Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Mesmo as grandes civilizações como a do Egipto dos faraós. É preciso não deixar morrer a História e aprender com ela.
Palácio de Cleopatra, descoberto recentemente debaixo de água.
(Ancient "Lost" City's Remains Found Under Alexandria's Waters)
Fui ver o filme Agora sobre a Hipátia de Alexandria.
Algumas coisas estão muito boas: o carácter filosófico dela, visível no modo como pega num problema e o persegue até encontrar resposta e como cada resposta leva a novas questões e como fica absorta e obsessiva na procura dessa verdade, de tal modo que mesmo no meio de conturbação social e de perigo de vida, a sua prioridade é a procura do conhecimento e da compreensão.
No filme o temperamento filosófico dela recai sobre o movimento dos astros em órbita e nos cálculos matemáticos dessas revoluções celestes.
A relação que ela tem com o escravo que até ao fim a ajuda nos cálculos e nas experiências também revela muito bem o carácter filosófico dela, pois é típico dos filósofos admirarem e respeitarem o mérito, o valor, a racionalidade e a inteligência em detrimento das convenções sociais, das hierarquias, estatutos, profissões, cargos e títulos.
O filme também é bom no modo como consegue apanhar a transição da idade romana clássica que valorizava o rigor da razão para a época cristã medieval crédula, ignorante e obscurantista. O jovem escravo dela que oscila dubiamente entre um mundo e outro mostra isso muito bem. Depois, a crueldade dos tempos incivilizados e a destruição de séculos de conhecimento numa nesga de tempo que é simbolizada pelo ataque violento à biblioteca de Alexandria e ao que ela representa.
O fim do filme falseia o que se sabe da morte dela: foi torturada por uma turba de cristãos que não aceitavam que uma mulher fosse mais inteligente que eles, arrancaram-lhe a pele ainda viva, desmembraram-na sem piedade. Mas até esse fim falseado é uma metáfora acerca do fim duma época de liberdade de pensamento e de tolerância pela dissidência do pensar, representada na piedade com que o jovem escravo a mata para a poupar à crueldade ignorante dos homens.
Os seus carrascos foram promovidos a doutores da igreja. Ela, que preservou os antigos do esquecimento e inventou as prequelas matemáticas do renascimento, foi atirada para a oubliette do tempo pelos homens que tanto ódio têm ao conhecimento livre em geral e às mulheres em particular.
Faz pensar porque certas partes do planeta estão nesse obscurantismo e outras, como a Europa, para lá caminham a passos largos.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.