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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Esta professora escreveu um livro sobre um projecto na sua escola e o ministério encomendou-lhe a escrita da reforma da flexibilidade curricular? Esta reforma é isso? O projecto de uma professora num agrupamento? Com que pressuposto? Se resulta para a escola x resulta para todos? Ou estou a ler mal?
E lê-se o artigo, escrito em modo, 'a pequena sereia' (o agrupamento é excepcional e os professores e alunos estão sempre entusiasmados e vão para a escola quais passarinhos esvoaçantes com sede de conhecimento... mas alguém engole que a realidade é um filme da Disney? Enfim...) e parece que há ali uma invenção mas não há.
Na realidade já se fazem e sempre se fizeram, nas escolas, projectos de interdisciplinaridade [ali dão-lhe outro nome]. Hoje em dia menos pela simples razão de que os programas são muito extensos, se um professor não o der será o professor do ano seguinte a ter que dar o seu programa e o resto do anterior com aulas suplementares, os alunos vão a exame e, levar a cabo projectos interdisciplinares custas muitas aulas.
Ora, entre fazer interdisciplinaridade e cumprir o programa e preparar os alunos para o exame, uma pessoa escolhe cumprir os seus deveres. Porque tudo isto é muito lindo mas no fim do ano fazem uma listagem nacional vertical dos alunos e das escolas em rankings com as notas dos exames e categorizam as escolas e os professores como bons e maus a partir disso, sendo que os alunos que falharem os exames, têm a vida adiada, o que talvez não custe à equipa da tutela mas custa-lhes a eles, aos pais e a nós.
A solução encontrada de retirar um quarto das aulas para projectos é uma não-solução porque depois é o professor que tem que se arranjar para dar o programa. E não, as apendizagens essenciais não resolveram nada: há casos em que tornam os programas mais extensos e outros em que os tornam incoerentes porque apenas se limitaram a tirar-lhe pedaços. Mais valia que tivesse pensado programas novos com pés e cabeça.
Até mesmo variar avaliação custa muitas aulas. Uma turma tem 30 alunos. Pomos os alunos a trabalhar em grupo sobre sub-temas de uma unidade. Temos que tirar, pelo menos uma aula para ver o andamento do trabalho dos grupos e se precisam de ajuda para além do apoio que em todas aulas vai acompanhando o que fazem, à custa do tempo de aula.
Depois, um bloco de aulas de 90 minutos não chega para todos os grupos apresentarem/discutirem, etc., os trabalhos, de modo que têm que ser duas. Portanto, para avaliar desta maneira são precisas três aulas.
A avaliação de trabalhos com apresentação oral, com comentário crítico à parte escrita e à prestação oral de cada elemento e do grupo implica o dobro do trabalho que é requerido para classificar testes. Uma turma de 30 alunos leva-me 4 a 5 horas a classificar. Uma turma de trabalhos leva-me dois a três dias de trabalho de 5 horas cada (tempo não lectivo), porque é preciso escrever considerações para os alunos saberem o que correu bem e o que correu mal e possam aprender com a experiência.
Uma pessoa varia a avaliação mas sempre dentro dos limites de poder cumprir o programa e garantir que os alunos compreendem o que estão a dar. A informação hoje em dia é mais complexa e requer compreensão dos processos. Há muita coisa que requer trabalho de concentração em continuidade. Não se pode passar o tempo a variar só para ser giro.
Não admira que a maioria dos professores que têm programas extensos e alunos a ir a exame acabem por fazer, sobretudo, testes com a estrutura de exame.
E isto dá menos trabalho que pôr os alunos a fazer uma exposição de trabalhos desenvolvidos num projecto prático ou a fazer um projecto interdisciplinar que implica reuniões entre todos.
E um professor tem outros trabalhos na escola, não se limita a dar aulas. Por exemplo, dá aulas de apoio/explicações a alunos com dificuldades de várias ordens. O ministério recusa considerar esses aulas, aulas, e chama-lhe actividades não lectivas, mas são-no e requerem materiais e trabalho diferente daquele que é desenvolvido com a turma inteira. Dá um trabalhão preparar aulas para certo tipo de dificuldades.
No entanto, tudo isto sempre se fez e faz, só que hoje em dia, desde que estamos atolados em turmas e em burocracias, faz-se muito menos do que se fazia. Aqui há um par de anos, inspirada pela, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem' de 1948, propus os alunos escrever uma carta dos Deveres Humanos a partir do tema da Ética. Depois fizeram cartazes, uns sozinhos outros com a professora de artes e fizémos uma exposição. Foi giro, eles gostaram de fazer aquilo e tiveram uma aprendizagem diferente mas deu um trabalhão e roubou imensas aulas. Imensas. E isto nem sequer é uma coisa complicada como fazer projectos de robótica ou coisas que impliquem visitas de estudo, por exemplo.
Ora, em vez de nos darem mais tempo, menos turmas, menos alunos e menos burocracia, é tudo ao contrário: mais turmas, mais burocracia, mais alunos. Como não dão condições para o trabalho, antes pelo contrário, quer dizer, as metodologias em vez de tornarem eficaz e aliviarem ainda emperram mais o trabalho, e como vem aí mais papelada e relatórios e cada colaboração mete intervenção de não sei quantas equipas e cada uma com seu relatório e reuniões... que roubam horas e horas, nada disto vai vingar a não ser aquilo que de qualquer modo já se fazia sem comprometer o trabalho.
Só era preciso melhorar o que havia. Mas não. Quiseram parecer que inventavam algo com linguagem nova e tudo. E depois fazem estes artigos a descobrir a pólvora já descoberta.
No livro, com vários exemplos práticos, como unir físico-química e matemática para trabalhar de forma integrada o que é o consumo eléctrico, "estatísticas discretas e contínuas". De que forma? Estudar qual é o consumo eléctrico da sua família durante uma semana? Até pode ser integrada a componente tecnologia, como o uso de telemóveis nas aulas.
O sucesso deste projecto piloto foi tal que o Ministério da Educação alargou-o a todas as escolas, através dos Decretos Leis da Educação Inclusiva e da Flexibilidade Curricular, que o queiram aplicar. Ainda não se sabe quantas escolas vão aderir, mas Ana Cláudia Cohen defende que este programa permite reinventar a sala de aula e que no seu agrupamento o número de turmas neste projecto vai este ano duplicar
Como surgiu a oportunidade de escrever o Guia da Autonomia e Flexibilidade Curricular?
Eu já tinha escrito dois livros sobre a Avaliação de Desempenho Docente. Os laços com algumas pessoas com quem tinha trabalhado ficaram. Surgiu o convite e aceitei-o, no pressuposto de que este guia pretende desconstruir e articular os documentos e legislação que enformam o projecto, dando respostas concretas a públicos diferentes (director; professor; director de turma; professor bibliotecário; equipa de autoavaliação; conselho pedagógico e conselho geral), não apenas através da descrição de etapas e dos papéis de cada um, mas muito concretamente através de sugestões de tomada de decisão para os diferentes atores.
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