azul por sua própria sombra,
e arremetendo com bravura contra ninguém,
e sendo depois a pura sombra de si mesmo,
por si mesmo vencido. É o seu grande exercício.

Não precisa do destino fixo da terra,
ele que, ao mesmo tempo,
é o dançarino e a sua dança.

Tem um reino de metamorfose, para experiência:
seu corpo é o seu próprio jogo,
e sua eternidade lúdica
não apenas gratuita: mas perfeita.

Baralha seus altos contrastes:
cavalo, épico, anêmona suave,
entrega-se todos, despreza ritmo
jardins, estrelas, caudas, antenas, olhos, mas é desfolhado,
cego, nu, dono apenas de si,
da sua terminante grandeza despojada.

Não se esquece que é água, ao desdobrar suas visões:
água de todas as possibilidades,
mas sem fraqueza nenhuma.

E assim como água fala-me.
Atira-me búzios, como lembranças de sua voz,
e estrelas eriçadas, como convite ao meu destino.

Não me chama para que siga por cima dele,
nem por dentro de si:
mas para que me converta nele mesmo. É o seu máximo dom.
Não me quer arrastar como meus tios outrora,
nem lentamente conduzida.
como meus avós, de serenos olhos certeiros.

Aceita-me apenas convertida em sua natureza:
plástica, fluida, disponível,
igual a ele, em constante solilóquio,
sem exigências de princípio e fim,
desprendida de terra e céu.

E eu, que viera cautelosa,
por procurar gente passada,
suspeito que me enganei,
que há outras ordens, que não foram ouvidas;
que uma outra boca falava: não somente a de antigos mortos,
e o mar a que me mandam não é apenas este mar.

Não é apenas este mar que reboa nas minhas vidraças,
mas outro, que se parece com ele
como se parecem os vultos dos sonhos dormidos.
E entre água e estrela estudo a solidão.

E recordo minha herança de cordas e âncoras,
e encontro tudo sobre-humano.
E este mar visível levanta para mim
uma face espantosa.

E retrai-se, ao dizer-me o que preciso.
E é logo uma pequena concha fervilhante,
nódoa líquida e instável,
célula azul sumindo-se
no reino de um outro mar:
ah! do Mar Absoluto.

 

Cecília Meireles

 

publicado às 22:26


poesia de cecília meireles

por beatriz j a, em 14.12.10

 

 

 

 

Quem tem coragem de perguntar, na noite imensa?
E que valem as árvores, as casas, a chuva, o pequeno transeunte?


Que vale o pensamento humano,
esforçado e vencido,
na turbulência das horas?


Que valem a conversa apenas murmurada,
a erma ternura, os delicados adeuses?


Que valem as pálpebras da tí­mida esperança,
orvalhadas de trêmulo sal?


O sangue e a lágrima são pequenos cristais sutis,
no profundo diagrama.


E o homem tão inutilmente pensante e pensado
só tem a tristeza para distingui-lo.


Porque havia nas úmidas paragens
animais adormecidos, com o mesmo mistério humano:
grandes como pórticos, suaves como veludo,
mas sem lembranças históricas,
sem compromissos de viver.


Grandes animais sem passado, sem antecedentes,
puros e lí­mpidos,
apenas com o peso do trabalho em seus poderosos flancos
e noçíµes de água e de primavera nas tranqí¼ilas narinas
e na seda longa das crinas desfraldadas.


Mas a noite desmanchava-se no oriente,
cheia de flores amarelas e vermelhas.
E os cavalos erguiam, entre mil sonhos vacilantes,
erguiam no ar a vigorosa cabeça,
e começavam a puxar as imensas rodas do dia.


Ah! o despertar dos animais no vasto campo!
Este sair do sono, este continuar da vida!
O caminho que vai das pastagens etéreas da noite
ao claro dia da humana vassalagem!



Autor: Cecília Meireles

 

publicado às 04:15


Da Reflexão dos justos

por beatriz j a, em 26.03.09

 

 

 

(excerto)

 

Não choram somente os fracos.

O mais destemido e forte,

um dia, também pergunta,

contemplando a humana sorte,

se aqueles por quem morremos

merecerão nossa morte.

 

(...)

Ambição gera injustiça.

Injustiça, covardia.

Dos heróis martirizados

nunca se esquece a agonia.

Por horror ao sofrimento,

ao valor se renuncia.

 

E à sombra de exemplos graves,

nascem gerações opressas.

Quem se mata em sonho, esforço,

mistérios, vigílias, pressas?

Quem confia nos amigos?

Quem acredita em promessas?

 

Que tempos medonhos chegam,

depois de tão dura prova?

Quem vai saber, no futuro,

o que se aprova ou reprova?

De que alma é que vai ser feita

essa humanidade nova?

 

Cecília Meireles

 

 

 

publicado às 21:13


no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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