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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Outro grande filme. Sobre as raízes do racismo e daquela mentalidade provinciana americana em geral. Pouco valorizado, talvez por ter uma abordagem não demagógica nem populista. Tem uma única cena violenta com um indivíduo negro. Acho que é o único filme que conheço que aborda o tema no sentido de compreender o racismo e o fanatismo intolerante na sua génese e não apenas de o explorar nas suas manifestações de violência com 'os bons e os maus' como fazem os outros. Aliás, o filme é tão bom a compreender a origem do ódio extremista que podia ser sobre a homofobia ou o sexismo ou a intolerância religiosa, por exemplo.
Passa-se no Iowa. O FBI pensa que um grupo de extremistas de lá anda a matar judeus, negros e gays e manda uma agente infiltrar-se para descobrir. A agente estabelece ligação com o principal suspeito e a história desenvolve-se a partir daí. O principal suspeito é o personagem principal do filme, o individuo que é traído por todos: pelo amigo, pelo governo, pelo banco e, no fim, por ela. Faz parte dum grupo de gente (tipicos americanos de classe baixa) que perdeu os pais/filhos no Vietnam, as quintas para os bancos e multinacionais, descrê do governo e das leis que os tramam sempre e a quem vêem como inimigos a abater numa guerra patriota. Esses grupos atraem os frustrados da vida que querem vingança e psicopatas à procura de license to kill.
Confiam numa interpretação provinciana da Bíblia e nas armas e treinam os filhos, desde que nascem, nas duas coisas. Educam os filhos entre os discursos dos padres sobre as tradições, a ordem patrialcal, o diabo, os judeus, a SIDA, os polícias negros, o juízo final, por um lado e, por outro, a ideia de uma Terra Prometida aos justos, que são eles, claro.
Desde que nascem que são inculcados com estas ideias e práticas de modo que é o que acham normal. Crescem a odiar os gays, negros e os judeus e a acreditar que não são seres humanos mas alvos inimigos a abater.
São pessoas contraditórias. O filme é bom nisso de mostrar-nos as contradições das pessoas: como pessoas inteligentes são capazes de actos estúpidos, como pessoas afectuosas são capazes de actos de enorme violência e ódio. E como inventam sempre desculpas, pseudo-justificações, racionalizações, para o mal que fazem.
Ela, a agente infiltrada, está dividida entre ele, por quem se apaixona, de início, e os filhos dele, de quem gosta e o FBI, que não hesita em matar todos os que quer tirar do caminho e que usa as pessoas como coisas. Ninguém é inocente, a não ser as crianças e as vítimas que morrem às mãos destes grupos de fanáticos.
Um filme que nos põe a pensar e que ensina alguma coisa sobre as consequências das sociedades corruptas, cheias de desigualdades, guetos e injustiças sociais e a importância da educação humanista na formação de sociedades tolerantes e inclusivas.
Os actores excelentes, desde os dois principais protagonistas até às crianças. Um filme excelente. Acaba mal, claro. Deixa-nos um amargo de boca pela tristeza que é ver seres humanos com enorme potencial decente tornarem-se indecentes sem remissão. É sempre mais fácil pensar que os maus são completamente maus e os bons são completamente bons. Mas a realidade raramente é assim.
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