Ao contrário da informação (sic) divulgada por vários actores da comunicação social desde Dezembro 2016, nehum dos quatro contratos na posse do consórcio foram rescindidos.
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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Os solos agrícolas no Alentejo estão cada vez mais pobres. Se não receberem rapidamente fertilizantes orgânicos os fenómenos erosivos vão acelerar com as práticas do regadio.
Apanhar azeitonas à bruta com aspiradores, matando tudo quanto é pássaro... mas o ministro da agricultura acha que está tudo bem. Isto não dá votos, não dá brilharetes ao Costacenteno, não querem saber...
New research has discovered that millions of birds are being vacuumed up as part of nocturnal suction olive harvesting in the Mediterranean.
From October to January the machinery operates at night and in Andalusia, Spain, an estimated 2.6 million birds are vacuumed to death annually, with the regional government recently putting a stop to the practice. In Portugal, some 96,000 birds are thought to die every winter. The problem is feared to be so vast that Portuguese researchers have recently written a letter to Nature, pleading that nocturnal olive harvesting is ceased.
Roosting birds are helpless as the machines hoover up olives at night (Junta de Andalucía).
Domingos Leitão, from Portuguese Society for the Study of Birds (SPEA), said: "They [the birds] should not be subject to disturbance in the rest period. If the birds in one row of olive trees are frightened, they fly to another; the [EU's] Birds Directive says that they should not be disturbed during the rest period."
Nuno Sequeira added: "When negative impacts like these are detected, the authorities must act swiftly and accordingly. We are talking about hundreds of thousands of dead birds. The lack of regulation allows birds to die as well as other environmental impacts, such as soil erosion and contamination and pollution of aquifers with synthetic chemicals used in intensive and super-intensive agriculture."
UPDATE: A petition addressed to the relevant members of the Ornis Committee, a commission group responsible for administration of the Birds Directive, has been set up. You can sign it by clicking here.
Aljustrel - fotografia de Luis Reininho
fotografia de José Cardoso Cunha
'campo branco' alentejano (do site do turismo)
foto de Fátima Rita
A vontade do povo não conta para nada...
OFICIAL: GALP VAI FURAR PORTUGAL EM BUSCA DE PETRÓLEO
Em Agosto do ano passado, 42295 pessoas opuseram-se à autorização de perfuração a mais de 1000 metros de profundidade de um furo de prospecção de petróleo e gás ao largo do mar frente a Aljezur, numa consulta pública que ficou também marcada por 4 pessoas que se manifestaram a favor. O governo tinha 30 dias para emitir um parecer. Ontem, cerca de 150 dias depois, descobriu-se num site que não é aquele em que as pessoas participaram, que o Governo decidiu autorizar as concessionárias GALP e ENI a realizar 60 dias de operações, nas datas que lhes apetecer (com apenas um aviso com 10 dias de antecedência) até 2019, e fazer um furo entre os 2500 e os 3000m de profundidade, isentando aparentemente as empresas de pagar cauções e de ter seguro de responsabilidade civil.
De lembrar que a ENI está acusada de corrupção directa no Cazaquistão, no Iraque, na Nigéria, no Uganda, na Líbia, no Gana, no Líbano, assim como é alvo de repetidas denúncias de descargas ilegais, até na própria Itália.
A isto chama-se "panelinha". Os actores são os governos e as petrolíferas. Em Maio de 2016 a concessionária GALP/ENI, antes sequer da abertura da consulta pública para a autorização da realização do furo, contratou uma empresa chamada MedServ e instalou-a no Porto de Sines para dar apoio no processo de prospecção offshore. A mesma empresa viria a anunciar publicamente que havia ganho um concurso da ENI para fazer o apoio logístico à prospecção. Claro que estranhamente isto ocorreu a 26 de Maio, quando a consulta pública apenas abriu 4 dias depois, a 30. Como ocorre frequentemente, a democracia é visto como um artifício, quando se coloca à frente de negócios e negociatas. As consultas públicas em Portugal são um pró-forma quase tão pouco relevante como as avaliações de impacto ambiental, porque no fim o negócio tem é de acontecer, mesmo que seja catastrófico para o Estado, para as populações, para a economia, e sobre o ambiente nem vale a pena falar.
O que foi inesperado na consulta pública de Julho/Agosto de 2016 é que a oposição social era tão avassaladora (bem expresso nos 42295 contra vs os 4 a favor) que houve a necessidade de criar pelo menos uma aparência de respeito pelo processo formal. Assim foi. Sabe-se, desde a altura, que houve uma oposição popular de mais de 10 mil para 1. Sabe-se também que todos os municípios do Algarve se opuseram ao furo e que inclusivamente interpuseram uma providência cautelar para travar esse furo. Ficou-se a saber mais tarde que todas as juntas de freguesia pertencentes ao Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina se opuseram ao furo. E sabe-se pouco mais.
A Direcção-Geral nunca mais falou sobre o assunto. As pessoas que participaram na consulta pública não foram informadas acerca de nada. Sobre o que disseram as entidades de consulta obrigatória, nada. Uma resposta aos vários e múltiplos argumentos invocados, nada. Um relatório sobre uma consulta pública com mais de 40 mil participações? Não existe. Até hoje no site da Direcção-Geral não há nada.
Outra questão relevante era a caducidade do contrato de concessão da ENI/GALP. No ano passado, 2016, nono ano desde a assinatura do contrato em 2007 pelo então ministro Manuel Pinho, a concessionária tinha de realizar uma sondagem de pesquisa. Não realizou. Mais um incumprimento contratual que permitiria cancelar um contrato. A ENI e a GALP terão recebido mais uma borla do governo. Não é a primeira.
Foi preciso vasculhar o site do Plano de Situação do Ordenamento do Espaço Marítimo Nacional para encontrar uma autorização, assinada a 11 de Janeiro de 2017 pelo Director-Geral Miguel Sequeira (que entretanto abandonou a Direcção-Geral), que permite à ENI e à GALP realizar furos no fundo do mar entre o Algarve e o Alentejo, até 3 mil metros de profundidade. A ENI e a GALP podem, durante 60 dias, fazer o furo Santola1X, bastando para tal avisar o governo com 10 dias de antecedência. Além disso, o governo aparentemente isentou as petrolíferas de ter sequer de apresentar caução e de ter seguro de responsabilidade civil, o que é tão escandaloso que só pode ser um erro.
Tudo isto significa que mesmo o pequeno espectáculo montado para criar a ideia de que uma consulta pública servia para alguma coisa não passou de um fogacho. A posição de dezenas de milhares de pessoas, organizações, municípios e instituições públicas, foi olimpicamente ignorada sem ter havido sequer uma resposta, aprovando-se pela porta do cavalo uma licença que é no mínimo dúbia, mas que pode inclinar-se para o criminosa. E as concessionárias sabiam disso, já que a MedServ, empresa contratada antes mesmo de ter sido aberta a consulta pública, manteve-se o resto do ano todo no Porto de Sines. O porto alentejanoteve até direito à expansão do seu heliporto para as operações de logística e à instalação de de contentores onde há mais de um mês já está todo o material para o furo de prospecção.
Os riscos de um furo a 3000m de profundidade são elevadíssimos. Tal pode ser atestado pelo auto-explicativo acidente do Deepwater Horizon em 2010, que ao realizar um furo exploratório no Golfo do México a 1500m de profundidade teve um acidente fatal para 11 trabalhadores e que se manteve a perder petróleo de forma violenta durante os 88 dias seguintes, inviabilizando em grande escala a vida no litoral ligado ao mar de toda a parte norte do golfo. O governo português não só autorizou o furo como deixa aparentemente sem quaisquer condições que esse furo seja feito na altura do ano que mais convier às petrolíferas, sem restrições de segurança para épocas de baixa agitação marítima. A licença é válida até Janeiro de 2019. A isto chama-se irresponsabilidade organizada. E se o primeiro nome nessa organização é o que está no papel – Miguel Sequeira – a seguir não podem deixar de lá estar os nomes de Ana Paula Vitorino, ministra do Mar, José Matos Fernandes, ministro do Ambiente, Jorge Seguro Sanches, secretário de Estado da Energia, e António Costa, primeiro-ministro.
As centenas de pessoas envolvidas nesta luta há já algum tempo e as centenas mais que se vêm juntando nos últimos meses sabem que as espera um combate desigual, do qual fazem parte todos estes jogos de bastidores e simulações de boas vontades. Sabem também que este furo será para combater por todos os meios.
Relacionados: Alentejo mais unido contra o petróleo ou Petição contra o furo aqui
Texto da autoria do Investigador João Camargo Foto: Praia da Arrifana por Município de Aljezur
Para acompanhar e confirmar live, os dados sobre o estado do mar, pode usufruir da nossa rede de livecams e reports preparada para essa finalidade.
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Mas quem foi a pessoa que fez estes negócios como se o país fosse seu? Agora que os combustíveis fósseis estão, por todo o o lado, a ser substituídos por energias limpas é que vamos entrar no negócio da poluição? Temos mar e força de ondas e ventos que não têm fim mas escolhemos sempre o mais fácil e de curto prazo.
Mas alguém acha normal estarem 25 graus a meio de Novembro? Já é o terceiro ano que faz este calorão até quase fim de Novembro.
...what's not to like?
Faz hoje 40 anos, mais ou menos por esta hora, estava presa em casa com a minha mãe, a minha avó [de cama, doente] e os meus dois irmãos mais novos, o J. com 7 anos, a P. com 5 anos, enquanto decorria um julgamento popular -o meu pai e o tio D., em cima duma roulotte- organizado pelo PC do senhor Cunhal e pelo COPCON do senhor Otelo. No Alentejo. Havíamos de sair de lá rodeados de COPCONs com as metralhadoras apontadas por volta da uma da manhã, à pressa mas todos vivos, porque as pessoas que lá estavam a fazer número, reféns desses organizadores, não estavam com eles e não alinharam nos planos previstos.
O que foram aquelas quase sete horas dramáticas pela noite dentro e madrugada e o mês que se lhe seguiu, não pertence aqui ao blog mas está escrito, para memória futura, porque de todos os que lá estavam -do nosso lado- só eu e os meus dois irmãos mais novos estamos vivos, mas eles eram muito pequenos e fui arrancá-los da cama por volta da uma da manhã para irmos embora.
O COPCON, quem hoje sabe o que aquilo foi...? E o PC dos dias de hoje já não é aquele PC do Cunhal. Estranhamente, os outros partidos aproximaram-se do PC no que foram sempre os seus tiques de ter directórios, decisões opacas, exigência de submissão, tomar as decisões à porta fechada, etc. Aliás, toda a Europa (com algumas excepções), com o exemplo desses parasitas que enchem os corredores de Bruxelas a tomar decisões que interessam às suas actividades e ligações particulares [de 5 em 5 anos lá aprovam alguma legislação no interesse dos povos] e a ganhar como nababos só por se darem ao trabalho de aparecerem no serviço, se aproxima, cada vez mais, dos tiques do que foram os partidos soviéticos, autoritários, com as botas a esmagar os povos enquanto se atribuiam a si mesmos privilégios de grandes burgueses, como se dizia na altura em que havia o COPCON, com a única grande diferença que defendem sempre as privatizações [o que não admira pois ocupam (ou ocuparão) os seus directórios].
O que nunca pensei foi, passados 40 anos, dar por mim a pensar se não seria preferível esse tempo onde, ao menos, tudo era claro, a este de ganâncias nebulosas onde o CDS se comporta como o PC e o PSD como o PS e todos juntos, se os trocassem todas as semanas no Parlamento e no governo, como quem baralha cartas, nem dávamos por isso... onde, na Europa, um grupo de tipos, a maioria de grande mediocridade democrática, por se acharem especiais devido a terem muito poder decidem, à porta fechada, no seu Politburo, quem vive e quem morre na Europa para servir os seus interesses.
Começa-se a ler estes artigos com uma certa esperança de que, se calhar, está a nascer algo diferente mas acaba sempre no mesmo...
Resumindo: um grupo de alemães que foi ostracizado na sua própria terra por criarem uma comunidade mais ou menos 'hippie' na Floresta Negra, nos anos 60 resolveu mudar-se para o Alentejo, para perto de Odemira. Compraram uma herdade e tornaram-na auto-sustentável. Até aqui tudo bem. Depois continuamos a ler: Portugal podia ser o país mais rico da Europa mas os portugueses são burros -daí que estes seres superiores tenham vindo ensiná-los-, a comunidade é governada por homens -sim, não há eleições mas quem manda são homens e suas esposas ligadas ao guru da ideia original-, há um conselho de mulheres -logo, não há igualdade de género-, é obrigatório o amor/sexualidade livre, falar em público da sua sexualidade e dos parceiros sexuais, etc., fazem tudo em conjunto -mas desconfio que quem está na cozinha são as mulheres- e tomam decisões em conjunto embora o chefe acabe por levar a sua avante... e querem criar mais herdades na região para, se for preciso, tornarem toda a região -o Alentejo?- independente. Querem mudar o mundo através do amor livre/sexualidade livre e da partilha da propriedade para matar o capitalismo com amor. Alguns vivem cá a tempo parcial porque têm negócios prósperos na Alemanha.
(este texto, escrevi-o em 2009, no 25 de Novembro. Hoje quis re-publicá-lo em memória do Jaime Neves. Acrescentei algumas coisas)
11 de Março de 1975. Estávamos a viver no Alentejo numa herdade bastante grande (de que não eram proprietários. O meu pai era administrador) e eu e três das minhas irmãs estudávamos no Liceu de Évora, onde hoje é a Universidade.
Pela hora do almoço telefona-nos a minha mãe. Queria saber se estávamos todas bem. Tinha recebido um telefonema anónimo a perguntar se sabia de todos os filhos porque talvez alguns não chegassem vivos ao fim do dia. Ora, como somos sete irmãos e só dois estavam ainda em casa (o meu irmão mais velho estudava em Portalegre) a minha mãe tratou logo de nos contactar. Nesse dia fomos para casa. Havia uma revolução em curso e corriam os piores boatos no Alentejo.
Na semana seguinte voltámos para a escola.
Por esses dias era costume ver-ser o Pesarat Correia, que era o comandante da região militar sul, passear-se em Évora de botas de cano alto e pingalim na mão com ar de grande senhor, apesar de ser, dentro dos esquerdistas, um moderado. Foi um dos 9 do Conselho da Revolução que assinou o documento contra a transformação de Portugal numa espécie de satélite da então URSS. Mas em Évora andava como se fosse dono daquilo a mandar prender este e aquele.
Estava-se em pleno PREC (Processo Revolucionário Em Curso, para os mais novos). O Otelo, que era o chefe da segurança militar, mandava nos COPCONs - estrutura de comandos operacionais que andavam pelo Alentejo de metralhadora em punho a prender e aterrorizar pessoas.
Os telefonemas anónimos com ameaças de morte tornaram-se frequentes. O meu pai foi preso várias vezes. As acusações eram sempre as mesmas: era fascista ou lacaio do capitalismo ou contra-revolucionário ou as três coisas ao mesmo tempo.
Um dia, por exemplo, estávamos na Páscoa desse ano de 75 e a minha mãe resolveu ir a Arraiolos à igreja à adoração do Santíssimo (que acho que se faz na quinta ou sexta feira santa, não sei ao certo). Arrastou-me a mim e a uma amiga que passava férias comigo atrás dela para a Igreja. No dia seguinte aparece o COPCON com uma ordem de prisão para o meu pai por ter ido à noite a uma reunião de fascistas na Igreja. Nessas coisas o meu pai não discutia nunca. Ia preso e é claro que passado um dia libertavam-no, porque aquilo era só para massacrar, sabiam muito bem que não havia crime nenhum. Nesse dia a minha mãe meteu-se na conversa e disse que a ir alguém preso seria ela porque quem tinha ido à igreja tinho sido ela. Gerou-se a confusão (é preciso dizer que os COPCONs tinham sempre as metralhadoras apontadas) e nesse dia ninguém foi preso. Mas estes episódios tornaram-se frequentes.
A primeira vez que isso aconteceu foi num sábado ou domingo e estávamos a almoçar quando tocaram à porta. A minha mãe disse-me, meio a brincar, 'se for o COPCON diga que ainda não acabámos de almoçar' E era mesmo! Fui abrir a porta e dei com três COPCONs de G3 apontadas...
Às vezes, quando não tinham pessoal, os COPCONs mandavam a GNR ir prender o meu pai. Como eles conheciam muito bem o meu pai chegavam lá e pediam vinte vezes desculpa, dizendo que tinham que obedecer. É claro que nós sabíamos disso. Toda a gente andava com medo deles.
Passados poucos meses, na noite de 14 para 15 de Julho, prenderam-nos em casa, a mim (estava quase a fazer quinze anos), à minha mãe, aos meus dois irmão mais novos, um com oito anos outra com seis e a minha avó (o resto dos irmãos assim que terminaram a escola tinham saído do Alentejo) logo pela manhã.
Ao longo do dia juntaram umas centenas de pessoas das redondezas aos trabalhadores da herdade e estiveram em festa a beber todo o dia. Este era o modus operandi do PC: juntar muita gente e pô-los a beber. E, no caso desta herdade, como era de alguém muito falado no país, queriam tirar o máximo de ganho e de propaganda da expropriação da herdade, fazendo um julgamento popular com condenação e etc. Era tudo uma fantochada para TVs verem porque há muito que quem era dono da herdade tinha dito que se quisessem ficar com a herdade que ficassem. Mas isso não interessava ao Processo (estalinista) Revolucionário em Curso. Eu tinha acabado de ler há pouco tempo O Arquipélago do Gulag e reconhecia os métodos do PC nestes julgamentos populares, embora numa escala mais pequena. Naquela altura não era possivel não ser-se politizado.
Enfim, lá pelas 7 da tarde o COPCON do Otelo, que era quem comandava o circo, às ordens do PC da época, pôs o meu pai e um amigo (primo e representante do dono da herdade que estava ausente do país) em cima duma roulotte, candeeiros petromax à volta deles a dar um ar espectral à coisa, juntaram-se de armas apontadas à volta deles e começaram um 'julgamento popular' que durou cerca de 5 horas, em que só disseram parvoíces e gritaram as palavras de ordem do costume - 'abaixo o fascismo', 'morte aos fascistas', etc.
Eu e a minha mãe ouvíamos esta gritaria dentro de casa. Estive lá no meio dos trabalhadores, meio às escondidas (sai por uma janela e fui lá ver), e vi aquilo tudo, mas por pouco tempo. Uma das mulheres que lá estavam disse-me para me ir embora antes que me descobrissem, que aquilo estava muito perigoso. vi o meu pai e o tio Diogo em cima da roulotte com COPCONs à volta; os do PC é que faziam o teatro. Gritavam coisas do género, 'quem é que tem queixas deste fascista?'. como ninguém falava gritavam palavras de ordem e ameaças de morte.
O 'julgamento' não deu em nada, isto é, não conseguiram que alguém o acusasse. Acho que nas 'actas' ficou escrito que o meu pai, em quase 30 anos de trabalho tinha um dia deixado apodrecer uma saca de batatas.
Irritaram-se. Ainda gritaram 'fechem-nos em casa e peguem fogo à casa' para ver se pegava junto da populaça, mas não pegou. É preciso dizer que os trabalhadores da herdade, com excepção dos líderes comunistas, estavam assustados e revoltados com aquilo, mas presentes, porque tinham sido avisados que ou colaboravam ou eram despedidos. Aliás, a maior parte deles tinha avisado os meus pais às escondidas dos boatos acerca do que se estava a tramar. Mas estavam lá as centenas de comunistas e mirones trazidos de outros sítios ao longo do dia, de propósito para aumentar a confusao - que nestas coisas o Cunhal não brincava em serviço.
Lá pela meia noite e meia o meu pai entrou em casa com os COPCONs atrás. A minha mãe disse-me para acordar os meus dois irmãos e fazer uma mala à pressa que íamos embora. A minha avó saiu de ambulância. Eu, de mão dada com o meu irmão mais novo e a pequenina ao colo ( porque os meus pais andavam 'guardados à vista' pelos COPCONs que achavam que eles tinham alguma fortuna que iriam levar escondida...) esperei que me dessem ordem para entregar os miúdos à minha mãe, coisa que fiz com uma metralhadora apontada às costas. Depois meti-me na ambulância para a minha avó não ir sozinha.
Enfim, saímos de lá com vida, embora sem nada. A meio dessa noite, lá pelas onze horas eu e a minha mãe sentámo-nos na casa de jantar depois de ouvir gritos de 'queimem-nos lá dentro' e tal. A minha mãe achava que talvez não nos deixassem sair vivos. Pensámos uma maneira de poder fugir. Pelo mesmo sítio por onde tinha saído para ir lá abaixo ver o 'julgamento. Felizmente não foi preciso.
Ando a escrever as minhas memórias desses tempos do PREC. Os meus pais já morreram. O tal amigo que também foi julgado com o meu pai, também já morreu. Os meus irmãos eram demasiado pequenos para se lembrarem. A mais nova, por exemplo, fui eu quem a arrancou da cama já passava da meia noite e saiu de lá meio a dormir. Resto eu, para contar.
Enfim, o 25 de Novembro veio acabar com este estado de coisas mini-estalinista à portuguesa.
Quando foi o 25 de Novembro já eu estava a estudar em Lisboa, no Liceu D. João de Castro. As aulas foram interrompidas por notícias de revolução. Dizia-se que havia guerra entre os comandos do Jaime Neves e as tropas do COPCON. Eu e a minha irmã fomos a correr para a Ajuda. Ouviam-se tiros. Assisti àquilo tudo com enorme alegria.
Quem viveu o PREC no Alentejo percebe o que digo.
Obrigada, Jaime Neves.
O Algarve já ficou para trás e o ar condicionado foi uma grande invenção que o
alentejo queima...
O sociólogo Manuel Villaverde Cabral justificou este sábado a elevada taxa de suicídios no Baixo Alentejo com o facto de se verificarem muitos casos de solidão em pessoas idosas, que não possuem fé católica.
Em declarações à agência Lusa, o director do Instituto do Envelhecimento, que esteve num colóquio sexta feira à noite em Odemira, relacionou o elevado número de suicídios, sobretudo nos homens viúvos, com a solidão, depois da morte dos cônjuges.
Villaverde Cabral classificou o sexo masculino como "pouco inteligente" e "completamente dependente das mulheres". No caso dos homens alentejanos, como "pessoas simples e que esperam que a vida seja simples e natural", a expectativa é de que "as mulheres morram depois deles".
O problema da Sociologia é usar os números para construir teorias incertas como se fossem certas. Porque os números só por si não falam, é preciso alguém que os interprete e, como se sabe podemos pôr os números a dizer isto, aquilo e mais outra coisa qualquer. Por exemplo, eu olho para estes números de suicídios de idosos no Alentejo e vejo outra coisa. Vejo que não é a falta da fé que os leva ao suicídio, mas a solidão e o que acontece é que, sobretudo nos meios pequenos, a igreja católica tem um serviço de acção social muito eficaz e apoia os viúvos: é o padre que os visita com frequência e outras pessoas que os chamam para grupos da igreja não os deixando ficar sozinhos, o que não acontece se não são católicos.
Dizer que isso se deve a os homens serem pouco inteligentes parece-me um erro de interpretação muito grande. O que vejo é que as pessoas de outras gerações, sobretudo de meios mais pobres, tinham uma educação muito diferente: os homens trabalhavam e não faziam nada em casa enquanto as mulheres geralmente ficavam em casa. Por isso, as mulheres tinham redes sociais que mantinham até à morte enquanto os homens tinham redes sociais que mantinham enquanto trabalhavam. Mesmos as mulheres que trabalhavam tinham uma vida de afazeres domésticos para além do trabalho. Por isso, se o homem morria primeiro a mulher tinha as amigas e o trabalho de casa para se entreter: ir às compras, arrumar a casa, etc., enquanto os homens, ficando viúvos, ficavam perdidos por não terem, nem interesses nem afazeres. Parece-me que tem a ver com a educação e não com a inteligência, embora seja certo que a grande maioria desses homens é muito dependente das mulheres.
Mesmo hoje em dia eu vejo que as pessoas em geral não desenvolvem interesses para além do trabalho, vejo que se vêem a si mesmas como actores dum papel que têm que cumprir: primeiro estudar, depois trabalhar, casar, ter filhos e a certa altura vêem-se já como pessoas de certa idade que já têm a vida vivida e que daí para a frente já não têm mais portas para abrir. Isso é o que vejo nos outros: a desistência dos sonhos por falta de interesses, por educação limitada e por uma noção da vida como uma coisa ligada exclusivamente ao corpo e à idade. Faz-me muita confusão porque nunca me vi assim nem vi assim os outros.
Como diz o André, uma pessoa é uma pessoa e está viva e enquanto está viva é activa e não pára porque há tanta coisa para fazer e para saber e para mudar e para viver e há sempre a possibilidade de se abrirem portas com novos caminhos.
Mas, a verdade é que esta não é a maneira de pensar da maioria das pessoas que são apertadinhas e aceitam as cangas que lhes põem desde novas.
Isto é o que vejo nestes números...
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