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Poema de Álvaro de Campos censurado em manual de Português da Porto Editora

Três versos de Ode Triunfal — que contêm linguagem explícita — foram substituídos por linhas a tracejado.

publicado às 07:05


É isto...

por beatriz j a, em 30.11.15

 

 

 

 

 

publicado às 18:36

 

 

Álvaro de Campos

OPIÁRIO

(excerto)

 

 

Pertenço a um género de portugueses

Que depois de estar a Índia descoberta

Ficaram sem trabalho. A morte é certa.

Tenho pensado nisto muitas vezes.

 

Leve o diabo a vida e a gente tê-la!

Nem leio o livro à minha cabeceira.

Enoja-me o Oriente. É uma esteira

Que a gente enrola e deixa de ser bela.

 

Caio no ópio por força. Lá querer

Que eu leve a limpo uma vida destas

Não se pode exigir. Almas honestas

Com horas pra dormir e pra comer,

 

 

publicado às 23:58

 

 

 

murat ibrahim

 

 

 

Pecado Original

 

Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da humanidade.

O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí.

Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?

Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.

Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?

Quantos Césares fui!

Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão —
Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa

 

 

publicado às 09:09


Poesia... Álvaro de Campos

por beatriz j a, em 05.08.12

 

 

 

Ah! Ser indiferente!

Ah! Ser indiferente!

É do alto do poder da sua indiferença

Que os chefes dos chefes dominam o mundo.

 

Ser alheio até a si mesmo!

É do alto do sentir desse alheamento

Que os mestres dos santos dominam o mundo.

 

Ser esquecido de que se existe!

É do alto do pensar desse esquecer

Que os deuses dos deuses dominam o mundo.

 

(Não ouvi o que dizias...

ouvi só a musica, e nem a essa ouvi...

Tocavas e falavas ao mesmo tempo?

Sim, creio que tocavas e falavas ao mesmo tempo...

Com quem?

Com alguém em quem tudo acabava no dormir do mundo...

 

 

Álvaro de Campos

 

publicado às 22:29


Poesia - Saudação a Walt Whitman

por beatriz j a, em 17.09.09

 

 

 

            

             (...)

Abram-me todas as janelas!
Arranquem-me todas as portas!
Puxem a casa toda para cima de mim!
Quero viver em liberdade no ar,
Quero ter gestos fora do meu corpo,
Quero correr como a chuva pelas paredes abaixo,
Quero ser pisado nas estradas largas como as pedras,
Quero ir, como as coisas pesadas, para o fundo dos mares,
Com uma voluptuosidade que já está longe de mim!
Não quero fechos nas portas!
Não quero fechaduras nos cofres!
Quero intercalar-me, imiscuir-me, ser levado,
Quero que me façam pertença doída de qualquer outro,
Que me despejem dos caixotes,
Que me atirem aos mares,
Que me vão buscar a casa com fins obscenos,
Só para não estar sempre aqui sentado e quieto,
Só para não estar simplesmente escrevendo estes versos!
Não quero intervalos no mundo!
Quero a contigüidade penetrada e material dos objetos!
Quero que os corpos físicos sejam uns dos outros como as almas,
Não só dinamicamente, mas estaticamente também!
Quero voar e cair de muito alto!
Ser arremessado como uma granada!
Ir parar a... Ser levado até...
Abstrato auge no fim cie mim e de tudo! (...)

Álvaro de Campos (heterónimo)

publicado às 00:03


no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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