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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Tenho as turmas do 10º ano a fazer o 1º teste. Duas já fizeram na semana passada e tenho que vê-los hoje. Os outros são de uma turma com alunos que querem boas notas e estão inseguros porque nunca fizeram nenhum teste de Filosofia, embora lhes tenha dito que não faço testes difíceis nem acredito em testes difíceis e muito menos com armadilhas. Acredito em testes e trabalhos que testam o que andamos a falar e as técnicas que andaram a aprender - embora ponha sempre nos testes uma questão para ver se há ali algum aluno daqueles que vão mais além e que precisam de outro tipo de alimento.
Disse-lhes para mandarem um email se tivessem dúvidas. Sábado recebi uns emails. 'Professora, pode explicar este tópico e este e mais este?' !!?? Ou seja, queriam um texto sobre cada assunto. LOL É claro que não fiz tal coisa. Mas o que isto significa é que não sabem expôr dúvidas. Isto é típico dos alunos do 10º ano. Lá expliquei de volta que uma dúvida é uma incerteza ou uma dificuldade e não uma ausência total de conhecimento sobre todo um assunto e que primeiro é preciso estudar e só depois se vê quais as incertezas e dificuldades que ficam por perceber ou resolver. Responderam de volta a pedir desculpa. Agora estou à espera de emails de dúvidas porque o teste é amanhã. Vamos ver.
Outro dia estive a falar nas aulas do Cosmos e do Caos na acepção grega, antiga, dos termos, de Ordem e Desordem (isto a propósito dos mitos cosmogónicos) e depois fiz um paralelo com a produção de texto, quer dizer, como um texto bem estruturado e ordenado é belo como um pequeno Cosmos e o desastre que são os textos caóticos.
Como os miúdos gostaram do assunto, resolvi pôr no teste uma imagem de um Cosmos para eles se lembrarem de ter cuidado no modo como estruturam as respostas. Levei um tempão até achar um que me agradasse porque, já agora, quis aproveitar para ir educando o gosto! É este que se vê em baixo.
Descoberto na Alemanha há uns anos, é da Idade do Bronze. Um disco celestial que representa o céu e alguns corpos celestes. É lindo, com o ouro das estrelas e planetas aplicado sobre aquele azul esverdeado brilhante.
Enfim... cenas... às 11 e meia da noite a perder tempo com estas coisas...
Disse aos miúdos que podiam mandar emails se tivessem dúvidas. É o que estão a fazer... quer dizer que estão a estudar. Nada mau.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) considera a profissão de professor como uma das profissões de risco. Risco físico e psicológico. Nem sempre foi assim.
As escolas estão ao abandono. Desde a Lurdes Rodriges que deixaram os professores ao abandono... destruiram a carreira e as condições de trabalho (excepto a meia dúzia deles a quem deram privilégios que originaram grandes vícios). Fizeram da profissão uma profissão de risco de integridade física e psicológica. Incentivaram o conflito dos pais contra os professores.
Os professores têm turmas a mais, tarefas administrativas que não lhes pertencem, toneladas de papelada idiota que só serve para os dirigentes se promoverem; as escolas não têm funcionários, as turmas estão cheias até ao limite, todos os anos os governantes inventam uma disciplina ou um projecto obrigatório para porem ao seu peito como medalhas de honra e que só servem para aumentar o nosso trabalho sem proveito para os alunos, os pais vão às escolas despejar as suas frustrações e incapacidades em cima dos professores e todos os dias há agressões e ofensas de alunos e de pais a professores. Os professores estão desmotivados, envelhecidos e exaustos.
Hoje em dia, dado que as equipas dos sucessivos ministérios, desde a Rodrigues, são os primeiros a detestar e não ter respeito pelos professores, é preciso ter muita resistência para aguentar os pais virados contra os professores.
Os pais demitem-se das suas responsabilidades (dizem-nos na nossa cara que não são capazes sequer de mandar os filhos à escola porque eles não querem ou que não os levam a um médico porque não têm paciência para os hospitais) e depois vão à escola gritar com os professores; os alunos inventam mentiras sobre os professores (como se lê nesta peça onde a aluna se arranhou para se fazer de vítima) para se desculparem perante os pais, os pais acham que mandam na escola e nos professores... há tempos tentei explicar a uma aluna que não é ela que define o que é urgente tratar, porque só conhece o seu problema e não o de todos os alunos e que somos nós, que sendo DTs e conhecemos os problemas de todos os alunos, que definimos o que é urgente e o que não é urgente... quer dizer, era como eu entrar no hospital com uma borbulha e fazer uma cena com desmaios e gritos por não me passarem à frente de um doente com um ataque cardíaco. E não tendo conseguido passar, ir depois inventar que me empurraram ou algo do género... e o ME apoia tudo contra os professores. Tudo!
Como consequência, ninguém quer ser professor, de modo que vão para lá pessoas sem experiência nenhuma, alguns que ainda no ano anterior eram alunos, sem estratégias para lidar com miúdos, adolescentes em bando, e que acabam a ser gozados ou humilhados, com vídeos nas redes sociais feitos nos telemóveis, pelos putos. Depois alguns reagem muito mal...
Ao contrário do que dizem os que mandam nisto tudo e seus jornalistas sicofantes, isto de dar aulas não é para qualquer um. Formar, informar e educar grupos de miúdos adolescentes, com raízes, ambientes familiares e contextos completamente díspares, pessoas bem formadas e outras já muito mal formadas, conseguir que se concentrem, trabalhem, interessem e respeitem as regras da casa, dentro e fora da sala de aula, não é nada fácil, como qualquer um que tenha um filho que seja, sabe muito bem. Muitos pais nem conseguem que o seu único filho, morando quase em frente à escola, chegue a horas às aulas.
Cada vez mais isto há-de acontecer porque a profissão está em decadência. Ninguém a quer e, num futuro próximo, vai transformar-se numa profissão de tarefeiros sem formação nem interesse pela profissão, isto é, pelos alunos.
A aluna discutiu com a assitente operacional a quem insultou e chamou preta. Um professor que estava por ali interveio, tentando restabelecer a ordem. A aluna descontente com a situação, terá ido para trás do pavilhão onde havia decorrido aquele episódio, arranhou o seu próprio pescoço e veio aos gritos dizendo que tinha sido agredida.
Após a hora do almoço, o pai da aluna e a jovem foram para a porta da escola e agrediram barbaramente o professor que interveio e tentou apaziguar a situação entre a funcionária e a aluna.
veja-se o aspecto da entrada da escola, toda grafitada, com ar porco... isto já diz muito da direcção e do ambiente da escola...
Disse-me um colega novo que está lá na escola. À conversa acerca de um aluno de uma das minhas DTs concordámos que a turma parece ser sossegada e diz-me ele, 'pois, foi por isso que concorri para esta escola. Diz-se que aqui nesta escola os alunos não dão problemas'. Achei piada.
Isso dos alunos darem problemas ou não darem problemas tem menos que ver com eles -miúdos são miúdos em qualquer parte- e tem mais que ver com outros factores, donde o principal, parece-me, no nosso caso, foram as obras que a transformaram. Na realidade, nota-se uma diminuição brutal dos problemas com os alunos desde que a escola teve obras.
Dantes, as salas eram escuras, esconsas e sujas - os miúdos sujavam mais; as paredes pareciam de papel de modo que o ruído era em nível insuportável e constante. Por vezes tínhamos que parar a aula porque nem nos ouvíamos a falar e porque os alunos ficavam numa grande excitação; certas valências, como a mediateca, estavam dentros dos blocos de salas de aulas e era um entrar e sair constante de pessoas que perturbava as aulas; tinhamos que sair das aulas para ir buscar giz ou um projetor- os alunos ficavam sozinhos; a sala de convívio era escuríssima, sempre com música aos gritos nos intervalos e havia lá sempre confusões entre alunos; as portas opacas - agora vê-se lá para dentro (as obras nas escolas foram uma das duas únicas coisas que a Rodrigues fez bem enquanto foi ministra).
É claro que outros factores também pesam: os DTs serem pessoas com experiência e saberem lidar com os alunos e com os pais; a direcção da escola não se acobardar, nomeadamente com os pais dos alunos complicados e não desautorizar constantemente os professores; os funcionários serem pessoas com experiência a quem os miúdos respeitam, etc.
Mas pronto, não sabia que a escola tinha essa fama.
alunos-nota-20-eles-podiam-entrar-no-curso-que-quisessem (DN)
Endeusam estes alunos. O ensino está tão facilitado que qualquer aluno que tivesse um bom método de estudo, um plano e alguma autodisciplina passava sempre sem problemas mas como inculcam nos alunos que a responsabilidade de passarem cabe aos professores, nas escolas e, fora delas, na sociedade, endeusa-se qualquer aluno que assume o seu papel de estudante.
Uma pessoa apanha alunos no 10º ano que vêm com nota de 5 a tudo e não sabem o mínimo, nem sequer de como trabalhar na sala de aula... pior, às vezes apanhamos turmas no 12º ano que vêm com grandes notas e convencidos que são excelentes e estão ao nível do 10º ano, na organização de trabalho e autonomia.
Outro dia, à conversa com a minha médica oncologista, que também dá aulas na faculdade de medicina, a propósito do filho dela ir agora para o 10º ano, ela disse-me que os alunos que entram para a faculdade são muito bons a decorar mas não são capazes de relacionar dois conceitos autonomamente e que isso é mau porque um médico tem que ser capaz de estabelecer relação entre as vários sistemas do corpo para fazer um diagnóstico. Além disso, são pessoas muito ignorantes, quer dizer, sabem de química e são bons a matemática mas isso não chega. Não lêem, não pensam, não sabem o que se passa no mundo.
Pois, como é que chegam assim às universidades? Eu sei. São os jornais, as escolas e todo este ensino vocacionado para infantilizar e endeusar qualquer aluno que estude e saiba escrever o nome sem se enganar em vez de se queixar dos professores, da escola, das matérias, e que é tudo chato e depois vem o ME e diz que os alunos não estão em constante prazer e outras parvoíces do género.
Nas escolas e nos discursos oficiais só valorizam a matemática como se fosse um saber que se basta a si mesmo e desvalorizam todas as outras disciplinas. É claro que os próprios alunos interiorizam estas escalas deturpadas de valores e, sendo bons a matemática, acham-se extraordinários e tratam-nos como prodígios...
Não se trata de desvalorizar o mérito de quem estuda para 20, trata-se de ter uma perspectiva equilibrada do que significam os 20s no contexto da educação.
Um aluno não precisa de ter 20s para ter sucesso e para ter um percurso escolar e uma vida assertiva e vivida com satisfação. Estas notícias põem os alunos que não chegam aos 20s a avaliarem-se como incapazes ou inferiores, o que é absurdo. Há alunos muito inteligentes e muito bons numa determinada área e, no entanto, não tiram 18s e 20s e estas notícias são para eles como as capas das revistas cheias de modelos a fazerem crer as raparigas que são todas feias e gordas.
Mas isto não é evidente?
Há pedacinho recebi um email duma rapariga que foi minha aluna entre 2015/16 e 2017/18 duma turma excepcional. Enviou uma fotografia para o caso de já não me lembrar dela. Como se esquecesse essa turma... muito querida, quis pôr-me a par do que andava a estudar e a fazer e queria saber de mim. Continua muito entusiasmada com a vida, o que me deixa muitíssimo satisfeita.
Hoje de madrugada li um artigo de um professor americano que se reformou três anos antes do tempo. O artigo é uma justificação dessa decisão. Ele conta como era um professor entusiasmado e carismático, fala da atmosfera que conseguia criar dentro da sala de aula, da experiência de crescimento e de aprendizagem e de como tudo isso desapareceu com os portáteis e os smartphones, focos permanentes de dispersão, de isolamento e silêncio onde antes havia questões e da falência da própria experiência de aprendizagem enquanto experiência social. Os alunos, diz ele, deixaram de olhar para ele, vão batendo nas teclas e pelo meio vão ao FB, atendem chamadas, vão à internet ver uma perspectiva alternativa ao que ele está a dizer e ele deixou de sentir-se ligado às turmas e aos alunos.
É um professor universitário mas fala da incapacidade de ter os alunos atentos e refere que muitos professores de escolas e de universidades lhe contam que já não têm autoridade dentro da sala, que os miúdos não querem saber de nada e que isso já chegou aos colégios privados, onde costumava haver turmas interessadas com alunos brilhantes.
Há qualquer coisa que não bate certo nisto. Eu não tenho esta experiência, pelo contrário. Mesmos com as turmas com as quais não me dou bem nem mal, por assim dizer, há um clima de trabalho. É verdade que não deixo usar o telemóvel dentro das aulas a não ser em certas ocasiões muito específicas e controladas, para trabalhar, e é no fim do ano, quando já tudo é muito claro. Sou muito rigorosa com isso.
Mas quer dizer, dou aulas numa escola pública de uma zona que não é rica e, no entanto, a minha experiência é positiva. A maioria das turmas é razoável com alguns bons alunos e volta e meia apanho uma turma excelente, como a desta rapariga. Turmas com muitos bons alunos e gente interessada, empenhada.
É muito mais raro apanhar uma turma de gente desinteressada que apanhar uma turma de gente interessada. É claro que não é fácil, no 10º ano, pôr os miúdos a trabalhar porque a quase totalidade não tem método de trabalho nem de estudo, nem dentro nem fora da sala de aula mas é para isso que nós, professores, existimos e, uma vez que lhe apanham o jeito, muitos tornam-se entusiasmados com as coisas.
Assim de repente, nos últimos cinco anos tive três turmas muito boas, a desta rapariga e mais duas.
Faço regularmente amigos entre os alunos. De modo que não percebo bem estes testemunhos.
Os alunos continuam a ser seres humanos e que eu saiba os seres humanos não desenvolveram escamas de modo que continuam como sempre: a maioria não gosta de estudar mas gosta de aprender, mesmo que tenham interesses limitados; no entanto, têm potencial para alargar os interesses e fazem-no.
Enfim, espero não vir a ter, nunca, o discurso desiludido daquele indivíduo, relativamente aos alunos.
É verdade. Dei 20 a uma aluna do 11º ano. É a segunda vez em toda a vida profissional que dou um 20 no fim do período, na disciplina de Filosofia. A primeira vez foi a uma rapariga, agora uma mulher de 29 ou 30 anos, de quem fiquei amiga. A melhor aluna que já tive. Está em Cambridge e é editora numa editora universitária - por cá muita gente lhe quis dar emprego mas sem salário, como eterna estagiária... Era uma aluna com uma cultura já vasta para a idade, uma inteligência penetrante e muito filosófica e uma linguagem muito sofisticada e elaborada para a idade.
Esta rapariga deste ano é diferente. Era duma turma de ciências experimentais e tinha -tem- um espírito mesmo vocacionado para as ciências: muito analítica, metódica, perseverante e muito focada. Uma grande voracidade de informação. No 11º ano, à conta do tema da Lógica, os bons alunos tiram grandes notas porque aquilo é facílimo mas, a média dela, na realidade, era de 19.
No entanto, ela resolveu um desafio de lógica que dou aos alunos do 11º ano no 1º dia de aulas. Dou-lhes o ano todo para o resolver e prometo um valor de bonificação na nota ao primeiro que aparecer com a solução. Faço isto há uns 12 anos. Nunca ninguém o tinha resolvido. Pois ela resolveu-o e como boa pré-cientista que já é, fotografou o processo da solução para eu poder verificar. Hence... 20 valores. O prometido é devido.
Agora vou ter que arranjar outro desafio.
1. Os professores não são iguais e não têm que esperar que eu seja uma continuidade do passado, tenha esse passado sido uma experiência positiva ou negativa. Tenho muitos anos de experiência e de afinar instrumentos pedagógicos e orientar alunos no trabalho. Dêem-me o benefício da dúvida.
2. É mesmo importante ler os papéis que enviamos no início do ano acerca das regras da escola e da disciplina para evitar dissabores e conflitos. É chato? Pois, mas é necessário. Tem dúvidas acerca das regras? Mande um email, ligue, apareça, pergunte.
3. Encoraje @ seu filh@ a falar comigo quando tem algum problema em vez de de ir a correr à escola falar por el@. Encoraje a autonomia. Encoraje a responsabilidade: chegar a horas, trazer o material. Não trabalho só com o seu filh@. A turma tem lá mais 29, por exemplo. Se cada um não cumpre as suas responsabilidades o trabalho com a turma não é possível e todos os alunos perdem. Encoraje-@ a fazer a sua parte.
4. Vá às reuniões de pais ou/ à hora de atendimento. O comportamento e o sucesso dos filhos está muito ligado ao interesse que vêm os pais ter pela sua vida e progresso escolar.
5. Encoraje @ seu filh@ a ter um plano de estudo e a segui-lo. Poupa imenso tempo e traz enormes benefícios de organização, sistematização, evolução mental, auto-estima, capacidade de projecção no futuro, capacidade de assumir projectos, direcção no estudo e na vida, etc.
6. Não faça os trabalho de casa ou os projectos d@ seu filh@. Ajudar não é fazer, é dar orientações. Os alunos perdem oportunidades de aprendizagem por causa do perfeccionismo, orgulho ou ansiedade dos pais.
7. Não dou más notas. Não dou notas. Os alunos é que as tiram. E tiram-nas más por não trabalharem, por não cumprirem. É frustrante ter que dar uma nota má a um aluno mas por vezes tem que ser, quando estão a ficar para trás por não trabalharem.
8. Em vez de pedir notas altas peça oportunidades de trabalho para subir as notas.
9. Um aluno que trabalhe e está em cima dos assuntos é um aluno exigente. Eu vou até onde os alunos me exigem. Terem professores à disposição que se interessam por eles e poderem sugar tudo o que o professor sabe e é capaz de dar em termos de conhecimentos e experiência é uma oportunidade que têm na escola, mais ou menos de borla, e não voltam a ter nunca mais na vida a não ser pagando caro, e é se conseguirem arranjar alguém que se interesse por eles. Aproveitem-na ao máximo.
10. Por vezes parece que estou a exigir demasiado deles mas é mesmo assim. Tenho experiência de dosear a ajuda porque às vezes os miúdos precisam de lutar pelas coisas e as crises são oportunidades de crescimento psicológico e mental. Se os ajudamos demasiado tornam-se retraídos, sem autonomia, inseguros e desamparados. É que não ensino apenas os conhecimentos ou matérias do programa, também me preocupo com o desenvolvimento dos seus recursos internos (psicológicos e intelectuais) para que sejam capazes de vencer os obstáculos da vida.
11. Lá porque não estou na escola não quer dizer que não esteja a trabalhar. Posso estar a estudar, a preparar aulas, a elaborar fichas ou testes ou guiões de trabalho; posso estar a classificar testes, a fazer formações, a preparar um projecto, a fazer relatórios, actas; posso estar a resolver um conflito entre alunos, entre professores e alunos; posso estar a fazer tarefas da DT, etc. E estas tarefas faço-as aos fins de semana, à noite, nas interrupções lectivas e não apenas durante o horário de trabalho semanal. Mesmo nas férias de Verão, quando dou de caras com ideias ou materiais que me inspiram para melhorar as aulas aproveito-os, não ignoro só por estar de férias. Num certo sentido, estou sempre a preocupar-me com os alunos.
12. Às vezes parece que há injustiça nas aulas. É preciso lembrarem-se que os adolescentes em grupo têm comportamentos que não têm individualmente, de modo que o seu comportamento nas aulas não é uma extensão do comportamento em casa. É uma situação diferente, formal, de trabalho em grupo social. Ao trabalhar com o grupo-turma tenho que levar em conta o efeito que o comportamento de cada um tem no trabalho do grupo e no seu próprio desenvolvimento. Tento ser justa, tenho muita experiência e muito raramente tenho problemas de comportamento com alunos mas no início de conhecer uma turma há sempre um medir de forças e é necessário que os pais me deixem trabalhar.
13. Eu estou do lado dos alunos e não contra eles. Quero ter boas relações com os alunos e com os pais porque sei que isso é importante para conseguir fazer bem o meu trabalho. No entanto, às vezes pode não parecer, se não tiverem uma perspectiva ajustada dos voss@s filh@s. Compreendam que todos os adolescentes mentem. Por favor, não venham à escola dizer, '@ meu filh@ nunca mente'. Os adolescentes, sobretudo quando se sentem 'apertados' com as notas ou com faltas que não deviam ter dado, inventam uma mentira para escapar à censura ou ao castigo. Às vezes até nos dizem. Lembrem-se de quando eram adolescentes. Não é dramático e é muito normal, mas é importante virem à escola para perceber o que se passa em vez de virem como advogados de defesa em situações onde o necessário era ajudarem os filhos a não inventarem desculpas para o que não querem fazer. Por vezes os miúdos nem mentem. Acontece que não têm a perspectiva da turma e são extremamente subjectivos, individualistas a julgar as situações. O que também é normal. Eu ajudo a corrigir essa visão subjectiva mas isso leva tempo.
14. Não tenho só a turma do voss@ filh@. Eu sei que na TV e nos filmes que se passam em escolas um professor tem só uma turma com 25 alunos. Isso não é a realidade. Este ano tenho quatro turmas (já tive 7) que podem ter 30 alunos cada. Trabalho com esses 120 alunos, 4 vezes por semana. É muito e como cada aluno tem as suas necessidades e problemas e cada turma o seu ritmo e dinâmica, não posso largar tudo a correr para ir tratar de um assunto qualquer burocrático de um aluno. Não esqueço os alunos mas preciso de tempo.
15. Gostava que soubessem que o que se diz nos jornais e na TV acerca dos professores -que são todos faltistas, que é um trabalho sem exigência intelectual que só os burros fazem, que não querem saber dos alunos, que só pensam em si e na carreira, etc., são mentiras e que não devem ouvir os governantes nesta matéria. Não sabem do que falam, não têm conhecimentos nem experiência de lidar com alunos, nem percebem o que é a profissão e não se dão ao trabalho de falar connosco. Se querem saber o que é a profissão de professor, têm que falar com professores e não com profissionais do voto.
16. Gostava que soubessem que encaixo muitas vissicitudes e estados de alma dos alunos. Eles vêm para as aulas todos os dias e trazem às costas os problemas lá de casa, as experiência de ser estudante e as experiências próprias da idade/desenvolvimento. Sendo adolescentes, muitas vezes descarregam em cima de mim essas tensões internas. Alguns vêm pedir ajuda. Estão mal, têm depressões, sentem ansiedades, têm inseguranças, têm famílias em situações dramáticas, não têm dinheiro para comprar os óculos, pensam no suicídio, são vítimas de bullying, etc. Também os pais aparecem na escola a pedir ajuda e por vezes a desabafar os seus problemas individuais. Às vezes choram porque as suas vidas são muito difíceis e estão sozinhos a suportar tudo. Uma pessoa lida com isso numa base diária e isso afecta-nos. Tenham respeito.
17. Tudo na educação leva tempo. Tudo precisa de maturação. Não podem querer que os filhos comecem o ano a tirar 20s e a ser excelentes. É preciso deixar-me trabalhar com tempo. O tempo é meu/nosso aliado.
18. Gostava que compreendessem que não ando atrás dos alunos na escola. Não sei, nem me cabe saber se têm namorad@, se são amigos dest@ ou daquel@, nem me cabe o papel de informador desses assuntos.
19. As minhas aulas são espaços de respeito e confiança. A confiança leva tempo a construir mas eu sei como construí-la. Faço isto há muito tempo. Não estraguem essa confiança com as vossas ansiedades.
20. Finalmente, gostava que percebessem que percebo os alunos muito melhor do que eles e vocês pensam que percebo. No entanto, é suposto eles não se aperceberem a não ser até certo ponto. É uma aula de filosofia. Ensino, oriento, ajudo, às vezes sou amiga, já fui mentora de muitos alunos; mas não sou mãe deles nem quero que me vejam como um agente maternal. O meu objectivo é que os meus alunos ao acabarem o 11º ano de filosofia não precisem de mim, que tenham desenvolvido os recursos intelectuais e psicológicos para se orientarem sozinhos. Para isso é preciso que vejam em mim uma professora. Podem ver uma professora orientadora, uma professora mentora ou uma professora amiga mas, sempre uma professora. Tenho muitos anos de ver professores a prejudicarem alunos, sem intenção, por fazerem de agentes maternantes, fofinhos que tudo desculpam e nada exigem, que vêm os alunos como coitadinhos de quem se deve ter peninha... e com isso castram os alunos das suas possibilidades e desenvolvem neles a auto-indulgência, o desleixo, a falta de brio e a mediocridade. Por favor não esperem isso de mim. Levo a filosofia a sério, levo o meu trabalho a sério e levo os alunos a sério.
Depois de ter lido ontem, num jornal, que a maioria dos jovens portugueses não sabem quem foi quem e quem fez o quê no dia 25 de Abril resolvi começar as aulas a perguntar aos alunos quem tinham sido as pessoas importantes no decorrer e desfecho dos acontecimentos desse dia.
Numa das turmas, do 11º ano, duas alunas sabiam os nomes de Salgueiro Maia e Otelo. Uma delas sabia que Salgueiro Maia se tinha arriscado a levar um tiro. Não sabiam mais nomes nem sabiam ao certo o que é que tinha sido feito nesse dia. Uma delas sabia que eram capitães. Então estivémos a falar um bocadinho sobre esse dia e os outros intervenientes, como o Jaime Neves e o Spínola.
Na turma do 12º ano só uma aluna sabia o nome do Otelo mas também não sabia ao certo o que se tinha passado nesse dia. Sabiam todos em geral que os militares tinham tomado o poder. Mais nada.
Falámos um bocadinho sobre esse dia mas pouco porque tenho um programa para cumprir.
O desprezo a que a disciplina de História tem sido votada dá nisto...
Hoje abri o email e tinha uma mensagem de um aluno enviada às dez da noite a pedir para verificar se tinha escrito na folha de teste a versão do seu teste e a pedir para não o penalizar caso se tivesse esquecido. Escreveu, como já calculava, porque é a terceira vez que ele faz isto de mandar emails a pedir para verificar se não se esqueceu de escrever a versão do teste. Este ano fez isto em todos os testes. Acho que não vou responder ao email e só lhe digo na próxima aula porque não quero alimentar estes comportamentos. Aliás, nem sei se vou dizer-lhe que fui verificar porque ele tem que aprender a ser capaz de lidar com estas dúvidas e ansiedades.
Quando estamos a classificar trabalhos na terça-feira de carnaval e recebemos um email d@ alun@ mais ou menos nestes termos, 'boa tarde, professora, desculpe estar a incomodar mas importa-se de me dizer quem é o meu encarregado de educação?' What???!! Opá... esta nunca me tinha acontecido...
Há mais de 20 anos que Sara Nunes, de 44, não assistia a uma aula. A convite da professora de Português da filha, Lúcia Vaz Pedro, voltou a fazê-lo nesta sexta-feira, na Escola Secundária Inês de Castro (ESIC). Estrategicamente sentada ao lado de um dos alunos que mais perturba as aulas, avaliou o comportamento da turma e, ao mesmo tempo, descobriu que o ensino está bastante diferente do que era na sua juventude. "Portaram-se bem porque estavam aqui adultos. A presença dos pais intimida, mas deu para perceber quais são os mal comportados", diz ao DN.
A aula começou com a leitura de um poema, escrito pela professora, ao som de música clássica. Apagaram-se as luzes e fez-se silêncio. "Foi muito revelador para mim. Percebi que a música os relaxa", salienta Sara Nunes. Seguiu-se a interpretação do texto e um exercício. Cada um tinha de falar sobre a sua "montanha mágica" - o objetivo que queria atingir. Quando Lúcia leu os textos (anónimos), Sara emocionou-se. "É muito interessante a forma como se exprimem, os desabafos", sublinha. Sentado no lado oposto da sala, o marido, Carlos Batista, 50 anos, também ficou impressionado com a forma como a aula se revelou "dinâmica e extremamente motivadora". (DN)
Hoje, eu e uma colega concordámos que os alunos são o nosso prozac.
Passados os primeiros tempos de conhecer uma turma (um mês ou dois) temos meses e anos (quando pegamos numa turma no 10º ano e a levamos até ao 12º ano) de boa disposição, jovialidade (os putos não nos deixam envelhecer de espírito a não que que não lhes prestemos nenhuma atenção) e divertimento. É jóia, como dizem os brasileiros. Quer dizer, eles se calhar não se divertem nas aulas mas eu cá divirto-me :) Enquanto estou nas aulas os problemas não existem. Os miúdos têm sempre coisas com graça e se nós somos honestos e leais com eles, eles em geral também o são connosco. Há excepções, claro, mas são isso mesmo, excepções.
Dantes, às vezes irritava-me se me chegavam às mãos no 10º, ou pior, no 12º ano, sem saberem fazer coisas básicas, como pesquisar na internet, saber os passos de um trabalho, tirar apontamentos das aulas... agora rio-me e ensino.
É melhor ensinar e ter a satisfação de os ver fazer do que não ensinar e irritar-se das coisas serem mal feitas, de modo que a minha politica é, 'se posso ensinar, ensino, porque é melhor ensinar do que não ensinar'.
Na verdade, eles gostam de saber fazer as coisas bem mesmo se não gostam de ter que estudar.
Pesando os prós e os contras ganham os prós: os alunos são o nosso prozac.
Hoje ia-me chateando com uma aluna do 11º ano. Tínhamos deixado combinado no 1º período, fazer um teste logo no início deste porque há um tema que acabámos de trabalhar no final do período. Estava a decidir com a turma se faziam o teste na próxima aula ou para a semana e eles propuseram para a próxima segunda-feira para ainda terem uma aula para tirar dúvidas e o resto da semana para rever a matéria. Disse que sim, parece-me razoável. Nisto diz uma miúda, 'ah não marque para segunda-feira que eu faço anos'. ??? O que é que isso tem a ver com o teste? Interrompe-me a aula para dizer isto? Desde quando isso é uma justificação razoável para mudar um plano de aulas ou uma data de teste, perguntei. 'Ah, é que quero comemorar e não quero trabalhar nesse dia'. Epah... ia-me chateando... mas que abuso... disse-lhe, 'olhe, o mundo não pára e certamente o trabalho de todos não vai atrasar-se de cada vez que faz anos, o que alías acontece uma vez por ano enquanto estiver viva. Acontece-nos a todos, é uma rotina e não se pára o trabalho de cada vez que alguém faz anos o que é quase todos os dias'.
Ah, diz ela, mas é que estivémos de férias e eu ainda não estudei. ... 'Quer dizer, não estudou e tem o descaramento de dizer isso na minha cara?' - Por acaso a professora trabalhou nas férias? 'Claro que trabalhei ou pensa que os testes apareceram feitos sozinhos e as aulas se prepararam sozinhas? Olhe, quem quer aprender estuda quando é preciso e quem quer ir para a faculdade é bom que saiba que tem muitas vezes exames em Janeiro passa o Natal a estudar' -Ah, é?, diz ela, que horror.
Não há pachorra.
Há um mito que diz que todos os alunos gostam de aprender e que se não gostam a culpa será dos professores ou educadores mas qualquer professor sabe que isso não é verdade. Todos os alunos gostam de aprender algo mas não tudo. Por exemplo, podem gostar de aprender sobre desporto ou sobre moda e unhas de gel ou sobre 'animés' mas não ligam o mínimo interesse e é com esforço que aprendem sobre os problemas da epistemologia, da lógica ou outra coisa qualquer que implique esforço mental continuado. Não estão habituados. Até podem perceber, e geralmente percebem, o interesse e a importância de estudar as disciplinas ou os temas não não têm interesse pelos temas em si enquanto matéria de estudo. Na aula conseguimos interessá-los mas depois estudar em casa... a maioria não quer e não faz. Têm imensos interesses alternativos que não implicam esforço e têm muitas distracções. Só obrigados pelos pais, ao contrário do que dizem os ministros e secretários de Estado e pedagogos que não trabalham com adolescentes. A maioria dos alunos, se pudesse não estudar e passar sem ter que investir vontade, esforço e trabalho, estudavam zero.
Os políticos que desrespeitam e levam os alunos, os pais e a sociedade em geral a desrespeitar os professores com grande cobardia e ignorância não teriam coragem de meter um pé, sequer, sozinhos, dentro de uma sala de aula de certas escolas ou de certas turmas em qualquer escola.
Esta arma deste aluno francês, sabe-se agora, era falsa, mas não parecia e a professora pensou que era verdadeira. O aluno manda-a tirar-lhe as faltas...
Não há professor que ande pelas escolas públicas que não tenha histórias de perigo para contar.
Nestes trinta e tal anos de ensino, já passei por algumas situações.
Regra geral dou-me bastante bem com os alunos mas já tive alunos que me ameaçaram por lhes marcar faltas quando faltam, já por duas vezes alunos avançaram para mim com uma navalha na mão - isto foi nos primeiros dois anos de dar aulas numa escola com uma tal falta de ética e de disciplina tão chocantes que estive para desistir da profissão; já muito depois, um funcionário de quem fiz queixa por assediar as professoras e, soube depois, as alunas, ameaçou que me havia de 'apanhar na rua e cortar às postas'; muitas provocações dos alunos no início do ano quando ainda não me conhecem; já tive uma turma inteira de desporto que me chegou às mãos num estado de comportamento absolutamente deplorável e habituados a que tivessem medo deles de modo que mediu forças comigo durante todo o ano. Nesse ano, já tinha o blog e ia contando aqui, amiúde, as peripécias dessa 'tug of war', que ganhei, claro, mas aquilo não foram aulas como deve ser.
A última vez que tive uma cena dessas foi há meia dúzia de anos. Um rapaz enorme, mas mesmo enorme, logos nas primeiras aulas, como andava a chatear uma colega, mandei-o mudar de lugar. Recusou-se. Disse-lhe com muita calma mas com a cara nº 3 que ali dentro da sala de aula só havia uma professora, que era eu. Levantou-se e fez peito para me intimidar e disse-me, 'tem a certeza que é a professora que manda?' Epá, saí disparada do pé do quadro, fui andando para ele sempre a olhá-lo nos olhos, cheguei ao pé dele e nem falei, estalei os dedos duas vezes e apontei para a cadeira onde ele tinha que se sentar. Ainda ficou a fixar-me mas eu não desarmo e ele agarrou na mochila e foi sentar-se onde lhe disse. Mas deu um pontapé na cadeira porque estava danado. Disse-lhe, 'agradeço que não dê cabo do material da escola porque também sou eu que o pago com os meus impostos de modo que veja lá como usa o meu dinheiro que me custa a ganhar. E já agora um conselho de borla. Se não quer perder face não não se meta numa guerra sem conhecer o adversário' :)) esse rapaz, que era muito complicado, vim depois a saber porquê, tinha-me um respeito desde esse dia que fazia tudo o que lhe mandava.
Mas enfim, isto não é nada, até tenho poucas histórias porque já cá ando há muitos anos e logo nas primeiras aulas avalio quem está ali à minha frente e sei o que devo fazer. E a esmagadora maioria dos alunos, o que é muito interessante porque isto tem facetas que observamos e que não interessa agora dizer, vêem, logo na primeira aula, o tipo de professor que têm pela frente. E se uma pessoa tem experiência, sabe mostrar muito bem ao que vem. Sempre com o sorriso da cara nº 1.
Mas é claro, nenhum professor tem estratégias para uma arma apontada à cabeça. Já ouvi histórias arrepiantes de situações de colegas com alunos e com pais. Uma colega mais nova que já lá esteve na escola e está lá outra vez disse-me que não foi para professora para ser sargenta. E tem razão. Se quiséssemos ir para a tropa tínhamos ido.
Mas é assim, um professor hoje em dia precisa ter coragem e sangue frio porque apanha todo o tipo de miúdos e de pais que seguem o tom de desrespeito com que os políticos nos tratam e sabem que ficam impunes porque esses poderes políticos põem-se sempre contra os professores. Um professor nunca tem razão. Quem não se lembra do que a Lurdes Rodrigues disse e fez contra os professores? Estamos a viver as consequências do trabalho ignorante dessa mulher. Hoje em dia as palavras são, 'coitadinhos dos alunos, eles aborrecem-se nas aulas porque os professores não prestam e os alunos têm direito a divertir-se'. Enfim, só gente sem cabeça...
Esta professora deste vídeo mostra uma coragem e uma dignidade impressionantes.
Como se diz neste vídeo, dantes para se ser professor era preciso ter vocação, agora, é preciso ter fé.
Os governos sacrificam os professores e a sua reputação para cumprir metas economicistas, degradam a profissão, promovem o desrespeito com os seus constantes ataques, enriquecem alguns à custa do desenvolvimento social e depois pensam que isso não tem consequências e ainda vêm para os jornais dizer que os populismos se devem a pessoas ignorantes. Não, devem-se a pessoas revoltadas.
Os meus alunos não me vêem há meses mas continuam a mandar-me mails a perguntar como estou e a desejar boas férias (pensam que estou de férias). Nice 🙂
Tenho esta conversa/discussão com os alunos desde o 10º ano e continuo pelo 11º e 12º anos. Por dar uma disciplina que iniciam ali no 10º ano e por saber que a maioria, de início, vai achá-la difícil, até ganharem um certo à vontade nas metodologias próprias da disciplina, insisto muito nesta questão de terem que dar oportunidade a novos interesses e serem capazes de auto-motivarem-se para ultrapassar as dificuldades iniciais que sempre existem quando começamos algo completamente novo e que isso é importante para crescerem enquanto pessoas, para lidar com os problemas da própria vida, aumentarem as probabilidades de satisfação com a vida e evitarem ser pessoas que enformam o estereótipo 'trabalho/casa/futebol/telenovelas/trabalho...' ou 'trabalho/shopping/telenovelas/casa/trabalho...'
Não é fácil porque a maioria já vem muito formatada neste sentido de pensarem que as coisas, ou se gosta ou não se gosta delas definitivamente, logo à cabeça. As primeiras pessoas a desenvolver o interesse das crianças deviam ser os pais e os primeiros professores porque entre os seis e os dez anos as crianças interessam-se por tudo e estão completamente receptivas a desenvolver novos interesses. Na adolescência, quando começam a preocupar-se em comparar-se com os outros e se tornam muito conscientes e receosas de tudo o que entendem como 'defeitos' e 'incapacidades' é muito mais difícil fazer esse percurso.
Nas aulas tenho um nome para isto, chamo-lhe 'atitudes para a aprendizagem', tenho alguns testes de auto-diagnóstico para os alunos se avaliarem nos seus pontos fortes e fracos em diversas áreas formativas fundamentais para a aprendizagem positiva e que incentivo façam duas ou três vezes ao longo do ano para poderem ver a sua progressão e avalio-os eu mesma nas práticas de trabalho de investimento em sala de aula sem as quais não pode haver aprendizagem.
Eu própria sou um exemplo desta ideia de que as paixões de desenvolvem com persistência, conhecimentos e experiência, já que fui parar à educação por acaso, não era coisa que me interessasse muito, o que me interessava era a Filosofia, de início foi difícil, mas acabei por desenvolver um enorme gosto pela profissão. Na verdade, cada vez gosto mais do trabalho com os alunos nesta idade da adolescência em que os apanho.
O discurso dos governantes e opiniadores sobre os professores terem que ser pessoas que vão para a profissão com grande paixão pela educação, que devem ter espírito de missão, etc. (termos que fazem lembrar o que dizem às mulheres acerca de serem mães - lá está, penso que esta profissão é mal tratada por ser uma profissão maioritariamente de mulheres) não só é irreal (de facto, imensas pessoas que desde novas querem muito ser professores, quando chegam à realidade da profissão desiludem-se e desistem ou não são capazes de ultrapassar-lhes as dificuldades) e ignorante como é pernicioso no sentido de levarem as pessoas a duvidarem da sua capacidade de progredir enquanto professores pelo facto de não terem tido uma paixão de freira pela profissão.
É por isso também que a avaliação de professores não pode ser uma acto de punição (esse desejo de punir professores e o discurso de ódio dos governantes contra os professores parece-me sempre muito freudiano) mas devia ser um trabalho que permitisse às pessoas crescer na profissão. Tantas medidas na educação são tomadas contra as possibilidades das pessoas crescerem e desenvolverem gosto pela profissão... tratam as pessoas como inimigos a abater, criam as piores condições possíveis, físicas, intelectuais e psicológicas, mostram grande ignorância no que respeita às dinâmicas dos alunos, individuais e grupais, em sala de aula, obrigando a práticas estéreis e anti-pedagógicas e depois esperam paixão pela actividade profissional e lealdade aos chefes...
Não quer isto tudo dizer que não haja pessoas com grandes talentos e paixões desde muito novas, que as há mas, em primeiro lugar essas são uma minoria e, depois, mesmo essas, têm espaço para desenvolver interesses noutras áreas que não a da sua paixão.
Ainda ontem vi um pequeno documentário sobre uma rapariga que tem agora 12 anos mas que desenha e pinta desde os quatro anos com um talento parecido aos dos autistas 'savants'. A mãe dizia que ela na escola só frequenta as disciplinas que gosta e lhe interessam e que por isso não estuda matemática nem biologia e que acahava que todas as crianças só deviam estudar o que gostam. Achei um discurso tão pobre e fez-me pena a miúda, desde nova, tendo tanto talento, ser impedida de desenvolver-se integralmente e até de melhorar a sua arte com intersecção de conhecimentos de outras áreas.
A maioria dos miúdos, é na escola que tomam contacto com áreas de estudo e trabalho diversificados que lhes abrem portas de interesse e crescimento e um currículo reduzido ao essencial ou ao que 'se gosta' é um fechar de portas no período da vida em que mais interessa abri-las.
Se aplicarmos estas ideias à alimentação vemos como isto é pernicioso: se déssemos às crianças apenas o que gostam de comer e não as levássemos a comer comidas que à partida não gostam, os miúdos só comiam doces e batatas fritas em frente à TV e a videojogos. Aliás, hoje em dia muitos pais têm estas práticas e estes discursos com os filhos mas depois esperam, ao mesmo tempo e muito contraditoriamente, que eles na escola sejam alunos esforçados e trabalhadores ou que os professores os transformem, miraculosamente, em tais pessoas, capazes de investir em áreas que não são imediatamente aprazíveis. Depois dizem que os miúdos se aborrecem nas aulas. Pudera...
As minhas alunas que foram a exame portaram-se bem e foram lá tirar positiva, sendo a manter ou a baixar muito ligeiramente a nota, o que me deixa muito contente, a mim e à professora que me substituiu no 3º período e acabou de dar a matéria pois também contribuiu para este resultado. Ainda bem. Disseram-me que o exame foi complicado na escolha múltipla mas não sei, não o vi. Não quero piorar as náuseas com o stress dos exames.
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