Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
E no PS é igual. Uma vez eleitos barram todos os candidatos conotados com os partidos da oposição depois de exonerarem todos os que puderem. Ainda há pouco tempo um fulano do PS se dismilitarizou porque o chefe do partido fez um elogio ao opositor. Imagine-se empregar um opositor! Perdia metade dos militantes e todos os apoiantes! Os independentes também não se safam porque não se sabe para que partido vão resvalar. Enquanto estão no limbo estão em risco de passar-se para a oposição, logo, não são de confiar. É assim que acabamos chefiados por medíocres -que foram chamados por serem de confiança [partidária]- rodeados de outros medíocres, promovidos pela mesma razão, divorciados da realidade [vivem para além da crítica que desacomoda] e a viver em auto-elogio permanente.
Os recentes episódios com o não pagamento ao fisco por parte dos mais altos dirigentes do país são uma pequena amostra deste hábito dos políticos e chefias [dos mais altos aos mais baixos] se pensarem acima das obrigações que exigem dos outros e de se achar que isso é um pormenor sem importância em pessoas extraordinárias - que é o que acham e dizem, sem pudor, de si mesmos, a toda a hora -o que se percebe, se pensarmos que estão rodeados de aduladores e que os outros funcionam como um espelho para nós [a página da Wikipédia de alguns ministros, dos mais incompetentes e vãos que há memória são um vómito de auto-elogio, sem dúvida escrita por seus vassalos de serviço]
Portugal funciona mal porque o interesse próprio, em primeiro lugar e, o do partido, em segundo lugar, tomam prioridade sobre os interesses do país e, com base nesse pressuposto, varrem tudo à sua frente até fcarem sozinhos uns com os outros.
*Castoriadis
Porque é que continua na educação? Responderia com as palavras de Castoriadis, tiradas daqui:
«(...) se considerarmos a actual situação, não de crise mas de decomposição e de descalabro das sociedades ocidentais, encontramo-nos perante uma antinomia de primeira grandeza: aquilo que se tornou verdadeiramente necessário é imenso (...)
Dada a crise ecológica, a extrema desigualdade na partilha das riquezas entre países ricos e pobres, a quasi-impossiblidade do sistema para prosseguir a sua presente corrida, aquilo que é necessário é uma nova criação imaginária de uma importância nunca vista no passado, uma criação que colocaria no centro da vida humana outros significados para além da expansão da produção e do consumo, que designaria diferentes objectivos para a vida que pudessem ser reconhecidos como valendo a pena para os seres humanos. É evidente que isso exigiria uma reorganização das instituições sociais, das relações laborais, económicas, políticas e culturais. Ora esta orientação está... longe daquilo que pensam e, talvez, daquilo que os seres humanos actualmente desejam. Esta é a imensa dificuldade que temos de defrontar. Deveríamos querer uma sociedade na qual os valores económicos deixassem de ser centrais ou exclusivos, em que a economia voltasse a ser posta no seu devido lugar enquanto simples meio e não enquanto finalidade última da existência humana, em que renunciaríamos a esta louca corrida rumo a um consumismo sempre acrescido.
Isto não só é necessário para evitar a destruição definitiva do ambiente terrestre, mas também, e sobretudo, para tirar da miséria psíquica e moral os nossos contemporâneos.
(...)Há alturas na História em que tudo aquilo que se possa fazer no imediato é um longo e lento trabalho de preparação. Ninguém pode saber se estamos a atravessar uma breve fase de estado de sonolência da nossa sociedade ou se estamos a entrar num longo período de regressão histórica. Mas não é por isso que fico impaciente.»
O sublinhado é meu: para sublinhar o que me mantém, a mim e a muitos outros, acho, nesta luta, neste remar contra a maré...
Hoje, depois de ouvir alguns discursos políticos num dos telejornais dei comigo a reler A Ascensão Da Insignificância do Castoriadis. E foi a reler essa entrevista, de 1993, que percebi o que me tem andado a incomodar.
Castoriadis fala da decadência da civilização e pergunta se será possível esta sociedade continuar a funcionar e reproduzir-se, “quando em todas as sociedades ocidentais se proclama abertamente (e em França, cabe aos socialistas a glória de o terem feito de um modo que a direita nunca tinha ousado fazer) que o único valor é o lucro e que o ideal de vida social é o enriquecimento."
Se assim fosse – diz ele – os funcionários deviam aceitar e pedir umas cunhas para efectuarem o seu trabalho, os juízes deviam leiloar as decisões dos tribunais, os educadores fornecer boas notas às crianças cujos pais lhes oferecessem um cheque à socapa e assim por diante. Em sua opinião só o medo da sanção penal os impede de assim proceder.
Castoriadis diz nesta entrevista que nunca como hoje foi tão urgente reinventar a sociedade, imaginar um outro sentido para a sua existência. E acaba este parágrafo com as seguintes palavras: “ O que podemos dizer é que todos aqueles que têm consciência do carácter terrivelmente grave do que está em jogo devem tentar falar, devem criticar esta corrida para o abismo, devem procurar despertar a consciência dos seus concidadãos”.
Ora, foi justamente aqui no fim do parágrafo que me apercebi do que tem andado a incomodar-me.
Não é a constatação de que vivemos uma daquelas épocas históricas em que os insignificantes saltaram para dentro da carroça, tomaram conta das rédeas e conduzem-na agora pela ribanceira abaixo em direcção ao desastre: isso é evidente de há uns anos a esta parte; não é a constatação do modo como imprimiram uma dinâmica de mediocridade a toda a sociedade, parecendo ter o condão de trazer ao de cima, apenas e somente o que de pior há nas pessoas; não, não é isso.
É a constatação da complacência com que a nossa (pseudo) intelectualidade assistiu, e em alguns casos aplaudiu até, o trabalho de perversão e destruição do sistema judicial, do sistema educativo público e do sistema de saúde pública. É isso o que me choca! Comentadores, opositores, meios de comunicação, gente que ocupa cargos de influência política, nas universidades, nas empresas públicas, nos jornais e nas televisões a louvarem o trabalho de sistemática decomposição da sociedade que tem sido a obra de, pelo menos, há uns dez anos para cá.
Das duas, uma: ou não tinham e não têm a consciência de que fala Castoriadis (como é possível?); ou, se a tinham, porque não falaram? Se calhar não tinham mesmo.
Temos agora um sistema judicial em quem ninguém acredita por conta da impunidade que por aí grassa; um sistema educativo onde proliferam os colégios privados para os bolsos só de alguns, depois de se ter destruído o ensino público (esse trabalhinho, aliás, ainda não está completamente acabado – mas está quase), e um sistema de saúde na ruína, que se orgulha de ter os bebés a nascer no meio da estrada. Também aí proliferam os hospitais privados - para quem pode. A banca enriquece, os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres. No Natal diz-se ao povo que a culpa da crise reside no apetite dos portugueses que gastam dinheiro a comer demais!
A Hanna Arendt dizia que os povos têm os governantes que merecem.
Pelos vistos têm também os intelectuais que merecem.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.