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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
O referendo de David Cameron partiu os ingleses ao meio num assunto em que não há meios termos nem, por isso mesmo, possibilidade de compromisso -ou saíam da UE ou ficavam na UE- e, pior ainda, o resultado da votação afectava, como afecta, a auto-imagem identitária da Inglaterra.
À pergunta, 'quem somos nós(?), somos um povo que se afirma pela liderança, autonomamente ou, somos um povo que partilha liderança e autonomia?', os que votaram para sair, a metade mais velha, identificam-se com a Inglaterra ilha, de liderança autónoma e os que votaram para ficar, a metade mais jovem, identificam-se com uma Inglaterra cooperante, integrativa. Os primeiros vêem o canal como uma defesa, os segundos como uma passagem. E as duas visões são incomensuráveis. É preciso escolher uma delas e conseguir que os derrotados se convertam à visão escolhida.
Esta cisão provocou uma crise de identidade que é visível na falta de entendimento entre as duas partes. Se não estivéssemos num século de argumentação e diálogo, a Inglaterra estava numa guerra civil ou numa situação de presos políticos e repressão política como a Espanha com a Catalunha.
Crises de identidade pessoais são aqueles momentos terríveis que levam as pessoas mal resolvidas e precipitadas, na meia-idade, a abandonar a família à balda, a virarem-se para uma fase de prazeres desenfreados, às vezes a atirarem-se duma janela... as crises de identidade nos países têm muitos pontos semelhantes, sendo que afectam povos inteiros com consequências muito mais devastadoras, como guerras civis, revoluções, etc.
Não será fácil à Inglaterra sair desta situação porque é necessário que haja alguma convergência entre as duas partes acerca de como a Inglaterra se vê a si mesma projectada no futuro. No entretanto, os que têm interesses de poder interno aproveitam a situação para ganhar terreno.
O que preocupa mais é a UE, mesmo vendo o que se passa na Inglaterra, falar como se isto fosse um problema apenas dos ingleses, como se não estivéssemos nós todos, países da UE, sentados num barril de pólvora nesta questão, como se os outros povos não ingleses fossem imunes a crises identitárias resultantes das políticas intestinas hegemónicas, egoístas e imprudentes da UE.
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