Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Coisas boas é esta iniciativa de lançar uma colecção de biografias de personalidades portuguesas de interesse. Estou já com a curiosidade aguçada para duas ou três personagens.
Coisas más é o estado decadente da BN por falta de fundos, seja para renovar pessoal, seja para restaurar material ou para fazer aquisições. E porque é que a BN não tem dinheiro? Porque entre 2007 e 2017 os bancos comeram 24 mil milhões de euros para cobrirem as suas fraudes financeiras e manterem o nível de vida dos banqueiros.
Acrescentou João Pedro George que a BN precisa de “condições de trabalho dignas”, que tem “um quadro de pessoal envelhecido e deficitário” e que está “totalmente desprovida de meios” quanto às suas responsabilidades de preservação e restauro. Criticou ainda a “não existência de fundos para uma política séria de aquisições”,
Uma autobiografia e uma estrada construída de esperança. Muito bem escrito.
Estou a ler esta biografia do Lincoln. Eu sabia que ele vinha do Kentucky, de meios pobres, daqueles que endurecem as pessoas à força de lidarem com a miséria, a violência, a doença mental, a dureza dos Invernos sem aquecimento e os baixos costumes mas, não sabia que ele tinha chegado aos vinte anos só com um ano de escolaridade regular; não sabia que ele se ensinou a si próprio matemática, retórica, literatura, história... não sabia que ele escrevia poesia.
O homem teve uma vida fantasticamente improvável mas real, uma vida excepcional. Não admira que os americanos acreditem no 'sonho americano' se este e outros como ele são os seus modelos. A vida dele é inspiradora. Na realidade, embora todos sejamos humanos e tenhamos traços comuns, não somos todos iguais. Alguns parecem reunir, não uma característica excepcional, mas todo um conjunto delas e, invulgarmente, parecem tê-las todas num grau de desenvolvimento superlativo.
Acabo de ler que esta biografia do Pessoa que saiu há pouco tempo conclui, entre outras coisas, que o Pessoa, afinal, não tinha imaginação. E isto porquê? Porque as coisas, sítios e objectos de que fala existiram mesmo, não foram inventadas. Por exemplo, a tabacaria da Tabacaria existia mesmo. ??? E então??
Vamos lá pensar um pouco. A tabacaria da Tabacaria não é uma tabacaria, é um símbolo que contrasta, na sua concretude, com a angústia da existência que se desvela na reflexão introspectiva. Tal como a rapariga que se lambúza com os chocolates (e que se calhar foi mesmo vista) e ainda não se interroga sobre o sentido da sua existência. O próprio Álvaro de Campos da Tabacaria não é apenas um eu no seu sofrimento subjectivo imerso em crise existencial: não, ele é toda a Humanidade na luta por se construir existente e dar sentido à finitude.
Quer dizer, o Byron viajou pela Europa para arranjar inspiração, o Hemingway fez caçadas, foi para a guerra para que a vida vivida intensamente lhe desse alimento para a escrita. A maior parte dos poetas, pintores, escultores e outros artistas lutam toda a vida para terem inspiração e buscam, nas viagens ou até na droga alimento para a sua inspiração e é o Pessoa quem não tem imaginação? Pois ao Pessoa bastava-lhe sair de casa e passar pela tabacaria do bairro, ou olhar para os pássaros enquanto estava no café, ou para o Tejo desde o Paço ou, até, nem sequer sair de casa e divertir-se a olhar para as volutas do cigarro. Tudo era motivo e pretexto de escrita, tal era o veio de criatividade que o indivíduo tinha. Qualquer coisa e tudo o inspirava. As coisas, para outros, banais, eram para ele simbolo de qualquer coisa que vivia por dentro e transbordava para o papel. Nada era o que é, tudo era alguma coisa com um sentido e um propósito poético. E este senhor diz que ele não tem imaginação?
Eu, pessoalmente, quando penso no Pessoa vejo um indivíduo que vivia em carne viva.
Não admira que hajam apenas três biografias dele. É que o mais interessante do Pessoa não foi a vida exterior na rotina do escritório, ou até os amores com a Ofélia (tinha que ter este nome...) mas a vida interior, a turbulência que se passava no seu interior.
O Pessoa não tinha imaginação? Não inventou nada? O homem iluminou os estados de alma mais recônditos do ser que somos, traduziu-os em palavras e deu-nos como espelhos para que nos possamos reconhecer.
Não tinha o quê?
Um artigo muito bom sobre Joseph Brodsky (a propósito da biografia dele que acaba de sair), o poeta russo que foi preso aos 24 anos, acusado do crime de escrever poesia: ser um parasita sem emprego regular, um escritor de coisas inúteis, nas palavras dos acusadores. Ficou preso apenas umas semanas porque uma onde de personalidades juntou-se para pressionar a libertação dele, ou melhor, não propriamente dele que era um desconhecido, mas do poeta, da poesia. A libertação da poesia.
Um excerto do interrogatório dele, tal como vem citado nesta biografia da autoria de Lev Loseff:
Judge: What is your profession?
Brodsky: Poet. Poet and translator.
Judge: Who said you were a poet? Who assigned you that rank?
Brodsky: No one. (Nonconfrontational.) Who assigned me to the human race?
Uma biografia a ler, decididamente.
Isto foi o que disse Leonard Bernstein de Wagner, o compositor que afirmou, Destruirei a ordem estabelecida que separa o prazer do trabalho, que faz do trabalho um fardo e do prazer um vício, que torna um homem miserável por indigência e outro por superabundância.
Wagner é, de longe, o compositor que mais ódio e amor inflama nos outros. Ninguém é indiferente à sua figura que uns idolatram, outros odeiam e, outros ainda, como Bernstein, amam e odeiam na mesma dose. Com a música é a mesma coisa: uns adoram, outros detestam.
Hoje comprei um pequena biografia de Wagner -mais outra- e já li umas dezenas de páginas na viagem entre Lisboa e Setúbal. Nenhuma biografia, até hoje, me satisfez. Chego sempre ao fim com aquela sensação de faltar qualquer coisa...e de não ser ainda desta que alguém conseguiu dar uma certa unidade, ou fio condutor às inúmeras contradições que o configuram.
Esta é escrita por um autor de librettos de ópera, dramaturgo, novelista, romancista, tradutor e crítico da Academia Real Belga. Vamos ver se é desta.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.