Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
António Costa usou as crianças com doença oncológica para ganhar votos.
Joana Marques
Normalmente doutro Mundo, distante do nosso, e que nos deixa a pensar que afinal nascer em Portugal, ainda que tenha sido na Reboleira, não foi mesmo nada mau. Podíamos estar muito pior! A verdade é que também por cá começa a ser preciso ter sorte para nascer. E nem temos a desculpa de termos sido atingidos por um cataclismo devastador ou palco de uma guerra civil. Tínhamos tudo para ser um país onde se nasce com uma perna às costas (embora isso, à partida, obrigue a uma cesariana) mas resolvemos complicar o processo, talvez para aumentar a adrenalina das parturientes. Quem tentou nascer no passado mês de junho na maternidade de Portimão, que esteve encerrada por falta de médicos, precisou de sorte. Quem resolveu vir ao Mundo em agosto, nas urgências obstétricas de Portalegre, teve azar, porque também não estavam abertas. Teve de ir nascer mais longe ou, com mais azar ainda, a meio do caminho. Não deve haver nada pior do que ter um desses partos alternativos quando a única coisa que se deseja é chegar a um hospital alternativo. Qualquer dia ligamos para o 112 e ouvimos: "o número para o qual ligou não se encontra atribuído". Só agora, meses depois, percebi qual era o plano do Governo, que chegou até a ponderar fechar as urgências de obstetrícia rotativamente durante o mês de agosto nos maiores hospitais da capital, e se viu forçado a recuar. A estratégia era esta: impedir que as crianças saíssem do ventre das suas mães, evitando assim sobrecarregar, nos meses seguintes, as urgências pediátricas. Como, mais uma vez, os portugueses não tiveram a decência de colaborar com os governantes, insistindo em pôr cá fora uma série de recém-nascidos sem que estivessem reunidas as condições ideais, o resultado está à vista! Se não podiam ter esperado mais um bocadinho. Quem aguenta 42 semanas, aguenta 73. Mas pronto, já se sabe como são as grávidas, com as hormonas descontroladas... Impacientes! Agora não se queixem se o Garcia de Orta não consegue dar resposta e tem de encerrar as urgências pediátricas por falta de médicos... Se em vez de terem trazido ao Mundo fofíssimos Salvadores e Beneditas, que só choram e bolçam, se tivessem empenhado em fazer nascer pediatras, tinham dado um real contributo à sociedade. Assim, vieram só atrapalhar! Se não têm genes suficientemente fortes para fazer nascer um pediatra com vários anos de experiência e publicações em revistas científicas, pelo menos deem à luz um bom empreiteiro, já que as obras da ala pediátrica do Hospital de São João continuam paradas. Anunciada em 2018, a construção de uma ala pediátrica decente devia ter arrancado em abril deste ano. Não aconteceu, o que não surpreende. Quem já tentou fazer obras em Portugal, nem que seja apenas para renovar o WC lá de casa, sabe que a palavra de ordem é "mais": mais tempo para arrancar, mais demora a concluir, mais caro do que estava inicialmente orçamentado, mais pó do que alguma vez imaginámos. Não é essa parte que espanta nesta história. É o facto de António Costa ter visitado o hospital durante a campanha eleitoral e ter anunciado que as obras estavam a decorrer: "Um projeto que finalmente saiu do papel", podia ler-se no post de Facebook do Partido Socialista. Saiu do papel mas deve ter entrado numa folha de Excel, porque no terreno ainda não se passa. Uma fotografia partilhada esta semana nas redes sociais mostra que o estaleiro de obras está deserto, com menos vestígios de presença humana do que Marte. O que transforma o senhor que aparece ao lado do primeiro-ministro, na fotografia, de colete refletor e capacete de proteção, um mascarado do Carnaval de Torres e não um responsável por uma obra pública de relevo. Aceito que se protelem obras em muitas marquises de famílias portuguesas mas... numa ala pediátrica que acolhe crianças com doença oncológica? Estão à espera de quê? Que elas atinjam a maioridade? Esta seria a melhor das hipóteses, a outra nem me atrevo a escrever, de tão triste que é. Tudo isto é triste. Nada disto é "fado", essa "força superior que se crê controlar todos os acontecimentos" e que eu gostava que fosse o Ministério da Saúde.
Percebo a intenção e acho bem que se façam campanhas a mostrar a importância de uma educação para a igualdade de género e como essa educação começa com o exemplo de quem educa (que não são apenas os homens como o vídeo faz parecer) mas não gosto do modo como foi feita: a vitimizar as mulheres, a culpar todos os homens e, sobretudo, a dar a entender que uma pessoa, se nasce mulher, precisa da protecção do pai (a mãe nem é referida) para não ser violada ou abusada de outro modo.
Não me parece bem nem justo nem eficaz este discurso de vitimização. Uma coisa é falarmos no assunto -o que é necessário- e batalharmos para o fim da discriminação de género, outra bem diferente é fazer das mulheres todas umas coitadas, indefesas a precisar de protecção do papá. É como a cena das violações nas faculdades americanas que está de tal maneira que até parece que todos os jovens rapazes são criminosos violadores e que todas as raparigas são vítimas. Há até assuntos que os professores não abordam nas aulas com medo deste clima. Mais vale que acusem os violadores, de facto, sem rodeios, do que deixarem crescer um clima de suspeição sobre todos. Mais vale que afastem professores com práticas machistas discriminatórias e ofensivas óbvias que deixarem crescer um clima de suspeição sobre todos o que perverte as relações entre as pessoas.
Este discurso do, 'papá protege-me que os rapazes são lobos maus e porcos' é o discurso que leva as sociedades teocráticas a mandar tapar as mulheres e escondê-las em casa longe do espaço público onde só se vêem homens.
As mulheres não são 'puppies', são seres humanos de pleno direito.
Hoje, em Almada, o irmão do moço que tira fotocópias a preços caríssimos - aquele que acusou miúdos vítimas de abusos de serem os maus da fita -, rodeado de senhoras com ar de noelistas, comparou-se mais à sua situação ao Humberto Delgado!
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.