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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Nestes últimos dias tenho lido que os portugueses foram irresponsáveis a votar, que queriam uma coligação de esquerda, que não queriam uma coligação de esquerda, que ao votarem assim não querem a democracia, que a esquerda é lírica e age com pena dos pobrezinhos, que a culpa é da direita, que o povo não percebe de política...
Se calhar o que os portugueses não querem é voltar a dar maiorias absolutas a partidos porque aqueles que tiveram o voto dos portugueses nesse sentido não o usaram com responsabilidade e mostraram o perigo que é ter um partido com maioria absoluta - porque os partidos, em Portugal, pelo menos, não têm uma cultura democrática e não sabem ter maioria absoluta sem resvalar para o autoritarismo ditatorial ou paternalista.
Agem como se não tivessem que governar para todos os portugueses, como se não houvesse uma oposição que representa 30 ou 40% dos que votaram, como se a democracia e o Parlamento não fossem lugares de discussão, de compromissos, de cedências.
Quem não se lembra da maioria absoluta do PS de Sócrates onde nem ele nem os ministros se davam, sequer, ao trabalho de ouvir a oposição ou os movimentos e organizações sociais; quem não se lembra de ele e os seus ministros irem para o Parlamento ofender deputados da oposição, com gozos, desde chamar nomes a fazer 'cornos' às pessoas; quem não se lembra que aquela Lurdes Rodrigues já nem se dava ao trabalho de falar com os sindicatos, mandava um secretário qualquer ouvi-los e não queria saber do que diziam e só voltou a falar com eles depois das grandes manifestações de professores; quem não se lembra dos gastos dos gabinetes, das PPP, dos amigos todos sentados no poder, dos abusos de poder...
E quem é que não se lembra deste governo ter chegado ao poder a cortar salários, subir impostos, despedir em massa ao mesmo tempo que chamava sabotadores aos críticos, gozava com as pessoas a chamar-lhes maricas, dizia coisas do género, 'se não estão aqui bem emigrem'; quem não se lembra do Vítor Gaspar dizer que a culpa da crise eram os portugueses viverem acima das possibilidades; quem não se lembra das tentivas de manipular o TC sem o qual estávamos todos indigentes a pedir no meio da rua; dos dois milhões de crianças com fome, os 400 mil jovens emigrados, da arrogância com que cortavam e ainda diziam que era pouco; das ofensas a todos, desde a oposição ao povo que os elegeu; quem não se lembra da destruição da educação pública, da debandada de médicos e enfermeiras para fora do País, tudo feito com discursos de certezas absolutas.
E não parece que o PCP ou o BE seriam diferentes: o PCP sempre foi um partido de paternalismo não-democrático [como se vê pela actuação dos seus sindicatos] e o BE é um partido de intelectuais que dá mais importância ao facto de ter razão que ao interesse das pessoas.
Pois este é o problema pelo qual não têm maiorias absolutas e pelo qual não se responsabilizam -se calhar nem vêem o problema, de tal maneira vivem nos meandros dos interesses pessoais e partidários- e ainda têm o descaramento de responsabilizar o povo, que é quem paga na carne estes erros, por não terem votado como queriam ou lhes agradaria.
Pior é que esta cultura de autoritarismo não-democrático, de recusa em aceitar visões diferentes, de recusa em discutir, de denegrir e caluniar críticos e atirá-los para o canto dos sabotadores ou rudes ou o que seja, tem vindo a infectar todos os domínios da sociedade, todas as áreas de trabalho e, a corrosão é já por demais evidente, mesmo com as tentativas de máscara dos intervenientes e dos seus cúmplices, activos e passivos.
Se os partidos não querem fazer um exercício de auto-crítica e mudar as suas práticas, não façam, mas não culpem os portugueses pelas vossas ambições e arrogâncias partidárias.
Já contribuí, por duas vezes, há muito, muito tempo, desde que voto, para maiorias absolutas. Nunca mais o fiz, nunca mais o faço. Só se for necessário para defender a indepedência do País. Caso contrário, nunca mais. Os políticos que temos não sabem usar democraticamente o voto de maioria absoluta. Mas lá está... na opinião dos 'doutos' dos partidos eu devo fazer parte do povo ignorante que não percebe que o melhor para o País é aceitar o que os políticos dizem porque 'eles é que sabem, eles é que estão lá, eles é que estão por dentro das coisas'.
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